30 novembro 2014

REPUBLICANISMO

Como foi chocado o ovo da serpente na PF


Um veterano repórter investigativo que esteve semana passada em Curitiba, relatou-me trechos de conversas com delegados federais.
Um deles, sua fonte antiga, mencionou os esforços que estão sendo feitos para encontrar elementos na Lava Jatos que permitam acusar Dilma Rousseff de improbidade administrativa.
Escarafuncham até viagens da Lula à África, depois que deixou a presidência, bancada por empreiteiras. Nada encontrarão por aí, mesmo porque, como é de conhecimento geral, são eventos públicos para estimular negócios de empresas brasileiras na África.
Mas mostra a que ponto chega a gana da PF
Em uma padaria tradicional de Higienópolis, um dos frequentadores é um Policial Federal que, embora não esteja no centro dos acontecimentos, gosta de relatar os esforços de seus colegas para encontrar provas que que permitam construir as acusações por improbidade.
Mas, como diz o douto Ministro José Eduardo Cardozo, nada a fazer porque a Polícia Federal é “republicana”.
O que levou a esse estado de espírito? O absoluto descaso do governo Dilma – através de Cardozo – com a Polícia Federal.
O veterano policial de Curitiba falou com nostalgia dos tempos de Márcio Thomas Bastos, o aparelhamento técnico da Polícia, o orgulho de se mirar na capacidade técnica do FBI como benchmarking, a cooperação internacional e interna para combater o crime organizado..
Quando esbarravam em uma investigação mais delicada, corriam até Bastos que garantia o respaldo necessário.
Ele situa o início do esvaziamento da PF na posse do delegado-geral Luiz Fernando Correa – nomeado no governo Lula, com a missão precípua de esvaziar a Satiagraha. E o desmanche final na gestão José Eduardo Cardozo.
Hoje em dia cessaram as cooperações internacionais, a ambição de buscar a excelência, a polícia está corroída por disputas internas. Toda essa frustração foi canalizada para a Lava Jato.
Ou seja, a luta pela legalidade democrática exigirá esforço dobrado dos legalistas, porque tem duas pernas mancas: o governo Dilma e o PT.
 
 

28 novembro 2014

SUSPEITAS

Uma sombra no bastidor


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Pergunto de abrupto aos meus botões: seria Antonio Palocci um saudosista? Se os botões pudessem piscar maliciosamente, assim o fariam. Trafega uma sombra pelos meus pensamentos, a deslizar sorrateira no bastidor da cautelosa gestação do futuro governo da República. Algumas nomeações certamente gozam da aprovação paloccica. Mas não seria a sombra dele mesmo, ministro da Fazenda de Lula no primeiro mandato e chefe da Casa Civil de Dilma por alguns meses? Não se teria abalado, o indomável Palocci, a distribuir um ou outro palpite, um ou outro conselho?
É aí que se revela a saudade alimentada pela personagem, como se o projeto fosse reconstituir os começos do primeiro governo Lula, dirigidas as devidas mesuras à casa-grande, aquietados os terrores de quem gostaria de viver em Dubai, tranquilizados os fiéis do deus mercado. Obra capital da operação sorriso, a “Carta aos Brasileiros”. De autoria de quem mais se não Antonio Palocci? Sinto que o homem está em plena atividade, ainda que se esgueire pelos cantos.
Se valem estas minhas arriscadíssimas... procuro a palavra... sensações? Intuições? Suposições? Fantasias? Pois é, caso tenham alguma relação com a verdade factual, a quais conclusões nos levam? Que o entendimento entre Lula e Dilma é muito mais profundo neste exato instante do que se imagina. O filtro entre Palocci e Dilma só pode ser o ex-presidente, sabidamente intérprete magnífico da Realpolitik.
Inquietos, os botões me puxam pelo paletó. Calma lá, suspiram, mas valeria hoje o mesmo esquema que funcionou há 12 anos? Medito antes de responder, e penso em Severina e Maria das Dores, e em todos os brasileiros que nestes 12 anos melhoraram de vida. São eles que, na reta final do pleito recentíssimo, contra o golpismo do mercado, da mídia nativa, dos brasileiros que gostariam de viver em Dubai, da reação tucana, garantiram a sofrida vitória de Dilma.
Houve avanços nestes 12 anos, sociais e na independência brasileira assentada na política exterior que nos convém. O Brasil atual não é mais aquele. A política do poder, destinada a garantir a chamada governabilidade e a enriquecer ilicitamente várias categorias de graúdos, ainda causa, contudo, estragos e atrasos monumentais em um sistema patrimonialista capaz de bater recordes mundiais em termos de cifras envolvidas.
Mudaram, eles sim, os saídos da miséria mais funda, cidadãos como todos os demais. Os graúdos sabem que não se trata do proletariado de décadas atrás nos países mais progredidos, e, antes ainda, dos sans-culottes da Revolução Francesa, o que, de certa forma, os tranquiliza, até sem se darem conta da situação, aceita como fato natural. Nem por isso as circunstâncias atuais deixam de ser bem diferentes em relação ao momento em que Lula chegou à Presidência. Mesmo porque, a crise econômica mundial só eclodiria em 2008 e seus efeitos alcançariam o País ainda mais tarde.
O que está em jogo, de todo modo,  são as esperanças realizadas e aquelas estimuladas. Creio que mais poderia ter sido feito em proveito da inclusão social, mas animadores passos adiante foram dados, e os beneficiados, ou aspirantes aos benefícios, no momento, e por incrível que soe, não pesam na balança.
Que acontecerá com movimentos sociais importantes como o MST? Que acontecerá com o próprio Partido dos Trabalhadores, aviltado por seus pecados, a exibir sua incapacidade de formar quadros à altura das circunstâncias? Nem me atiro a formular este gênero de perguntas aos meus botões, poupo-os nesta hora de grande perplexidade. De saída, sei que citarão um sábio: quem perde a ideologia, ou, se quiserem, a fé, destina-se inexoravelmente à contemplação. O que, sublinho, o qualifica à condição de súcubo.
Tenho uma última pergunta, a subir ao céu para se dissolver nas alturas nevoentas, como o fogo dos peles-vermelhas ao ameaçar a diligência ousada que singra o território hostil no fundo do vale. Se a opção é crescer ou crescer, qual seria o nexo entre o propósito e sua realização se nos rendermos ao deus mercado? Ou é admissível que os empresários brasileiros, abandonados irresponsavelmente, e de várias maneiras ao seu destino, tornaram-se todos, sem distinção, rentistas?
 
