22 dezembro 2012

PERSPECTIVAS

O BLOG DO ANACLETO DESEJA ÀS SUAS LEITORAS,
AOS SEUS LEITORES, ÀS SUAS SEGUIDORAS E AOS
SEUS SEGUIDORES 

BOAS FESTAS E UM FELIZ ANO NOVO


E como o mundo não se acabou, voltaremos no próximo
ano, com novas postagens.



====== ======                       ====== ======


Aloprados, nova versão


Mino Carta, na Revista CartaCapital





O ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, convoca os militantes petistas para se manifestarem a favor de Lula depois das festas de Natal e Ano-Novo. Diz Carvalho ser preciso dar um basta aos ataques “sem limite” que, ao alvejarem o ex-presidente, também se dirigiram contra o governo e o Partido dos Trabalhadores, para “destruí-los” na perspectiva das eleições de 2014.
Os ataques partem da casa-grande e são executados diligentemente por seus porta-vozes. Palavras, palavras, palavras. Impressas e faladas. Nem sempre miram exclusivamente em Lula, às vezes balas da saraivada são reservadas à presidenta Dilma. Certa a expressão “ataque sem limite”. Pergunto, porém, aos meus atentos botões qual seria o peso específico desta campanha midiática.
Gilberto Carvalho. Este não se cala
Pacientes, convidam-me a atentar para uma recentíssima pesquisa do Datafolha, divulgada domingo 16. Segundo o instituto, no caso acima de qualquer suspeita, houvesse hoje o pleito presidencial, Dilma, ou Lula eventualmente candidato, ganhariam com tranquilidade no primeiro turno. Claro, observam os botões com sua tradicional isenção, não contariam com o sufrágio dos nativos que gostariam de morar em Coral Gables ou Dubai. Teriam, no entanto, os votos da maioria da nação verde-amarela.
Segundo o Datafolha, os números a favor de Dilma e Lula já foram melhores, ainda assim a popularidade de ambos é muito grande. Em compensação, revela (a contragosto?) a pesquisa, quem perde pontos é a mídia.  Há menos gente a confiar nela e mais a desconfiar. Informações preciosas para o governo, o que torna mais difícil entender por que a primeira reação firme e forte à campanha dos barões midiáticos se dá somente agora, com a fala do ministro Gilberto Carvalho.
Permito-me assumir por escassos minutos o papel do PT e das suas lideranças. Não caberia o revide ao presidente do partido? E não haveria de ter sido resposta pronta e imediata a cada acusação sem prova? O que se viu foi o comportamento do deputado Odair Cunha, relator da CPI do Cachoeira, herói da velhacaria, de resto instado pela própria direção do seu partido ao recuo dos pedidos de indiciamento do diretor da sucursal de Veja em Brasília, Policarpo Jr., e de investigação do pro-curador-geral da República, Roberto Gurgel.
Nem assim os integrantes da CPI ficaram satisfeitos e ao cabo, na terça 18, atiraram o relatório ao lixo. Cunha tem ainda o desplante de declarar-se aplastrado pelo “rolo de pizza”. Mas parece que todos ali, investigados e investigadores, contavam com a chegada de Papai Noel.
Insondável o destino dos jogos partidários dentro da chamada base governista, mas é aceitável a companhia de figuras do porte de Miro Teixeira, deputado do PDT de Leonel Brizola? Dentro da maioria parlamentar, Teixeira é o porta-voz da Globo, aquela que combateu ferozmente o fundador e grande líder do partido. Diga-se que de quando em quando os botões sugerem com alguma perfídia: as nossas autoridades, salvo honrosas exceções, apreciam sobremaneira aparecer no vídeo da Globo e nas Páginas Amarelas de Veja.
Vejam só, teria sido operação elementar, além de plenamente justificada, convocar Policarpo Jr. e desnudar a postura murdoquiana de Roberto Civita, o boss da Abril. Mas lá do alto do comando petista veio a ordem: não e não. Com que cara estes senhores se preparam a apoiar o chamado do ministro Gilberto Carvalho? Nada deixaria mais nítida a desonestidade, e portanto o antijornalismo de Veja, a figurar com destaque entre os incansáveis acusadores de Lula e do governo. E que faz o PT? Assiste sem piscar à rejeição final do relatório da CPI.
Há 1.500 anos Justiniano avisava: quem cala consente. Permito-me recordar que Cachoeira promete: “Serei o garganta profunda do PT”.  Há petistas que não se contentam em calar, eles contribuem para facilitar a vida de quem ameaça e ataca sistematicamente a eles mesmos e às suas figuras mais representativas. Dão sua mãozinha. Sei que me repito, e peço desculpas. Que fazer, contudo, se navegamos em mesmice?
Por exemplo, José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça. É admissível que nada tenha a dizer a respeito das interpretações, como direi, desabridas, da nossa Constituição por parte do Supremo Tribunal Federal? Falo da Carta Magna, alicerce do Estado, a ditar as regras de vida do País e da Nação. Deveriam causar espécie, e até apreensão, certas intervenções sobre o texto sagrado cometidas pelos eminentes Barbosa, Fux, Celso de Mello e companhia. E o ministro, não é da Justiça? Afirma, porém, que está tudo bem, com um sorriso natalino.





