31 outubro 2014

MAIS PARTICIPAÇÃO

A recomendável parceria


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Ao entrevistar a presidenta Dilma no domingo 19 de outubro, eu a percebi serena e firme, solitária, contudo, como que perdida naquele imenso Alvorada. Confesso que Brasília me assusta com seus cenários stalinistas-mussolinianos, fruto de uma arquitetura que repele o ser humano, de sorte a isolar cada um em perfeita solidão, mesmo sem dar-se conta deste triste destino.
Reencontrei a presidenta no vídeo, na noite do domingo seguinte, 26, a celebrar a vitória recém-conquistada. Desapareceu a impressão de uma semana antes. Firme, serena, e algo mais, decisivo: a consciência da liderança. E ouvi um discurso de estadista. Não pratico a retórica, apenas a sinceridade.

Muito me tocaram as duas referências emocionadas que do palco Dilma fez a Lula, cujo desempenho na fase final da campanha foi determinante. Creio que a estreita parceria Dilma-Lula nos próximos quatro anos será garantia de êxito, a despeito das dificuldades previsíveis, ao menos na primeira metade do segundo mandato. Geradas tanto pela crise internacional quanto pela situação interna.
Desde a eleição de 2010 até hoje, a discrição do criador em relação à criatura ficou patente aos olhos de todos. Como se o antecessor quisesse deixar a ribalta toda para a sucessora. Não é por acaso que, a partir de 2011, Lula não comparece às festas anuais de CartaCapital, bem como de muitos outros eventos nos quais Dilma surge como personagem principal.
Neste segundo mandato da presidenta, tendo a imaginar que as coisas mudem, a permitir que o extraordinário talento político do ex-presidente aproveite ao previsível empenho na recuperação dos esquecidos e ainda atuais ideais petistas e, em geral, na prática do diálogo proposto por Dilma. Abertura em todas as direções, em busca de um consenso o mais amplo possível.
Minhas dúvidas dizem respeito ao fanatismo do Apocalipse que se estabeleceu nos mais diversos recantos oposicionistas com o apoio frenético da mídia nativa, entregue, até o último instante, à manobra golpista. Esta animosidade feroz conspirou contra a razão, com o nítido resultado de precipitar um tsunami de mentiras e sandices já bem antes do início da campanha eleitoral.
Nunca imaginei que lá pelas tantas recordaria o professor Alexandre Correia. Da boca dele ouvi o ditame intransponível do direito da sua especialidade, o romano: in dubio pro reo. Não há acusação alguma de todas as formuladas pela oposição contra o governo, amparada em provas, inclusive aquelas surgidas das delações premiadas. Trata-se de um processo em andamento com desfecho previsível a médio ou longo prazo. O professor Alexandre, bianco per antico pelo, como diria Dante, ficaria pasmo. E este é apenas um dos exemplos da delirante precipitação oposicionista, alimentada, sobretudo, pelo ódio de classe. 

Temo aqui um possível complicador para a ação de um governo que propõe não somente o diálogo, mas também a participação popular por vias diretas. Tudo quanto favorece a democracia apavora a casa-grande. De todo modo, é também por sua capacidade de mediação que Lula é importante na busca da aproximação aos habitantes da área do privilégio. O ex-presidente tem uma tradição como conciliador de interesses aparentemente díspares que vai desde a presidência do sindicato até a Presidência da República.
Não sei se Lula, ao contrário do que divulga impávido um jornalão, pretende ser candidato em 2018. Soa hoje como solução natural e ideal para o PT. Resta ver se ele quer, e como decorrerão os próximos quatro anos. Seria este, em todo caso, um excelente motivo para que Lula estivesse mais presente na retaguarda da presidenta reeleita.