 

OPORTUNIDADE QUE NÃO PODE SER DESPERDIÇADA

Lava Jato: acertos e erros


Pedro Estevam Serrano, na Revista CartaCapital




No meu entender, se equivocam, na melhor das intenções democráticas, diga-se, os que atribuem à Operação Lava Jato um caráter de “golpismo”, terceiro turno ou algo do gênero.
A Lava Jato, por tudo o que já vazou e foi noticiado pela mídia em geral, é o mais relevante caso de combate à corrupção de nossa história, em especial por atingir gente de alto coturno do meio político e empresarial.
O que cabe à sociedade cobrar é que eventuais equívocos das autoridades e agentes incumbidos das investigações e processos, sejam do MP, sejam do Judiciário ou da PF, não comprometam a eficiência e a legalidade do caso.
Diferentemente do caso chamado de “mensalão”, que a meu ver foi apresentado em juízo de forma inconsistente no campo probatório para suportar boa parte das acusações, gerando ilegítima condenação de alguns dos réus, a Operação Lava Jato parece ser produto de investigação muito bem conduzida pelos profissionais da PF, gerando tantas provas que levou à realização de uma série de delações premiadas e, parece, vai gerar mais delas.
O relevante aí não são as delações, mas o fato de terem sido obtidas por conta de farta prova de fatos delituosos, apurados pelos agentes policiais, por conta do trabalho eficiente e em equipe com o MP, e com o respaldo do Judiciário.
Se, por um lado, tal trabalho merece os maiores elogios pelo que produziu até o momento, por outro, não há de se deixar de observar certos equívocos na condução das investigações, que podem prejudicá-las.
O primeiro grande problema é corrente em quase todos os casos judiciais que têm repercussão na mídia, qual seja o vazamento de informações e documentos sigilosos.
De plano é bom salientar que nada há de ilegítimo no fato de a mídia noticiar documentos e informações a que teve acesso. Ilícita é a conduta do agente público que fornece tais documentos e informações.
Tal vazamento gera dois tipos de problemas diversos. De um lado, é feito seletivamente, visando construir um clima social de condenação prévia dos réus, que deu margem em nossa história recente para que muitas injustiças fossem praticadas, reputações de inocentes destruídas e o princípio da presunção da inocência, essencial numa sociedade civilizada, fosse para o ralo.
Além de prejudicar terrivelmente inocentes, o vazamento vem em benefício de culpados.
Numa investigação relevante como esta, que envolve pessoas de muito poder e/ou dinheiro, o vazamento prejudica antes de tudo a própria investigação, permitindo aos investigados saberem do que não deveriam saber, possibilitando a adoção de medidas contrárias ao conhecimento dos fatos pelas autoridades.
Por conta desse prejuízo que ocasiona a própria investigação, o vazamento deve levar ao afastamento dos agentes que a conduzem, e sua substituição por outros. Não como sanção a estes mesmos agentes, o que deve ser apurado com mais dilação, mas como forma de cautela da higidez das apurações.
Por outro lado, há que se estancar a banalização de prisões temporárias e preventivas que sempre acontecem nesse tipo de investigação, mais em favor do espetáculo do que da lei. Prender alguém temporariamente para prestar um depoimento que este alguém já havia se oferecido voluntariamente a prestar é absurdo. Afronta os direitos fundamentais garantidos em nossa Constituição prender preventivamente para forçar confissões ou delações.
De constitucionalidade duvidosa, as prisões cautelares devem ser medidas de uso em último caso e quando estritamente necessárias e nunca forma de justiçamento ou pressão psicológica para obtenção de auxilio do investigado para fazer prova contra si ou contra outros.
Quando realizada com o acompanhamento da mídia, com indevida e inconstitucional exposição dos investigados detidos, a prisão cautelar que deveria se dar em sigilo realiza-se com evidente vazamento criminoso de sua realização.
A inação das autoridades que comandam as instituições envolvidas quando ocorrentes os tais vazamentos, mantendo na função investigativa agentes suspeitos de vazar informações sigilosas, é injustificável e vem em prejuízo dos valores republicanos e democráticos que devemos ter como baliza.
 
