03 junho 2011

NOSSO MUNDO

A pensar nas eleições


Boaventura de Sousa Santos





Nos próximos tempos, as elites conservadoras europeias, tanto políticas como culturais, vão ter um choque: os europeus são gente comum e, quando sujeitos às mesmas provações ou às mesmas frustrações por que têm passado outros povos noutras regiões do mundo, em vez de reagir à europeia, reagem como eles. Para essas elites, reagir à europeia é acreditar nas instituições e agir sempre nos limites que elas impõem. Um bom cidadão é um cidadão bem comportado, e este é o que vive entre as comportas das instituições.

Dado o desigual desenvolvimento do mundo, não é de prever que os europeus venham a ser sujeitos, nos tempos mais próximos, às mesmas provações a que têm sido sujeitos os africanos, os latino-americanos ou os asiáticos. Mas tudo indica que possam vir a ser sujeitos às mesmas frustrações. Formulado de modos muito diversos, o desejo de uma sociedade mais democrática e mais justa é hoje um bem comum da humanidade. O papel das instituições é regular as expectativas dos cidadãos de modo a evitar que o abismo entre esse desejo e a sua realização não seja tão grande que a frustração atinja níveis perturbadores.

Ora é observável um pouco por toda a parte que as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos. Se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras. Enquanto tal não ocorre, é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças. Estamos a entrar num período pós-institucional.

Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. Os acampados não têm de ser impecáveis nas suas análises, exaustivos nas suas denúncias ou rigorosos nas suas propostas. Basta-lhes ser clarividentes na urgência em ampliar a
agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração a uma vida digna e social e ecologicamente mais justa.

Para contextualizar a luta das acampadas e dos acampados, são oportunas duas observações. A primeira é que, ao contrário dos jovens (anarquistas e outros) das ruas de Londres, Paris e Moscou no início do século XX, os acampados não lançam bombas nem atentam contra a vida dos dirigentes políticos. Manifestam-se pacificamente e a favor de mais democracia. É um avanço histórico notável que só a miopia das ideologias e a estreiteza dos interesses não permite ver. Apesar de todas as armadilhas do liberalismo, a democracia entrou no imaginário das grandes maiorias como um ideal libertador, o ideal da democracia verdadeira ou real. É um ideal que, se levado a sério, constitui uma ameaça fatal para aqueles cujo dinheiro ou posição social lhes tem permitido manipular impunemente o jogo democrático.

A segunda observação é que os momentos mais criativos da democracia raramente ocorreram nas salas dos parlamentos. Ocorreram nas ruas, onde os cidadãos revoltados forçaram as mudanças de regime ou a ampliação das agendas políticas. Entre muitas outras demandas, os acampados exigem a resistência às imposições da troika para que a vida dos cidadãos tenha prioridade sobre os lucros dos banqueiros e especuladores; a recusa ou a renegociação da dívida; um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente justo; o fim da discriminação sexual e racial e da xenofobia contra os imigrantes; a não privatização de bens comuns da humanidade, como a água, ou de bens públicos, como os correios; a reforma do sistema político para o tornar mais participativo, mais transparente e imune à corrupção.

A pensar nas eleições acabei por não falar das eleições. Não falei?






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A volta de Zelaya a Honduras

 

No último sábado, dia 28, a Telesur exibiu, ao vivo, por satélite, para toda a América Latina, para os latinos que vivem nos EUA e para parte da Europa, o retorno do ex-presidente Manoel Zelaya a sua pátria, Honduras, depois de ter sido deposto por um golpe de estado articulado por alas do governo estadunidense, juntamente com a oligarquia interna hondurenha que não admitia a aproximacão política de Zelaya com Chávez, Cuba e a sua integração à Alba.

A volta de Zelaya simboliza o fracasso deste golpe que, no entanto, cobrou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Zelaya em sua primeira fala em território hondurenho cobrou a apuração das atrocidades e a punição dos responsáveis. E, também, a instalação de uma Assembléia Constituinte, palavra de ordem que estava no centro da Consulta Popular que pretendia realizar há quase dois anos, no momento em que foi deposto ilegalmente.