A MÍDIA CONTRIBUI PARA ACIRRAR OS ÂNIMOS

Uma bizarra simbiose


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O pedido de auditoria na eleição presidencial, de iniciativa do PSDB, divide o alto da primeira página da edição de sexta-feira (31/10) do jornal O Estado de S.Paulo com a principal notícia de economia. O Globo registra o assunto também na primeira página, mas em uma nota sem grande destaque, e a Folha de S.Paulo deixa o tema sem menção na primeira página e o coloca em posição secundária na editoria Poder.
O fato, incomum na rotina de manchetes compartilhadas pelos jornais que dominam a cena da mídia nacional, chama a atenção. A razão é explicada por um vazamento da redação do Estado: um dirigente do PSDB teria sondado editores sobre qual seria a receptividade do jornal àquela notícia. Com a garantia de que a iniciativa poderia sair em manchete, os autores da medida resolveram se arriscar à aventura de questionar o resultado das urnas, sem o risco de serem execrados pela imprensa por sua atitude vexaminosa.
Agora, imagine-se o contrário: se, derrotado na disputa presidencial, o Partido dos Trabalhadores resolvesse pedir uma investigação sobre a lisura do processo eleitoral. Evidentemente, não apenas as manchetes, mas os editoriais, os colunistas, os analistas econômicos, os filósofos, os psicólogos e outros “especialistas” hospedados na mídia tradicional, e até os astrólogos, estariam mobilizados para condenar a insinuação de que o partido governista colocava em dúvida a justeza da decisão popular. No mínimo, os descontentes seriam considerados maus perdedores, mas o tom geral seria de condenação a uma suposta tentativa de golpe de Estado.
E tudo motivado por análises técnicas? Não. O que move os reclamantes é uma série de manifestações de correligionários nas redes sociais.
O episódio coloca a sexta-feira, 31 de outubro, no calendário de horrores criado pela simbiose bizarra entre a imprensa hegemônica e a oposição ao Executivo federal. Numa escala imaginária de despautérios, fica apenas alguns graus abaixo da manobra consumada no último fim de semana, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, por um panfleto de campanha distribuído sob o logotipo da revista Veja. Não por acaso, o assunto é explorado pelo carro-chefe da Editora Abril (leia aqui) e justificado por um de seus mais dedicados pitbulls.
A nau dos insensatos
A iniciativa do PSDB poderia ser considerada uma tolice, não fosse a revelação de que se trata de operação combinada com pelo menos um dos principais jornais do país.
Qual seria o efeito de tal notícia no ambiente das redes sociais digitais? Evidentemente, essa manobra tende a acirrar o radicalismo na parcela mais aloprada do eleitorado, aquela que prega diariamente o golpe militar e até o assassinato de adversários como ação política legítima. Sua escalada pode gerar uma crise de governabilidade.
O fato de um dos principais partidos do país buscar apoio nesse substrato da cidadania, onde se aglomeram os mais insensatos entre os analfabetos políticos, demonstra a falta de espírito democrático de seus dirigentes, entre os quais já se alinharam alguns intelectuais respeitados. O fato de um jornal de influência nacional embarcar na aventura golpista revela o baixio a que se dispõe a mídia tradicional. Mas a adesão de Veja não surpreende: a revista simboliza há muito tempo a destruição do legado de Victor Civita, processo que pode ser mais bem analisado à luz da psicologia freudiana do que sob as muitas teorias da comunicação.
Quanto aos observadores da mídia, desponta aqui um tema interessante para ser considerado: carece de fundamento a suposição, bastante difundida a partir da distribuição dos votos na última eleição, de que os mais educados entre os eleitores tendem a votar com mais racionalidade. A se julgar pelas manifestações de energúmenos que pregam medidas antidemocráticas como reação à decisão soberana das urnas, pode-se afirmar que é nos estratos com mais anos de escolaridade que se expressam a insensatez, o desatino e a irresponsabilidade.
Estudo do instituto americano Pew Research Center sobre a polarização política nos Estados Unidos (ver aqui, em inglês) mostra que conservadores se informam por fontes menos diversificadas – por exemplo, 88% deles confiam na reacionária Fox News – enquanto os cidadãos mais liberais usam uma variedade maior de fontes de informação e opinião.
Aplicada ao Brasil, a pesquisa provavelmente mostraria como a mídia partidarizada contribui para acirrar os ânimos e coloca em risco a própria democracia.
 
 