 
 

INTERPRETAÇÃO ERRADA

A fase oral que não passa


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa


Toda a imprensa brasileira parou na quinta-feira (27/11) para acompanhar a primeira entrevista coletiva dos futuros comandantes da política econômica. Nas principais emissoras de rádio e nos canais noticiosos da televisão, o assunto dominou o período até o último programa, e na sexta-feira (28) os jornais fazem a retrospectiva das declarações, com as interpretações a cargo dos porta-vozes de praxe.
O conjunto do material jornalístico que um ser humano pode acessar nesse dia de trabalho é composto quase exclusivamente por declarações. A palavra, principalmente aquela que é proferida num sentido esperado pela comunidade da imprensa, ganha poder de imagem, e mesmo frases dúbias por sua natureza ou intencionalmente ambíguas ganham ares de sentença. Então, a mídia tradicional conclui: a presidente da República se rendeu à lógica do mercado.
A entrevista de Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que vai para o Planejamento, e Alexandre Tombini, que continua no comando do Banco Central, mostrou um trio afinado, pelo menos no discurso. E esse “pelo menos” é maximizado no noticiário e no opiniário dos jornais, que apostam numa guinada na política econômica.
Alguns articulistas chegam a afirmar que o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff vai se parecer mais com as propostas do candidato que ela derrotou na última eleição do que com seu programa de governo. No entanto, não há nada no conteúdo das declarações que justifique tal interpretação.
As respostas dadas pelos entrevistados, principalmente as do futuro titular da Fazenda, sobre o qual pesavam as maiores expectativas, foram mornas, superficiais, planejadas para funcionar como calmantes sobre o mercado. E a imprensa as sobrevaloriza, tentando dar um tom definitivo a expressões genéricas centradas no senso comum.
Basicamente, os futuros ministros disseram que “o Ministério da Fazenda reafirma o compromisso com a transparência”; “o dia a dia vai mostrar quanta autonomia a equipe econômica vai ter”; e “o equilíbrio da economia é feito para garantir o avanço das política sociais”.
Trocando em miúdos, o que se afirmou é que a política econômica seguirá perseguindo a meta do crescimento com justiça social, com mais clareza quanto ao controle dos gastos públicos.
Brasil, Venezuela
Com exceção da Folha de S.Paulo, que foi buscar opiniões negativas sobre as possibilidades de entrosamento de Joaquim Levy, tido como mais conservador, com Nelson Barbosa e Alexandre Tombini, mais afinados com o modelo petista, os jornais parecem otimistas. De modo geral, o noticiário e as opiniões de analistas escalados para refletir o pensamento da imprensa conduzem a uma visão positiva diante do desafio de superar as dificuldades conjunturais e evitar que as agências de avaliação de risco venham a rebaixar a nota brasileira no próximo semestre.
O desejo de ver suas teses aceitas pelo governo faz com que a imprensa leia nas palavras dos futuros ministros uma realidade que não conseguiu impor com seu protagonismo na eleição presidencial. O cenário econômico é escorregadio, e uma declaração tem o poder de induzir os ânimos para cima ou para baixo na escala das expectativas. Portanto, não se pode fazer profecias a partir de uma entrevista claramente planejada para desanuviar o ambiente.
Mais interessante é observar como a mídia tradicional busca se satisfazer com o verbo, ou seja, como a imprensa brasileira vive infantilmente presa ao prazer da oralidade, talvez como reflexo de certa imaturidade da própria sociedade. Essa tendência de tomar por real o que é meramente declaratório tem efeito nas instituições, cujos representantes eventualmente são tomados por alucinações criadas pela palavra.
Veja-se, por exemplo, o caso relatado pela Folha, sobre um procurador do Ministério Público Federal de Goiás, que abriu uma sindicância para apurar suposta ação do governo da Venezuela para alistar adolescentes e crianças brasileiras em “brigadas bolivarianas de comunicação”. O nobre procurador não se deu conta de que o comunicado do Ministério das Comunas da Venezuela – equivalente ao nosso Ministério das Cidades –, publicado em 2011, se referia a um bairro chamado Brasil, da cidade de Cumaná, no estado venezuelano de Sucre.
Provavelmente foi contaminado pelo palavrório segundo o qual o Brasil vai aderir ao “bolivarianismo”, suspeitou de uma rede de tráfico humano comandada pelo governo da Venezuela e se cobriu de ridículo.
 
 

26 novembro 2014

Quem move a primeira peça?

