18 junho 2011

SOCIEDADE

Sigilo, segredo, censura


Alberto Dines





Terra das contradições, incoerências e paradoxos, o Brasil não poderia ter uma imprensa preocupada com este tipo de desarranjo. Razão por que nenhuma das grandes vozes da nossa mídia prestou atenção à tremenda confusão conceitual provocada por três decisões recentes.

Enquanto nossa suprema corte aprovou por unanimidade a realização de manifestações em favor da liberação da maconha, o governo e o Congresso vão na direção contrária favorecendo o sigilo, o segredo e, em última análise, a censura.

Nosso Judiciário acredita na intangibilidade da liberdade de expressão, o Executivo e o Legislativo favorecem o silêncio e a mordaça. A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira uma Medida Provisória que permitirá ao governo manter secretos os orçamentos das obras para a Copa e as Olimpíadas.

 A ocultação tornará impossível o controle dos gastos e favorecerá a FIFA, a CBF, as fraudes, superfaturamentos e corrupção. Até mesmo o procurador-geral da República repudiou a trapaça, mas o governo alega que sem este sigilo as obras fatalmente atrasarão.

O caso da Lei de Acesso às Informações contém discrepâncias mais graves. O projeto foi apresentado com pompa e circunstância no fim do governo Lula, a sucessora recomendou a tramitação em regime de urgência, mas não contava com o ataque de dois caciques da base aliada, os  ex-presidentes Sarney e Collor de Melo, que obviamente defenderam o sigilo eterno dos documentos na esfera da Defesa e Relações Exteriores.

A presidente então mandou retirar o chancela de urgência, o PT estrilou e em seguida Dilma Rousseff foi obrigada a ouvir o ex-presidente Lula pronunciar-se abertamente pelo fim do sigilo dos arquivos. “O povo tem mais é que saber”, afirmou Lula. Se Lula tem razão, Sarney e Collor não têm razão. Mas se a presidente Dilma está com Lula, está desautorando seu vice, Michel Temer, que ontem se declarou favorável à manutenção dos segredos do passado. Com tantos sinais conflitantes, a sociedade perde o rumo e a noção do que é certo ou errado.

A imprensa, através da ANJ, soube optar pelo fim dos segredos. Mas não está sabendo apontar os perigos de viver sem nexo, na beira de rupturas.


Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com/

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O silêncio sobre fatos

Jânio de Freitas




Sob o nome de sigilo de documentos, o que se pratica e muitos querem manter é, em verdade, o silêncio sobre fatos.

O movimento surgido no Senado com tal propósito, por iniciativa de Fernando Collor e engrossado a partir do presidente da Casa, José Sarney, já obteve o êxito inicial, e importante, de despachar para o futuro incerto o projeto do governo Lula que terminaria com o sigilo infinito, para determinados documentos, e atenuaria o prazo de resguardo de outros. Na Câmara, o projeto foi aprovado sem dificuldades.

A ministra Ideli Salvatti contestou ontem as notícias de que o atual governo recuou no apoio ao projeto original, defendendo ainda, portanto, que apenas assuntos de fronteiras, de segurança nacional e de relações internacionais sejam sujeitos a 25 anos de sigilo e passíveis de renovação, uma só, pelo mesmo prazo. A rigor, já é muito, com a presença nesse bolo de registros relativos, por exemplo, à guerra com o Paraguai e aos métodos de aumento do território brasileiro, por exemplo, com a área do Acre.

Obsessão obsoleta

A obsessão pelos segredos é tão obsoleta que, caso se imponha no presente, não resistirá ao futuro já perceptível. Nesse meio tempo, o que de melhor consegue é criar mais fatos comprometedores e contradições grotescas.

Na história da imprensa consta, por exemplo, um episódio esquecido que ilustra bem o motivo dos segredos oficiais ainda impenetráveis. Jornalista audaz, celebrizado por suas denúncias da ação de companhias petrolíferas (a Esso em especial) contra o projeto brasileiro do petróleo, Gondim da Fonseca acreditou na ideia generalizada de que militares vindos da guerra na Itália se haviam tornado paladinos da democracia. Razão que os levou a derrubar a ditadura de Getúlio, da qual as Forças Armadas foram os pilares.
Com tal ânimo, Gondim entregou-se à pesquisa de mais temas silenciados. E, entre eles, publicou no poderoso Correio da Manhã uma narrativa que comprometia Caxias em problemas, não só militares, no comando das forças brasileiras. No mesmo dia da publicação, Gondim da Fonseca sumiu. Paulo Bittencourt, dono do jornal, a quem devo a narrativa, pôs-se em campo − mas nada, nenhuma pista. Foram sete dias de movimentação, conversas, recursos, presumidas ações do governo, até que Gondim fosse encontrado. Em um quartel do Exército. Sem ser contestado, fora apanhado não sabia para que fim, por buscar documentos sigilosos, até contábeis, e publicar texto inconveniente à imagem do patrono do Exército.

Camuflar e esconder a história

Não necessariamente quanto a Caxias e à guerra com o Paraguai, mas que sentido têm sigilos assim, infinitos, senão o de camuflar e esconder a história brasileira, por seus fatos e figuras, para preservar orgulhos e celebrações tantos deles dirigidos a meras fantasias históricas? Nem os aspectos da guerra propriamente, escamoteados à história oficialesca do Brasil, justificam o seu sigilo a pretexto de evitar traumatismos às relações com o Paraguai: os paraguaios sabem, escrevem e leem o que aconteceu ao seu país e ao seu povo. Quem não sabe são os brasileiros.