30 outubro 2014

SEM INTERMEDIÁRIOS

Sociedade e poder, uma ruptura


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Os leitores e leitoras que ainda leem com atenção os principais jornais brasileiros devem estar curiosos com o noticiário pós-eleitoral, que retoma o estilo predominante até o final do ano passado. Embora o cenário político e os fatos da economia proponham uma grande diversidade de assuntos, pode-se notar que as reportagens, declarações e o conjunto das opiniões selecionadas pela imprensa mantêm um alto índice de convergência, como se as redações combinassem entre si o que vão colocar em destaque.
Mesmo que se saiba que as empresas de comunicação trocaram há alguns anos a concorrência comercial pelo correligionarismo político, ainda chama atenção a grande proporção de coincidências entre temas, interpretações e abordagens, o que torna enfadonho o lazer dos cidadãos que observam as primeiras páginas dos diários enquanto caminham pela cidade. Com pequenas diferenças nos assuntos regionais, pode-se notar que essa convergência aproxima até mesmo os paulistas O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo do carioca O Globo.
Não. O observador não vai fazer referência ao mitológico PIG – Partido da Imprensa Golpista. Essa é uma expressão superada pelo desempenho dos principais veículos de jornalismo na última eleição. A sigla ficou sem sentido porque, ao exagerar na manipulação de fatos reais, factoides, declarações e boatos, as grandes emissoras, os principais jornais e as revistas informativas de maior circulação avacalharam o próprio conceito de partido político. A imprensa se coloca acima das agremiações partidárias, e agora confronta diretamente os poderes republicanos, sem intermediários.
Aqui e ali, colunistas e editorialistas caem na tentação de referendar o Congresso Nacional na decisão de enterrar a proposta de plebiscito encaminhada pela presidente da República. Ao mesmo tempo, articulistas tartamudeiam ao digerir o aumento da taxa básica de juros, que eles mesmos vinham reivindicando. Por outro lado, evidencia-se que os jornalistas lotados em Brasília não possuem suficiente intimidade com o Planalto para fazer apostas sobre a futura composição do ministério no segundo mandato de Dilma Rousseff.
“Petralhas” e “tucanalhas”, uni-vos!
Enquanto isso, a presidente sai de cena para o período regulamentar de férias, deixando para trás a inevitável carnificina da luta por cargos no governo. Lança como iscas dois projetos natimortos: a proposta de plebiscito para a reforma política e o decreto que propõe a regulamentação dos conselhos consultivos. No futuro, ela poderá dizer que a oposição e o PMDB, em seu papel tradicional de aliado objetor, se uniram à mídia tradicional para enterrar uma das principais bandeiras dos protestos que paralisaram as grandes cidades do país em 2013.
Se os manifestantes voltarem às ruas nos próximos meses, haverá menos espaço para a infiltração de bandeiras reacionárias, como aconteceu no ano passado. Então, estará criada a possibilidade de uma convergência na sociedade que se dividiu entre duas candidaturas, mas que guarda uma agenda comum a ser cobrada das instituições políticas. Por isso, apenas alguns poucos alienados ainda manipulam xingamentos como “petralhas” e “tucanalhas” para se referir aos desafetos ideológicos: muitos que se expressam nas redes sociais já percebem a chance de uma coalizão civil por cima dos partidos e da imprensa, com mais clareza sobre o que realmente interessa mudar.
Seria preciso realizar um estudo mais aprofundado, mas pode-se suspeitar que a mídia tradicional perdeu influência sobre a sociedade, apesar de quase ter produzido uma reviravolta na eleição presidencial com a manobra criminosa gerada na revista Veja.
Há evidências de que a imprensa fala diretamente a uma pequena fração da vida civil, pela qual tenta influenciar a maioria, e interage basicamente com o campo político e econômico institucional, ou seja, com o sistema de poder. Essa fração da sociedade abriga o núcleo do pensamento reacionário.
Se há, como indica o mapa dos votos, uma divisão entre ricos e pobres, entre sulistas e nortistas, a imprensa hegemônica tem grande responsabilidade, por apostar na radicalização do discurso político para influenciar o resultado das urnas. Mas há uma ruptura ainda mais evidente entre a sociedade, que em sua maioria preconiza mudanças no sistema de poder, e o sistema de poder, que resiste às mudanças.
Apesar de interpretar o papel de mediadora entre a sociedade e as instituições, a imprensa, como sempre, escolheu o status quo, ainda que a circunstância política não lhe seja favorável.
 
 
 

NÃO SE ESPERE POR EXCEÇAO

UM FATO SEM RETIFICAÇÃO



Janio de Freitas

Antes mesmo de alguma informação do inquérito, em início na Polícia Federal, sobre o “vazamento” da acusação a Lula e Dilma Rousseff pelo doleiro Alberto Youssef, não é mais necessário suspeitar de procedimentos, digamos, exóticos nesse fato anexado à eleição para o posto culminante deste país. Pode-se ter certeza.

Na quarta 22, “um dos advogados” de Youssef “pediu para fazer uma retificação” em depoimento prestado na véspera por seu cliente. “No interrogatório, perguntou quem mais sabia (…) das fraudes na Petrobras. Youssef disse, então, que, pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem. A partir daí, concluiu-se a retificação.” Ou seja, foi só a acusação.

As aspas em “vazamento”, lá em cima, são porque a palavra, nesse caso, sem aspas será falsa. As outras aspas indicam a origem alheia de frases encontradas a meio de uma pequena notícia, com a magreza incomum de uma só coluna no estilo em tudo grandiloquente de certos jornais, e no mais discreto canto interno inferior da pág. 6 de “O Globo”, de 29/10. Para precisar melhor: abaixo de um sucinto editorial com o título “Transparência”, cobrando-a da Petrobras.

Já no dia seguinte à “retificação”, “Veja” divulgou-a, abrindo o material ao uso que muitos esperaram por parte da TV Globo na mesma noite e logo por Folha, “O Estado de S. Paulo” e “Globo”. Nenhum dos três valeu-se do material. Se o fizessem, aliás, Dilma, Lula e o PT disporiam de tempo e de funcionamento judicial para para uma reação em grande escala, inclusive com direito de resposta em horário nobre de TV. O PT apenas entrou com uma ação comum contra “Veja”.

O que foi evitado a dois dias da eleição, foi feito na véspera. A explicação publicada, e idêntica em quase todos os que se associaram ao material da revista, foi de que aguardaram confirmar o depoimento de Youssef. Àquela altura, Lula, Dilma e o PT não tinham mais tempo senão para um desmentido convencional, embora indignado, já estando relaxados pelo fim de semana os possíveis dispositivos para buscarem mais.