Excesso de informação desinforma


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa


Eis um exercício interessante para os observadores críticos da imprensa brasileira: diga, de memória, os nomes de cinco acusados no escândalo da Petrobras e explique as suspeitas que pesam sobre cada um deles. Outro desafio: especifique o valor que teria sido desviado da estatal no conjunto de operações abordado pelo inquérito. Mais uma questão: quantos e quais partidos políticos estariam envolvidos no caso, a se considerar o que sai diariamente nos jornais?
Como se pode notar, excesso de informação não significa mais informação. O bombardeio intenso de notas e declarações, colhidas em vazamentos produzidos pelas autoridades, impede que o leitor componha em sua mente o quebra-cabeças que lhe permitiria entender a história como um todo.
Sabe-se, genericamente, que foi montado um esquema para aumentar preços de serviços, obras e equipamentos, e que esse dinheiro era usado para alimentar um fundo – ou vários fundos – com finalidades diversas. Um esquema de consultorias fictícias fazia a transição do dinheiro. A principal suspeita, pelo menos a que tem aparecido com maior frequência no noticiário, é de que os valores desviados serviriam para financiar campanhas eleitorais.
No entanto, segundo os jornais, o juiz encarregado de conduzir o processo se nega a ouvir referências a políticos, para não ser obrigado a transferir o foro para o Supremo Tribunal Federal. Se não há políticos envolvidos oficialmente, que valor teriam as citações a parlamentares, ex-ministros e outras autoridades nas denúncias?
Que há corrupção na Petrobras e em outras grandes empresas, estatais ou privadas, não há dúvida. Pode-se dizer que, com ou sem operações com nomes inspiradores, a prática vem de longa data, e entende-se que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal tenham que restringir a investigação a certo período específico e a um conjunto de personagens que tenham relações entre si, o que deixaria para outro pacote a apuração dos antecedentes do caso que agora mobiliza a imprensa. No entanto, não se pode ignorar que falta um fio condutor para orientar a compreensão dos cidadãos que acompanham as notícias.
Quem move a primeira peça?
Na terça-feira (25/11), por exemplo, os leitores dos principais jornais de circulação nacional são convencidos pela imprensa de que os envolvidos atuavam com tanta segurança que até davam recibo de propina. Essa afirmação está na primeira página doGlobo: “Corrupção na Petrobras teve até recibo de propina”, diz o jornal carioca.
O Estado de S. Paulo, mais contido, evita assumir que o recibo se referia ao pagamento de propina, dizendo que um dos executivos presos declarou ter entregue dinheiro a um intermediário, mesmo depois de iniciado o inquérito do caso, e mostrou um comprovante de pagamento. Já a Folha de S. Paulo coloca o assunto em segundo plano na primeira página e registra: “Empreiteira exibe suposto comprovante de propina”.
Temos, então, três versões diferentes para a mesma história, mas com um sentido comum que nenhum dos jornais esclarece: o esforço que fazem os advogados dos empresários presos para convencer a sociedade e, por extensão, as autoridades, de que seus clientes são apenas vítimas do sistema da corrupção que envenena o setor público. O tal recibo seria, no caso, uma prova de que o pagamento foi feito sob ameaça de boicote à empresa.
Acontece que os jornais já publicaram, em edições anteriores, até mesmo fac-símiles de notas fiscais, que, segundo o inquérito, comprovariam pagamentos de comissões irregulares. Com esse tipo de abordagem, a imprensa reforça a tese de que as grandes empreiteiras são vítimas do sistema da corrupção, obrigadas a pagar comissão para vender equipamentos e serviços.
O noticiário não responde as questões importantes, como por exemplo: quem move a primeira peça nesse jogo – o corrupto ou o corruptor?
A imprensa se esforça para fazer parecer simples uma história complexa, com muitos protagonistas e complicadas operações financeiras, mas a tática de saturar o noticiário com informações desconexas apenas produz desinformação e reforça a crença geral de que tudo, na nossa democracia, se faz por vias tortas.
Sem uma proposta de reforma negociada entre os poderes da República e referendada pela sociedade, a criminalização generalizada da atividade política e a demonização do sistema partidário servem apenas para reduzir a confiança da população no sistema democrático.
 
 