A ciência da tática aplicada para o seu retorno, sobretudo pela participação do presidente Hugo Chávez, surpreendeu até mesmo setores do movimento de Resistência Democrática de Honduras, deixando alguns outros movimentos do continente confusos e perplexos. Mas, agora, revela-se toda a audácia e a inteligência desta tática que consistiu em explorar a debilidade do governo de Porfirio Lobo, já que Honduras, após o golpe foi excluída da OEA e isolada internacionalmente, o que, para uma economia fragilizadíssima, representou a impossibilidade de financiamentos externos.

A tática também explorou a necessidade do governo de José Santos, da Colômbia, sobretudo da composição de forças que o apoia, de buscar uma normalização de suas relações com a Venezuela, numa linha política diferenciada daquela aplicada por Uribe, que apostou sempre na maior hostilidade possível com o governo de Hugo Chávez para explorar ao máximo o tensionamento em favor das estratégias intervencionistas militares dos EUA na região.

Esta política de tensionar ao máximo para justificar intervencionismo não conta com o apoio do Brasil, que também apostou na tática aplicada por Chávez - haja vista mensagem de Dilma reconhecendo oficialmente e aplaudindo os acordos Chávez-Santos-Lobo-Zelaya - cujo saldo imediato é a neutralização do uribismo e das políticas de militarização das diferenças, e o retorno de Zelaya que instala na agenda de Honduras a mesma pauta política de quando ele foi deposto, a Constituinte. Uma derrota para a direita hondurenha, para o intervencionismo estadunidense e para terrorismo paramilitar uribista.

Para a Venezuela, o Acordo de Cartagena pode representar melhores condições para enfrentar, com novos prazos e rítmos, os desafios da consolidação da Revolução Bolivariana, entre eles o processo eleitoral do próximo ano.

O que também não deixa de ser uma recomendação para uma maior unificação de agendas políticas e nas táticas a todos os movimentos políticos que atuam na América Latina, entre elas a consolidação da Unasur, seu fortalecimento, o mesmo em relação à ALBA, evitando-se agendas isolacionistas, sobretudo quando nao sintonizadas com os países que estão proporcionando, no momento, mais iniciativas transformadoras , como é o caso da Venezuela, ou que podem, pelo seu peso específico, ter mais impacto na conjuntura da América Latina, como é o caso do Brasil, cuja política externa teve muita importância no fortalecimento do movimento democrático hondurenho e nesta vitória simbolizada pelo retorno de Zelaya.

 
(*)Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.






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Bem-vindos ao Antropoceno: "É o capitalismo,
estúpido!"


The Economist

Em editorial publicado na sua última edição, a prestigiosa revista liberal britânica The Economist adverte sobre as profundas mudanças que o homem vem provocando no meio ambiente nas últimas décadas. A taxa de extinção hoje, adverte o texto, é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais. Estamos vivendo uma era de maior instabilidade. O curioso no texto é que ele não menciona única vez o termo 'capitalismo' ao longo das 1.105 palavras do ensaio sobre a transformação do planeta sob a influência humana.

No entanto, toca em vários pontos assustadores intrínsecos à dinâmica do dito sistema. De modo que, implicitamente, mesmo sem querer, comete uma estrondosa denúncia do modo de produção do qual é porta-voz. Um título alternativo para o referido editorial poderia ser: "É o capitalismo, estúpido!"

Publicamos a seguir a íntegra do editorial, publicado originalmente em português no Vi o Mundo:


Bem-vindos ao Antropoceno
A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece, considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa velocidade mais rápida que a geológica.

Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em todos os rios no mundo em um ano. Aquele fluxo de sedimento, enquanto isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. É uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam reabastecidos.

Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a outro. Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. Agora, um número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho está acontecendo.

O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. Os cientistas estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de nos colocar ainda no Holoceno, uma era particularmente estável que começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos vivendo no Antropoceno: a idade do homem.

The new geology leaves all in doubt
O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano normalmente não capturam as manchetes. O Antropoceno é diferente. É um daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência. Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o resultado.

A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau — acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando crescentemente irrelevantes.

Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo. Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento Antropoceno dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e, principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio, incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros grandes animais juntos.

Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos. Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.

Recycling the planet
O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos estáveis e clementes que o Holoceno. Quem pode garantir que a ação humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?

Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropoceno é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta possa cumprir sua tarefa do século 21.

Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma que ele é colocado lá é uma razoável expectativa do Antropoceno; não evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas pelo excesso de carbono.

Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as “zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.

Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do Antropoceno é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem rapidamente se somar para provocar mudanças globais.

Tradução: Vi o Mundo




 

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