“O Globo” não dá o nome de “um dos advogados”. Até agora constava haver um só, que, sem pedir anonimato, foi quem divulgou acusações feitas em audiências judiciais, autorizado a acompanhá-las, que nem incluíam o seu cliente. Seja quem for o requerente, pediu e obteve o que não houve. Retificação é mudança para corrigir. Não houve mudança nem correção. E o pedido do advogado teve propósito explícito: os nomes de quem mais sabia da prática de corrupção na Petrobras. Uma indagação, com o acusado preso e prestando seguidos depoimentos, sem urgência. E sem urgência no processo, insuficiente para justificar uma inquirição especial.

O complemento dessa sequência veio também na véspera da eleição, já para a tarde. Youssef foi levado da cadeia para um hospital em Curitiba. O médico, que se restringiu a essa condição, não escondeu nem enfeitou que encontrara um paciente “consciente, lúcido e orientado”, cujos exames laboratoriais “estão dentro da normalidade”. Mas alguém “vazou” de imediato que Youssef, mesmo socorrido, morrera por assassinato.

O boato da queima de arquivo pela campanha de Dilma ia muito bem, entrando pela noite, quando alguém teve a ideia de telefonar para a enlutada filha da vítima, que disse, no entanto, estar o papai muito bem. O jornalista Sandro Moreyra já tinha inventado, para o seu ficcionado Garrincha, a necessidade de combinação prévia com os russos.

A Polícia Federal suspeita que Youssef foi induzido a fazer as acusações a Dilma e Lula, entre o depoimento dado na terça, 21, e a alegada “retificação” na quinta, 23. Suspeita um pouco mais: que se tratasse de uma operação para influir na eleição presidencial.

A Polícia Federal tem comprovado muita e crescente competência. Mas, nem chega a ser estranho, jamais mostrou resultado consequente, quando chegou a algum, nos vários casos de interferência em eleições. Não se espere por exceção.
 
 
(Extraído do CONVERSA AFIADA, de Paulo Henrique Amorim)
 
 

29 outubro 2014

OJERIZA A TUDO QUE CHEIRA A POVO

Nenhum compromisso com a História


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa


A imprensa brasileira, vista como instituição representada pelas grandes empresas de comunicação que controlam a maior parte da audiência, atuou durante a disputa eleitoral como um organismo coeso, empenhado em levar a Brasília um grupo político mais afinado com seus credos. Perdeu a eleição, mas considera que o grande número de votos na chapa da oposição também é seu patrimônio. Portanto, acha-se no direito de ditar parâmetros para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
Depois de estimular uma ação rápida do PMDB – braço direito do governo em termos metafóricos e sob o ponto de vista ideológico –, para neutralizar o projeto de reforma política por meio de plebiscito, agora a mídia tradicional tenta impedir também que se produza um referendo popular para aprovar o que vier a ser apresentado pelo Congresso como proposta de mudança no sistema parlamentar.
Os congressistas que desejam reformar a política são minoria, o PMDB certamente não representa qualquer desejo de mudança e os jornais não querem plebiscito nem referendo. A imprensa bate bumbo, mas age abertamente contra qualquer tentativa de democratizar o sistema decisório.
Não interessa aos controladores da mídia qualquer avanço para além do sistema corporativista criado pela Constituinte de 1988, no qual se construiu um arcabouço de poder imune a interferências externas. O povo é uma dessas externalidades, e os períodos eleitorais costumam produzir tensões extremas porque, numa campanha, cresce o risco de os eleitores acreditarem que podem interferir no campo do poder político.
Reduzida a intensidade do embate, com alguns aloprados ainda gritando nas redes sociais por impeachment e golpe militar, é possível observar como a mídia se recompõe rapidamente para tentar recuperar o mínimo decoro, sem o qual suas ações perdem eficácia. Na quarta-feira (29/10), por exemplo, O Globo recoloca na pauta o caso do vazamento de uma suposta declaração do doleiro Alberto Youssef, que foi intensamente explorada na véspera da eleição em segundo turno (ver aqui). A acusação contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula da Silva virou de repente apenas um suposto “palpite” do denunciante.
O eco das palavras
No futuro, cientistas políticos haverão de mergulhar nos arquivos da antiga e decadente imprensa das primeiras décadas do século 21, e tentarão entender como o tom do conteúdo jornalístico pode mudar tão radicalmente em tão poucos dias. Como na canção de Chico Buarque, escafandristas tentarão decifrar o eco de antigas palavras que mudam de sentido conforme o contexto a que se referem. Na véspera da eleição, tentava-se impor ao imaginário coletivo um valor absoluto para a palavra “mudança”. Terminada a eleição, “mudança” passa a ser um palavrão.
Depois de protagonizar um dos momentos mais deletérios da história da República, os principais veículos de comunicação do país pretendem que a sociedade os leve a sério. Um ou outro colunista, ainda desavisado sobre a necessidade de recuperar o que for possível de credibilidade, deixa escapar expressões do discurso de baixo calão que contribuiu para a radicalização da disputa eleitoral. Mas o tom geral da retórica jornalística agora é o da contenção.
É preciso mudar os hábitos da política, mas também não vamos exagerar com essa mania de consultar o povo sobre questões importantes, diz o subtexto dos jornais. Pode-se questionar com argumentos razoáveis a efetividade de recursos como o plebiscito para a tomada de decisão em questões complexas como as garantias da democracia representativa. Pode-se também esgrimir ponderações aceitáveis contra a participação direta da população em decisões que envolvem saberes especializados. Mas não é isso que está em pauta no discurso pós eleitoral da mídia.
O que está em jogo é o fato de que as forças mais conservadoras do campo político têm ojeriza a tudo que cheira a povo – e a imprensa hegemônica, agente e regente do campo reacionário, compartilha dessa rejeição.
Plebiscito, referendo, conselhos populares, sistemas de regulamentação e controle – tudo isso ameaça o poder sequestrado pelas quadrilhas da política, com as quais a imprensa compactua.
 