25 novembro 2014

INAPTIDÃO PARA O CONVÍVIO DEMOCRÁTICO

A democracia em risco


Marcos Coimbra, na Revista CartaCapital


O ano de 2014 caminha para terminar de forma preocupante na política. Não era para ser assim. Há menos de um mês, realizamos uma eleição geral na qual a população escolheu o presidente da República, os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal, um terço do Senado, a totalidade da Câmara dos Deputados e das Assembleias estaduais.
Mesmo em democracias consolidadas, momentos como aquele, em que todos são convocados a participar diretamente das grandes escolhas de um país, são esporádicos e precisam ser respeitados e valorizados. As eleições não são situações triviais, cujos resultados podem ser ignorados ou questionados por qualquer um, no dia seguinte. São solenes.
Por isso, é comum que o clima político se desanuvie depois de uma disputa eleitoral. Que cesse o embate entre os partidos e correntes de opinião e a sociedade tenha ambiente para meditar a respeito do pronunciamento dos cidadãos, para avaliá-lo e com ele aprender.
No Brasil, a normalidade democrática sempre foi exceção. O período atual, iniciado há não mais de 25 anos, já é o mais longo sem rupturas ditatoriais ou colapsos institucionais. A eleição geral de 2014 foi apenas a sétima em sequência, mas é feito inédito em nossa história.
E foi uma bela eleição. Quase 120 milhões de eleitores compareceram às urnas e depositaram seu voto em paz. Ninguém se queixou de haver sido coagido. Não houve irregularidades. Foi rápida e segura. E contemporânea em relação ao que de melhor existe em termos de transparência, lisura e correção nos processos eleitorais.
Em quase tudo, o Brasil mostrou-se capaz de igualar ou superar as mais sólidas democracias na capacidade de fazer eleições legítimas. Menos no comportamento de parte das oposições à direita. Ao contrário do eleitorado e das instituições, reagiram de forma arcaica e atrasada aos resultados.
Desde a hora em que ficou clara a derrota, insurgiram-se. Seu inconformismo em aceitar o simples fato de não contarem com o apoio da maioria da sociedade o levou a posições descabidas.
O primeiro sinal de sua inaptidão para o convívio democrático partiu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em declaração que deveria envergonhar alguém com sua biografia, colocou em dúvida a reeleição da presidenta Dilma Rousseff pela desqualificação daqueles que nela teriam votado. Valeu-se dos mais antiquados e reacionários preconceitos contra pobres e nordestinos (como se ele próprio não tivesse ficado muito feliz em receber o voto desses eleitores nas eleições nas quais disputou).  
A seguir, o lastimável episódio da solicitação feita pela campanha tucana à Justiça Eleitoral de uma “auditoria” dos resultados da eleição (algo que a legislação nem sequer admite). No fundo, apenas outra forma de expressar a rezinga de FHC.
O terceiro passo do esforço de desqualificar a vitória de Dilma foi matemático, como se a legitimidade de uma eleição decorresse de alguma contabilidade. Como se alcançar frente maior ou menor fosse relevante, em qualquer lugar do mundo, para admitir ou arguir um resultado eleitoral.
Essa mistura canhestra de preconceitos, invencionices jurídicas e péssima aritmética seria apenas cômica se não fosse trágica. Se não tivesse o apoio da mídia hegemônica conservadora e se não tivesse contraparte na ação de segmentos autoritários espalhados na sociedade e incrustada em nichos da máquina pública, em especial no Judiciário e no Ministério Público.
Mundo afora, existem e procuram impor-se correntes de opinião antidemocráticas e intolerantes. Neonazistas assombram a Europa, os Estados Unidos não conseguem se livrardos supremacistas brancos, em muitos lugares o antissemitismo permanece vivo e perigoso. Lamentavelmente, o Brasil tem radicais de extrema-direita, a espalhar seus ódios e preconceitos. Um anticomunismo ridículo e a saudade da ditadura os identificam. Agora se acham no direito de questionar a eleição.
O PSDB precisa refletir a respeito de quem pretende representar. Fazer o têm feito e falar o que têm falado algumas de suas lideranças apenas serve para açular os ultraconservadores.
O paradoxo é que vêm de São Paulo os sinais de juízo e moderação tucanos. Na seção mineira, tradicionalmente conciliadora, vigora a disposição de botar lenha na fogueira.