Os assuntos de formação territorial são o principal fundamento da oposição, no Senado, a prazos para o sigilo de determinados documentos. No Itamaraty, a resistência é absoluta. Os dois focos são movidos pelo temor de que os documentos até hoje sigilosos levem a desentendimentos com vizinhos, mais que todos a Bolívia. É outro caso, porém, em que não haverá revelação alguma a esses países. O que não pode ser conhecido dos brasileiros está até em livros escolares de lá.

Os bolivianos sabem

Em uma de suas primeiras referências às negociações que pretendia com o Brasil, Evo Morales citou, como uma das prioridades, as transações passadas e as pendências de territórios bolivianos com o Brasil. Não pode haver melhor indicação de que os bolivianos sabem o que e como se deram certos abrasileiramentos geográficos. E têm esse trunfo, enquanto o Brasil não quiser enfrentar o assunto.

Se a revelação de processos aplicados por Rio Branco atingiria os conceitos histórico e atual da diplomacia brasileira e talvez, sobretudo, a imagem do patrono do Itamaraty, está aí uma contradição. Já que os feitos e modos de Rio Branco não podem ser revelados sem consequências penosas, não caberia tê-lo como patrono da diplomacia brasileira, e até dar seu nome à escola de formação dos diplomatas, o Instituto Rio Branco.

Lula contornou a prioridade incômoda de Evo Morales com o argumento de que o assunto, naquela altura, agiria contra as muitas ajudas que seu governo pretendia proporcionar à Bolívia e a seu novo governo. Mas todos esses assuntos são apenas questão de tempo, e nem tanto tempo.



Fote: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/



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O fundamento da liberdade


por Mauro Santayana


O STF autorizou as manifestações de sábado próximo, em favor da legalização do uso da maconha. Manifestações em defesa do homossexualismo já se tornaram banais, no Brasil e no resto do mundo. Esses movimentos chocam muitas pessoas, sobretudo as mais velhas, que viveram um mundo muito antigo, o que existia até a primeira metade do século passado. Há menos de cem anos, o homossexualismo era punido a chibatadas em vários países do Ocidente, mas também a chibatadas eram punidos os que se levantavam contra as injustiças, como ocorreu, em 1910, nos navios ancorados no Rio. O episódio levou à desesperada revolta dos aviltados, o que fez de um marinheiro negro, João Cândido, o mais poderoso almirante da historia do Brasil, durante algumas horas.


A visão radical da liberdade de ser não pode admitir quaisquer constrangimentos ao indivíduo, naquelas decisões que só a ele interessam, desde que ele esteja consciente de sua escolha. Drogar-se é uma opção pessoal – e não só com maconha. Combater o tráfico de drogas é dever do governo. A razão recomenda regulamentar a produção e o comércio das drogas, sem, no entanto, deixar de combater o seu uso, com o emprego de outros instrumentos, que não os da repressão policial. O consumo de fumo caiu substancialmente no Brasil, depois de algumas medidas dissuasórias, entre elas a interdição da propaganda que o incitava, e a ação educativa do governo que o combatia. Há, sem embargo, que encontrar soluções engenhosas, no combate ao consumo de drogas que dizimam as crianças pobres, como o crack e o oxi. É possível encontrar sucedâneos que provoquem as mesmas sensações, sem os efeitos que destroem o organismo.


O mais importante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é a associação, reconhecida pelos juizes, da liberdade de consumir maconha – que muitos consideram menos danosa à saúde que o tabaco – à liberdade de expressão. Nos últimos anos, sob o argumento da defesa das minorias, ponderáveis grupos da sociedade ficaram constrangidos de expressar a sua própria opinião. Sem julgar o que pode ser considerado certo ou errado, a liberdade de manifestação do pensamento é a de permitir a difusão de quaisquer idéias, desde que não incitem ao crime. Deve ser livre a manifestação tanto contra o uso de drogas, quanto em seu favor. Os heterossexuais, se se sentirem a isso compelidos, também devem ser autorizados a defender o que consideram ser o relacionamento íntimo normal entre as duas identidades humanas. Mas é conveniente também suspeitar que estimular determinadas manifestações populares significa evitar outras. A ordem de domínio é sagaz: substitui as revoluções políticas pelas revoluções dos costumes. É também de sua solércia construir caminhos de diversão – de fuga, em suma -, ao  promover a alienação política, mediante o afrouxamento moral e o estímulo às crendices. Até mesmo a literatura que, a pretexto da auto-ajuda, açula o egoísmo, serve a esse propósito, ao acenar que a salvação é individual, e não coletiva. A ação política é substituída pela passividade da ascese.


Não é somente a religião – em leitura apressada de Marx – que constitui o ópio do povo. Ao aceitar essa idéia que, convenhamos, não foi exatamente o pensamento do filósofo, teríamos que aceitar a sua antítese: a de que as drogas são – ao nos afastar da dura realidade do sofrimento e da frustração – a religião dos atormentados.


É bom que as ruas das grandes cidades brasileiras se encham dos que desejam, ao mesmo tempo, o direito de usar maconha e o da livre manifestação de pensamento, de qualquer pensamento. Mas seria conveniente que as ruas se povoassem também dos que não podem admitir o retorno das privatizações, entre elas as dos aeroportos, que poderão ser administrados por estrangeiros,  e daqueles que não concordam com o poder que as agências reguladoras de atividades estratégicas têm sobre o Estado e a sociedade nacional. Não seria mal, tampouco, que todos os que assim quisessem, fossem às ruas, a fim de   exigir a punição dos peculatários e de alguns juízes que, sem constrangimento, votam contra a lógica do direito e a razão da ética. Felizmente parece que podemos contar com a maioria do STF, mas o Supremo só  pode manifestar-se em certos casos, quando estão em jogo os direitos constitucionais – entre eles o da liberdade – e os interessados conseguem chegar à sua porta.



Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/

































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