 
 

O QUE CONVÉM

A vitória de Severina e Maria das Dores

Mino Carta, na Revista CartaCapital



Conto uma história singela. Minha doméstica se chama Severina da Silva e está comigo desde 1981. É da minha família. Casada, 61 anos, casa própria, dois filhos formados engenheiros pela USP e muito bem empregados. Nasceu no Recife, onde vivem a mãe, lúcida aos 97, e a irmã Maria das Dores. E esta liga na segunda-feira 20, e informa: “Votei na Dilma e domingo volto a votar”.
Todos os nossos Silva estão com Dilma, no Recife e em São Paulo. “Deus me livre do Aécio ganhar – diz Maria das Dores –, quero realizar o sonho de visitar vocês de avião.” Severina já foi ao Recife três vezes, logo mais virá a irmã. Ambas de avião.

Enredo rigorosamente verdadeiro e altamente simbólico, chave do mais claro entendimento da vitória que Dilma Rousseff colhe ao se reeleger para a Presidência da República. Neste mesmo espaço na edição de 24 de setembro passado eu me atirava “a um vaticínio que muitos reputarão prematuro”. Ou seja, previa que a nação saberia “evitar o risco” de eleger quem representa o regresso.
Aí está o sentido do apoio de CartaCapital à permanência da presidenta Dilma. Sua vitória é a garantia da continuidade da política social e da política exterior independente executadas nos últimos 12 anos. Ganhamos agora a certeza de que o neoliberalismo não vingará, que o salário mínimo não será cortado, que a Petrobras não será privatizada, que o pré-sal não será loteado.
CartaCapital nunca deixou de manifestar a sua decepção com o PT que vi fundar e que por muito tempo na oposição desempenhou a contento o inédito papel de verdadeiro partido para, no poder, imitar os demais. Partidos se declaram, impropriamente. Inegável é, porém, que o governo, por cima e às vezes à revelia da maioria parlamentar, privilegiou os interesses do País.
Verifica-se, assim, uma estranha discrepância de comportamentos. É como se o PT tivesse perdido a sua identidade enquanto o governo mantinha a fé inicial. Dizia um sábio: quem perde a ideologia torna-se contemplativo. Sim, a gente sabe, não faltam aqueles que decretam o enterro das ideologias. De algumas, sim, contingentes, varridas pelo fracasso. Outras as substituem, coerentes com o tempo que passa. E uma ideia não morre, a da igualdade, tanto mais no nosso Brasil ainda tão desigual.
Nesta eleição, até pareceu só ter valor a ideologia reacionária e golpista. Já a alternância no poder se aplicaria somente no plano federal. No estadual, caberia analisar caso a caso. Em São Paulo, por exemplo, a alternância não se recomenda, de sorte a permitir que o governo tucano prossiga no seu caminho de desmandos e desastres.
Está claro que se o PSDB vencesse não se daria apenas a frustração de Maria das Dores. Voltariam, antes de mais nada, as ideologias professadas à sombra de Fernando Henrique Cardoso. Contra Aécio Neves nada tenho na esfera pessoal. Conheço-o, como esclareci em outras oportunidades, há mais de 30 anos, desde quando carregava a pasta do avô Tancredo. Ao longo da campanha, deu-se quanto antecipamos. Foi tragado pelo apoio da mídia nativa e se entregou ao golpismo separatista de São Paulo, sobretudo.