24 novembro 2014

PERIGOSA ARMADILHA

A Justiça como espetáculo


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A semana se encerrou com uma sucessão de manchetes em série, como se fossem apenas repetições de edições anteriores. Dia sim, dia não, os jornais estamparam títulos anunciando que alguém havia recebido algum dinheiro desviado da Petrobras. Em torno desse tema circularam estimativas de valores para o rombo total sofrido pela estatal do petróleo e apostas sobre o que poderia acontecer com a economia do país se as principais empreiteiras fossem declaradas inidôneas.
A nova semana se inicia como um repeteco dos dias anteriores, com mais uma referência a pagamentos de propina, que é manchete na Folha de S. Paulo na segunda-feira (24/11). Mas o próximo alvo, e o mais apetitoso, é o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto. Ele está na capa da revista Época, que aposta todas as suas fichas em que, mesmo sem ter sido indiciado pela Polícia Federal, será um dos próximos alvos da Operação Lava Jato.
Não se pode adiantar qual será o próximo evento relacionado ao escândalo, mas é fácil observar que há um sistema em funcionamento: os empresários presos pela Polícia Federal, incomunicáveis entre si e parcialmente isolados do mundo exterior, têm seus depoimentos recortados e distribuídos em partes para a imprensa diariamente. Assim, ficamos sabendo, por exemplo, que “um empresário” cuja identidade não é revelada recolheu propina de uma empreiteira para destinatários ainda não identificados.
É assim, com fragmentos de informações seletivas, que a mídia tradicional vai formando uma convicção geral na sociedade: a de que não existe negócio com o setor público que não envolva corrupção. Curiosamente, o juiz encarregado do caso proíbe os réus de citar nomes de políticos eventualmente implicados no escândalo. Assim, aquilo que deveria ser uma operação policial exemplar se transforma em ação midiática, na qual os papéis se invertem e a imprensa assume a função de condenar à execração pública, a priori, qualquer indivíduo que tenha um dia feito negócios ou se comunicado com algum dos executivos e empresários presos.
O risco de um fiasco
Segundo um dos advogados que atuam no caso, a situação dos réus lembra o presídio americano de Guantánamo, na ilha de Cuba, cenário de abusos praticados contra detentos. O advogado, conhecido criminalista de São Paulo, diz que a Justiça e a Polícia Federal agem ilegalmente ao usar a prisão como contexto para obter declarações dos acusados, sob pressão, e ao negar acesso dos defensores ao conteúdo de delações premiadas.
As empresas cujos dirigentes estão presos também encontram dificuldade para articular suas estratégias de defesa, porque não têm acesso pleno ao teor das acusações. Assessores de comunicação que trabalham no controle de danos sobre a reputação dessas corporações também são reféns do vazamento de dados a conta-gotas.
No frigir dos ovos, como observa um advogado constitucionalista que acompanha o processo, o julgamento poderá se arrastar indefinidamente ou ter parte das denúncias invalidada, se alguns dos acusados alegarem que foram constrangidos na prisão ou que tiveram seus direitos cerceados. Assim, a associação de interesses entre delegados federais que já tiveram sua isenção política questionada e a imprensa, cuja parcialidade é exibida diariamente, poderá estar transformando em fiasco a grande oportunidade para expor e cauterizar o sistema da corrupção incrustado nas instituições públicas.
Como o noticiário está produzindo a expectativa de uma grande devassa capaz de limpar o campo da política e sanear as relações entre o Estado e a iniciativa privada, uma frustração geral certamente irá afetar o juízo que muitos brasileiros fazem do sistema legal.
Frustração semelhante é manifestada em comentários nas redes sociais criticando os benefícios legais concedidos a políticos condenados na Ação Penal 470, do chamado “mensalão”. Declarações irresponsáveis como a do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, de que a futura composição da corte poderá resultar numa Justiça “bolivariana”, alimentam o ânimo radicalizante de cidadãos pouco educados para a convivência democrática.
Os holofotes da mídia costumam distorcer a realidade. Ao aceitar o jogo da imprensa no escândalo da Petrobras, o Judiciário pode estar entrando em uma perigosa armadilha.
 
 

23 novembro 2014

INEDITISMO

A vez dos corruptores


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Pela primeira vez, no Brasil, os corruptores participam do jogo do poder como réus. Surpreendente, sem dúvida. A situação, no entanto, foi o bastante para a presidenta Dilma Rousseff marcar o episódio com uma frase otimista: “Isso pode mudar o País para sempre”.
Dilma foi enfática. Mas a frase dela deixou uma brecha suficiente para alimentar a suspeita de que a presidenta não pareceu inteiramente convencida de haver um novo porvir. Não por acaso, jogou a expressão nos braços de um verbo que admite a dúvida, “pode mudar”, logo após ter sido desencadeada a chamada sétima etapa da Operação Lava Jato, com a prisão de funcionários graduados de grandes empreiteiras, acusados de pagamento de propina a executivos da Petrobras.
Pelo que já se viu e se ouviu, alguns corromperam ou foram extorquidos. Se tudo estiver nos conformes da lei, ótimo. Serão julgados e o que for provado deve ser punido.
As empreiteiras brasileiras, vez por outra, frequentam a mídia acusadas de práticas de irregularidades. E deixam rastro de que atuam como cartel pela divisão prévia nas concorrências públicas. Isso desde os anos 1940, quando iniciaram suas atividades no mercado nacional então controlado por grupos estrangeiros.
Elas se firmaram ao longo do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando receberam encomendas vultosas incluídas no Plano de Metas e da construção de Brasília.
Só agora, no entanto, estão pela primeira vez à beira da punição. Com a detenção, altos executivos das empreiteiras acusados pela prática de corrupção possivelmente serão alcançados pela Lei Anticorrupção, de 2013. Embora ainda não regulamentada, essa lei aumenta a punição das empresas que corrompem agentes públicos e as responsabiliza administrativa e civilmente por atos contra a administração governamental.

O contexto do episódio, entretanto, sugere a cautela manifestada na própria frase de Dilma. A sentença da presidenta refere-se ao fim da impunidade na administração pública brasileira, seja no plano federal, seja no estadual ou municipal.
Há, porém, alguns senões nessa história. E eles transformam o ceticismo de Dilma em pessimismo amplo. Até que ponto esse trabalho não é movido por interesses políticos?
A voz insuspeita do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusa o advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, defensor do doleiro Alberto Youssef, de ser ligado ao PSDB e, por isso, de ter vazado informações seletivamente para tentar influenciar as eleições presidenciais de outubro.
Além dessa, há outra suspeição. Os federais da Operação Lava Jato, eleitores de Aécio Neves, ultrapassaram a linha que separa os direitos de cidadãos militantes partidários daqueles que não podem ser.
Situações desta natureza dificultam a afirmação de uma República já longeva, que, por sinal, acaba de completar 126 anos.
 