Textos foram publicados, e falas proferidas, de puro humorismo no decorrer do percurso. Não me refiro, obviamente, a quem viu no Brasil um país rachado em dois. FHC incumbe-se de exibir a fratura e se torna valioso cabo eleitoral de Dilma. Se bem entendi, ele faz a diferença entre ricos cultos e pobres desinformados. De verdade, o Brasil sempre esteve a pagar por três séculos e meio de escravidão e a manter de pé casa-grande e senzala. De um lado, a minoria que pretende deixar as coisas como estão. Surge, porém, do outro, quem gostaria de enterrar de vez a herança maldita. A bem de todos.
Aquela acredita viver em Dubai no topo da pirâmide, ou em patamar inferior, sonha em chegar lá. Felizmente, na maioria figuram cidadãs como Severina e Maria das Dores. Elas percebem o que lhes convém.
 
 

7 x 1 EM VERSÃO ELEITORAL

Conta de dividir


A soma dos votos em Dilma e Aécio leva a 105,5 milhões; logo, o que está dividido são os votos, não o país
 
 
por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
 
 
Entre as incontáveis confusões propaladas a respeito da eleição presidencial, já se tornou lugar-comum a afirmação de que o Brasil dividiu-se ao meio. Afirmação que vem de antes da votação, induzida pelas pesquisas, e dada como definitiva e comprovada pela proximidade dos 51,64% de votos em Dilma e 48,36% em Aécio, ou 54,5 milhões para ela e 51 milhões para ele. Mas o tal país dividido em dois não existe. Ao menos no Brasil.
 
A soma dos votos em Dilma e Aécio leva a 105,5 milhões de eleitores, equivalentes à metade da população, também em número redondo, de 200 milhões. Logo, o que está dividido ao meio, ou quase, são os votos, não o país. No qual os 51 milhões de Aécio correspondem a 1/4 da população. O mesmo se dando com Dilma. E, portanto, nenhum deles dividindo o país em dois. Cada um é apenas metade da metade dos brasileiros. Além dos totais de eleitores que se aproximam, sobra outro tanto na população do Brasil.
 
Mas a ideia do país dividido ao meio, rachado, metade contra metade, é necessária. Como diz o velho slogan, “a luta continua” — tão consagrado quanto seu companheiro de derrotas “o povo unido jamais será vencido”. “Fora Lula”, “Fora PT”, “Fora Dilma” foram levados à urna por um símbolo físico, o símbolo que foi possível arranjar, nas circunstâncias ingratas.
 
Não sucumbem, porém, no desastre do seu representante ocasional. São uma ideia de força. E, mal a contagem concluíra, já um dublê de blogueiro e colunista político lançava, altissonante e global, o brado da beligerância: “O país está dividido e a culpa é do PT”. Beligerância ferida, sim, mas não de morte. Apenas no cotovelo.
 
Há que considerar ainda, na divisão do país, a quantidade imensa de eleitores que não se manifestaram por um nem por outro candidato. Os ausentes na votação foram 30,13 milhões. Os que anularam o voto, 5,21 milhões. Somados também os que deixaram o voto em branco, totalizam-se 37,27 milhões de eleitores. Ou 27,44% do eleitorado.
 
Excluídos os possíveis ausentes por morte, não é imaginável que esse povaréu, quase um quinto da população, seja desprovido de toda preferência com sentido político. A propaganda de divisão meio a meio os elimina do cômputo, mas existem e são comprovantes, também, do país multifacetado — como sempre.
 
As referências de Dilma ao diálogo aproximativo com a oposição e, de outra parte, o espírito da propaganda de país dividido são conflitantes. E não por um instante de sensibilidades contrárias de vitoriosos e derrotados. As divergências são de fundo, na percepção das necessidades e na prospecção de futuros do Brasil. A meta dos derrotados na urna continua a mesma. Os meios de buscá-la, também, se todos os recém-usados continuarem possíveis. E se não vierem a contar com outros, não menos conhecidos.
 
União, nem em Minas, onde foi feito o julgamento de Aécio, derrotado duas vezes por seus ex-governados. União, só a de Marina, do nome Eduardo Campos, da viúva Campos, de Aécio e do PSB para o vexame presunçoso de perder para Dilma por 70% a 30%, o 7 x 1 em versão eleitoral.
 
 
 
(Extraído do VIOMUNDO, de Luiz Carlos Azenha)
 
 

28 outubro 2014

O JORNALISTA, UM MEDIADOR

O jornalista e a falácia do mensageiro


Sylvia Debossa Moretzsohn, no Observatório da Imprensa


A tentativa de influenciar o voto dos eleitores indecisos, e mesmo de reverter a decisão de quem já havia feito sua escolha, através da produção de um bombástico factoide de última hora, já foi suficientemente analisada por Luciano Martins Costa em seus mais recentes artigos neste Observatório (ver aqui e aqui). Mas a última edição da revista Vejateve, além de tudo, o poder de ressuscitar a famosa metáfora do mensageiro, através da qual os jornalistas costumam isentar-se de responsabilidade pelo que divulgam.
Foi exatamente este o argumento utilizado pela revista, ao responder à contundente manifestação da presidente Dilma Rousseff, então candidata à reeleição, em seu último programa eleitoral, no qual acusava a publicação de haver cometido um crime (ver aqui). Foi também este o argumento disseminado em comentários nas mídias sociais.
Desmontar essa falácia é uma providência fundamental para esclarecer o papel, a relevância e as responsabilidades do jornalismo.
O jornalista, um mediador
Há alguns anos, o jornalista português José Vitor Malheiros, no Público, ofereceu uma excelente síntese para esse esclarecimento:
“Os jornalistas não são mensageiros porque o seu papel não consiste em transportar de um lugar para outro – das folhas de um processo para as páginas de um jornal, por exemplo – uma dada mensagem. Um jornalista não é um estafeta reduzido a um papel de mero transporte, nem um pé de microfone. (...) os jornalistas, sendo mediadores porque estabelecem uma mediação entre leitores e sociedade, são produtores de informação e possuem o dever de escolher, filtrar e validar as notícias que dão – a partir da informação que recolhem activamente ou que recebem passivamente – e até de traduzir, descodificar, explicar, enquadrar ou mesmo comentar as notícias que o exijam. São os autores das notícias”.
Como se vê, o trabalho do mediador tampouco implica neutralidade: exige critério para filtrar, no meio do turbilhão de informações, aquilo que tem credibilidade, substância e relevância para ser publicado. Exige fazer escolhas, como é próprio da atividade jornalística.
Um mentiroso como fonte
Ancorado no que pejorativamente passou a ser conhecido como jornalismo declaratório, o denuncismo já foi objeto de inúmeras críticas. Baseia-se nisso que certa vez chamei de “jornalismo de mãos limpas”: alguém faz uma denúncia, a imprensa publica; o denunciado protesta, a imprensa publica. Bastaria, portanto, referir as informações – verdadeiras ou falsas, pouco importa – às fontes, e lavar as mãos: quem as divulga não teria nada a ver com isso.
É um raciocínio que não resiste à mínima reflexão: para dar um exemplo extremo, concordar com ele é aceitar que a imprensa se comportou de maneira perfeitamente ética no caso Escola Base.
No que diz respeito às denúncias de Veja, (in)devidamente antecipadas no site do Globona base do condicional – o doleiro “teria dito”, a revelação “teria sido feita” etc – e depois reproduzidas nos dois principais jornais paulistas, há outro aspecto a ser considerado: as acusações teriam decorrido de um acordo de delação premiada, pelo qual o preso se compromete a dizer a verdade, ou não obtém o benefício almejado. Logo, parte-se singelamente do pressuposto de que ele não mentiria. Por que aguardar a apresentação de provas, então?
Em sua coluna de 26/10, na Folha de S.Paulo, Janio de Freitas fornece um perfil do denunciante:
“Dado apenas como doleiro, Alberto Youssef é mentiroso profissional. E seu negócio são importações mentirosas para exportar dólares como pagamentos. Sua atual busca de delação premiada, em troca de liberdade apesar de criminoso confesso e comprovado, não é a primeira. Voltou a ser preso, há seis meses, porque, desfrutando de liberdade concedida pela Justiça como prêmio por antigas delações, dedicou-se aos mesmos crimes que se comprometera a não repetir. A delação premiada e o acordo com um juiz foram ambos mentirosos”.
Seria aceitável confiar numa fonte como esta? Mais ainda: seria lícito servir de porta-voz desse tipo de fonte e divulgar acusações de tamanha gravidade às vésperas de um momento decisivo para a vida política do país?
A tarefa de asseverar
Previsivelmente, a tendência de uma parcela do público não é indagar as intenções da revista, mas acolher as denúncias, porque “é evidente” que Lula e Dilma sabiam de tudo: o senso comum funciona precisamente no sentido contrário ao dos postulados do direito e se baseia na presunção de culpa.
Não seria demais assinalar, entretanto, que, se “é evidente”, nem haveria necessidade de investigação judicial. O mais grave, porém, é ignorar que casos de corrupção costumam ter ramificações importantes, embora as denúncias sejam sempre seletivas e, desta forma, publicadas com o objetivo de atingir determinados alvos, deixando outros envolvidos à sombra.
Tudo isso, claro, sempre em nome da “liberdade de expressão”, cujo abuso, uma vez contestado, é sempre condenado como tentativa de imposição de censura.
Num livro publicado originalmente há 20 anos (Pragmática do jornalismo, Summus), o professor Manuel Carlos Chaparro afirma que o ato de fala próprio do jornalismo é o de “asseverar”. Mais ou menos pela mesma época, o economista João Sayad escreveu breves mas preciosas “Notas sobre a imprensa” na Folha de S.Paulo (12/2/1993), em que comentava os métodos usuais na cobertura de economia:
“Andam dizendo que tal instituição vai quebrar. Sim, é verdade, andam dizendo aquilo. Mas será verdade o que andam dizendo? Ou é verdade que andam dizendo mentiras?”
É pela responsabilidade de distinguir entre verdade e mentira – e as mil e uma nuances entre esses extremos – que o jornalista preserva a sua dignidade. Confundi-lo com um mensageiro, além de falso, seria uma desonra que profissional algum deveria admitir.
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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
 