 

OPINIÕES DIVERGENTES

Como sobreviver à 'guerra da informação'



Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa



No texto anterior (ver “Mais perdido que leitor de jornal”) foi iniciada uma análise da maneira como as pessoas captam uma notícia e como uma confusão entre os conceitos de dado e informação acaba contribuindo para aumentar a desorientação dos leitores, provocada pela avalancha informativa.
É um tema complexo, mas importante porque sua compreensão ajudará a reduzir os efeitos de outro problema, a “guerra da informação”, na qual já estamos metidos – basta ver a polarização da opinião pública depois das eleições presidenciais e agora com o escândalo da Petrobras.
Jornais publicam informações, mas nós, leitores, devemos recebê-las como dados, ou seja, o que importa para nós é avaliar o dado antes de emitir uma opinião. Uma notícia é um tipo especíifico de dado, caracterizado pelo ineditismo para quem a recebe. Uma notícia deve ser verificada, contextualizada, atribuir significados etc.
Uma informação você aceita ou não, e pronto. Da mesma forma que você não é obrigado a gostar de todos os tipos de músicas, você não é obrigado a aceitar todo tipo de informação publicada pela imprensa porque ela é um dado trabalhado por alguém, portanto não é um espelho fiel de realidade, por mais experiente e capacitado que seja o jornalista que a produziu.
Uma informação jornalística é no máximo é uma tentativa de descrição, de representação, que pode ser boa ou ruim, que pode agradar ou desagradar, assim como uma música pode agradar ou desagradar e nem por isso você hostiliza o músico. Quem faz a informação somos nós, e não o jornal. O jornal produz a informação dele que nós captamos como notícia (dado inédito), assim como reagimos diante da previsão do tempo.
O meteorologista não pode ser criticado porque anunciou chuva para o fim de semana. Para alguns a previsão incomoda porque esperavam ir à praia, mas para outros o tempo chuvoso pode ser uma dádiva dos céus, como para os moradores das regiões sob o efeito de secas prolongadas. O significado atribuído à previsão de chuva depende do leitor e não do meteorologista, e cada leitor desenvolve o seu próprio significado.
Outra coisa importante: muitos acham que para não se irritar com notícias que não gostam, o ideal seria ler só os jornais (ou sites, ou blogs) com os quais simpatiza ou compartilha opiniões. Tudo bem, esta é uma atitude muito comum, quase uma regra, mas um dos mais renomados pesquisadores da opinião pública, o norte-americano Cass Sunstein, adverte: quanto mais uniforme for a opinião de um grupo de leitores, maior a tendência à xenofobia, sectarismos e discriminações. 
Sunstein escreveu quatro livros a respeito do tema sobre o qual realiza pesquisas de campo desde 1990. O mais conhecido é Going to Extremes, publicado em 2009. Assim, quando só lemos um mesmo jornal durante muito tempo, acabamos conhecendo apenas a versão deste jornal sobre o que acontece ao nosso redor e no resto do mundo. Como todos sabemos, um jornal não consegue dar conta da complexidade do mundo em que vivemos – ainda mais agora, na era digital, quando milhões de pessoas passaram a publicar informações cada uma delas respondendo a um contexto específico e a uma forma personalizada de ver um fato, número ou evento.
Todo o material sobre a operação Lava Jato que está sendo publicado pelos jornais ou divulgado pela televisão deve ser visto como uma massa de dados que o leitor ou telespectador deve analisar, checar e contextualizar antes de tomar uma posição e difundi-la para outras pessoas. Assumir o noticiário como a essência da verdade é ignorar a realidade dos fatos, porque cada número, cada evento, declaração ou fato registrado assume significado somente quando o leitor ou telespectador o situa em seu contexto pessoal. 
É claro que o leitor comum não tem condições de conhecer todas as circunstâncias de um depoimento, se foi espontâneo, se foi obtido sob tortura ou se foi resultado de uma transação (delação premiada, por exemplo). Uma mesma frase assume significados diferentes conforme o contexto em que foi pronunciada. O mesmo acontece com números, denúncias, suposições e ilações produzidas por repórteres, policiais, políticos, economistas e formadores de opinião. Todos têm sua agenda pessoal, interesses que podem ou não ser os mesmos do leitor, ouvinte ou telespectador.
A tendência quase espontânea das pessoas é assumir posições, tipo a favor ou contra. O problema é que isso leva a uma simplificação da realidade, o que é um sinônimo de irrealidade. O sectarismo é uma simplificação da realidade política, que se não for compensada pela diversificação de percepções acaba levando a conflitos violentos, como golpes de Estado ou rebeliões.
O professor Cass Sunstein, que não é nenhum esquerdista (é assessor de Barack Obama), afirma que quando pessoas da mesma opinião só conversam entre si, a tendência identificada em dezenas de grupos focais é de que se tornem cada vez mais radicais nas suas opiniões. Como este processo ocorre tanto entre os que são contra como entre os que são a favor da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, não é difícil prever que não vai demorar muito para que o sectarismo ganhe intensidade e, se não for identificado a tempo, poderá gerar situações irreversíveis.
Mais do que em qualquer outra conjuntura política pós-redemocratização do Brasil, a leitura crítica e analítica dos dados publicados na forma de informação pela imprensa torna-se o antídoto da “guerra da informação”. O Observatório da Imprensa pratica e promove desde a sua fundação, há 18 anos, a leitura crítica da mídia jornalística. 
 
 
 

UMA BOA PAUTA

O jornalismo envergonhado


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A semana do grande escândalo se encerra em tom de anticlímax, com os jornais informando que a Justiça encontrou apenas 7% do que esperava bloquear nas contas dos acusados no escândalo da Petrobras. O rastreamento do dinheiro em bancos da Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, Holanda, Uruguai e conhecidos paraísos fiscais encontrou contas zeradas e apenas R$ 47,8 milhões, dos R$ 720 milhões estimados pela contabilidade da investigação.
Perde impacto, portanto, a principal expectativa criada pela imprensa em torno do caso que envolve as maiores empreiteiras do país. Por outro lado, os jornais seguem manipulando dados do esquema de corrupção no campo partidário.
A tentativa de concentrar as acusações no núcleo governista ganha um caso patético na reportagem publicada pela Folha de S.Paulo na sexta-feira (21/11), sob o título “Dono da UTC tinha contato com pessoas ligadas a PT e PSDB” (ver aqui). Lá no pé do texto, o leitor paciente vai ficar sabendo que um desses contatos era com um ex-executivo do Banco Itaú que coletou doações da empreiteira para a candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República.
No dia anterior, a edição digital da Folha-UOL tinha publicado outro texto (ver aqui) com o seguinte título: “Doações de investigadas na Lava Jato priorizam PP, PMDB, PT e oposição”. Ali, o principal destaque vai para parlamentares de menor expressão nacional, como três deputados do Partido Progressista eleitos no Paraná, além de citação à senadora Katia Abreu (PMDB-TO), que trocou recentemente a oposição pela bancada governista.
O levantamento se concentra nos partidos da base aliada, e deixa em segundo plano, no rodapé, figuras mais representativas, como as do senador José Serra e Antônio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais, ambos do PSDB, além do deputado federal Ronaldo Caiado e seus colegas recém-eleitos José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite, todos do Democratas.
Alguém pode imaginar um título como “Aécio Neves foi financiado por empresas investigadas na Lava Jato”? Ou “José Serra também recebeu doações de empreiteira na Lava Jato”?
A jogada da Folha de S.Paulo chega a ser ridícula, mas pior ainda é a edição dos outros jornais, ao omitir completamente a informação que a Folha tenta esconder, numa espécie de jornalismo envergonhado.
Os números da corrupção
É errado levantar suspeitas sobre todas as doações de campanha, mas, sem o viés partidário que domina a mídia tradicional no Brasil, qual seria a prática mais coerente com o bom jornalismo?
Em condições normais de sanidade nas redações, o principal destaque iria para os nomes mais vistosos. Portanto, Aécio Neves, José Serra e Antônio Anastasia seriam citados na abertura do texto, porque atrairiam mais curiosidade do leitor. Por que, então, eles aparecem apenas no rodapé?
Porque os editores sabem que não podem deixar de publicar toda a lista que lhes caiu nas mãos, mas também não desconhecem que, nas redes sociais, a maioria só vai ler o cabeçalho da reportagem.
No mais, o noticiário de sexta-feira (21) traz apenas relatos quase burocráticos com informações, declarações e dados colhidos seletivamente na rotina de vazamentos feitos pela polícia. Sem revelações bombásticas, a semana chegaria ao fim laconicamente, não fosse um corajoso artigo publicado também na Folha de S.Paulo pelo empresário Ricardo Semler (ver aqui), que nos anos 1980 se celebrizou por implantar em sua indústria, de maneira radical, os conceitos de gestão democrática e reengenharia corporativa.
Filiado ao PSDB há muitos anos, Semler conta que a empresa que herdou do pai, a Semco, deixou de vender equipamentos navais à Petrobras desde os anos 1970, porque era impossível fazer negócios com a estatal sem pagar propina. Além disso, observa, “o que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras”.
Semler lembra que em anos anteriores a corrupção roubava 5% do Produto Interno Bruto do Brasil; esse índice caiu para 3,1% e agora é calculado em 0,8% do PIB. “Onde estavam os envergonhados (que fazem passeatas) nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobras – pelos empresários?”, questiona.
A novidade, de acordo com o articulista, é que os porcentuais da propina caíram, o que, segundo ele, justifica o título instigante do artigo: “Nunca se roubou tão pouco”.
Está aí uma boa pauta para as edições de domingo.