 

PURO DELÍRIO PARANOICO

O discurso da conciliação


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O segundo governo da presidente Dilma Rousseff foi inaugurado pela mídia na segunda-feira (27), com a oposição declarada à proposta que ela fez no discurso da vitória, de um plebiscito como processo para a reforma política. Os jornais foram buscar os elementos-chave no PMDB para vocalizar a tese de que o Congresso Nacional não vai aceitar a manifestação soberana da sociedade – poderia, quando muito, tolerar que uma deliberação gerada no Parlamento venha a ser referendada pelo voto direto dos eleitores.
Por que a imprensa não usou os costumeiros porta-vozes do PSDB como ventríloquos da vontade das redações? Porque o partido derrotado na eleição presidencial está em recesso, com as feridas ainda em fase de cicatrização, e torna-se politicamente interessante explorar as divisões produzidas no principal aliado do governo durante a campanha.
O PMDB, herdeiro do “Centrão” – núcleo de aves migratórias sempre em busca de um bom poleiro no poder – sabe a força que pode ter, se contar com o apoio da mídia tradicional. Ao se oferecer como amplificador das demandas do PMDB no novo ajuste das forças que se movimentam em Brasília, a imprensa tenta recuperar pelo menos uma fração da influência que desperdiçou ao apostar todas as fichas no candidato tucano.
Agora, trata-se de reduzir a liberdade de movimentos da presidente reeleita, e a tática mais eficiente será cooptar aquela parcela da aliança governista que mais se parece com a oposição. O objetivo é evitar a qualquer custo que o descrédito das representações partidárias – sempre avessas a mudanças no sistema político – venha a estimular o protagonismo direto da sociedade.
Há muita controvérsia em torno da tese do plebiscito, que agrada à fração mais à esquerda do espectro político e provoca náuseas entre os conservadores. A rigor, trata-se de uma operação de alto risco, uma vez que as melhores intenções podem ser viradas do avesso numa campanha aberta, sujeita às mesmas manipulações que marcam as disputas eleitorais.
A ideia lançada pela presidente reeleita foi um balão de ensaio. Seu objetivo é comprometer as forças políticas com a reforma.
A paranoia do controle
Ao se antecipar na tentativa de abortar o plebiscito, a imprensa morde a isca: coloca um empecilho para a fórmula da deliberação direta por parte da sociedade, mas deixa espaço para o debate sobre o que realmente importa – modernizar o sistema representativo, reduzindo a vulnerabilidade dos partidos e criando instrumentos para conter a corrupção na origem. Ao mesmo tempo, pode-se discutir um projeto que defenda a sociedade das manobras desonestas da própria mídia sobre o processo democrático.
O leitor e a leitora que interpretam criticamente o conteúdo da mídia podem observar, na terça-feira (28), como se cristaliza uma mudança no estilo dos principais meios de comunicação do país. Desde a capa da revista Época, que aposta numa edição especial sobre a eleição, até o editorial do jornal O Estado de S. Paulo – o único dos grandes veículo que declarou oficialmente seu voto, ainda que no final da disputa –, o tom geral é de conciliação.
Época usa a imagem do sul-africano Nelson Mandela como sugestão à presidente da República de uma política de convergência diante de desafios que, segundo a imprensa, o governo terá de enfrentar. No entanto, o discurso conciliador não esconde o verdadeiro temor dos donos da mídia: o primeiro editorial da revista acena com a ideia de que “somos um só Brasil”, mas as páginas seguintes desfilam críticas ao que se tornou um mantra da imprensa partidarizada: na opinião da revista, o “lulopetismo” quer o “controle social da mídia”. O modelo, segundo o editorial, seria “o bolivarianismo de Hugo Chávez, na Venezuela” e seu objetivo não é democratizar a comunicação, “mas antes cercear a imprensa livre e independente”.
Puro delírio paranoico.
Os controladores da mídia tradicional gastam energia à toa: a presidente Dilma Rousseff nunca foi adepta de uma regulamentação das atividades da imprensa, nos moldes em que a questão é discutida nas redes sociais e nos manifestos de alguns grupos do Partido dos Trabalhadores e seus aliados mais à esquerda.
A estratégia evidente do núcleo de comunicação do governo petista é cooptar o que puder com as verbas da publicidade oficial e apostar no desgaste natural da imprensa provocado pelo jornalismo panfletário.
Ainda tem gente no governo sonhando com as páginas amarelas de Veja.