OS TRÊS PODERES

O STF, por que não?


Flávio Aguiar, na Agência Carta Maior



Leio, compartilhando, a indignação dos companheiros com a decisão do STF invadindo prerrogativas do Congresso Nacional e cassando os mandatos dos deputados considerados culpados no processo 470. Mais um desmando, eivado de contradições, sobretudo a do voto decisivo do ministro Celso de Mello: cassou aqui e agora onde não cassara lá e antes. 

A argumentação de que no meio do caminho foi votada a Lei da Ficha Limpa e outras leis não cola. O assunto é matéria constitucional, no fim de contas.
Porém no fim de contas, esse acontecido, bem como o comportamento no Supremo e da mídia em torno não surpreende muito.

Afinal, segue tendência internacional.

Desde o golpe que levou Bush Filho ao poder contra Al Gore, há uma tendência de forças de direita se aglutinarem em torno do Judiciário para, sempre que possível, derrogar ou ameaçar a soberania do voto popular. Foi assim em Honduras. Por que não no Brasil?

Na falta de outros argumentos, caminhos ou votos, a direita brasileira encastelou-se no Supremo. A batalha judicial também é o último esteio da direita argentina, no que diz respeito à lei contrária à indevida concentração da mídia.

O difícil de assimilar é que neste caminho envereda-se por confrontos institucionais inusitados, como este agora provocado com o Congresso que, no momento (quarta-feira 18) quer votar mais de 3000 vetos em bloco para votar um único, o dos royalties do petróleo. Sim, houve a liminar acolhida pelo ministro Fux no meio do caminho, mas a pedra já estava bloqueando o bom entendimento e abrindo espaço para a bílis mal-humorada.

Há uma coisa que chama a atenção nisso tudo. É o despropositado poder da vaidade humana. Pode-se ler isto tanto na arrogância dos comentários que pedem o linchamento dos réus, quanto no comportamento desavisado de juízes que ameaçam a validade de nossa Constituição tão dificilmente conquistada.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.







<o><o><O><O>




República, STF e o parlamento


Mauro Santayana, em seu Blog







Estamos necessitando, e com urgência, de refletir sobre os fundamentos do Estado Democrático. Mesmo nas monarquias, quando não absolutas, o poder emana do povo, e é exercido pelo parlamento que o representa. Cabe ao parlamento legislar e, nessa tarefa, estabelecer as prerrogativas e os limites dos outros dois poderes, o executivo e o judiciário. Todas as leis, que estabelecem as regras de convívio na sociedade e organizam e normatizam a ação do Poder Judiciário e do Executivo, têm que ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares, para que tenham a legitimidade, uma vez que representam a vontade popular.
Só o poder legislativo, conforme a obviedade de sua definição, outorga estatutos ao governo e, em alguns casos, reforma o próprio Estado, se for eleito como poder constituinte. O parlamento, ao receber do povo o poder legislativo, não pode delegá-lo a ninguém, nem mesmo a outras instituições do Estado.
Em nosso caso, em conseqüência das deformações impostas pelos acidentes históricos, o parlamento se viu enfraquecido e se submeteu ao poder executivo. Houve, durante o governo militar, momentos que engrandeceram o Congresso Nacional, entre eles a recusa de dar licença para que Márcio Moreira Alves fosse processado pelos militares. O AI-5, com todas as suas conseqüências, foi um momento de grandeza na história do parlamento nacional, como foi o do fechamento da primeira Assembléia Constituinte por Pedro I. Mas o parlamento não soube reagir quando Fernando Henrique mutilou a Constituição de 1988, no caso da reeleição e na supressão do artigo 170, que tratava da ordem econômica.
Os parlamentos, ao representar as sociedades humanas, e imperfeitas, não podem ser instituições exemplares. John Wilkes, o paladino da liberdade de imprensa - e cujo nome, um século mais tarde foi usado pelo pai do assassino de Lincoln para batizar o filho - era um dos homens mais feios e mais inteligentes da Inglaterra, foi membro da Câmara dos Comuns e prefeito de Londres. Libertário, e libertino, segundo seus opositores, publicou em seu jornal que o Rei George III era um marido enganado pela Rainha e deu o nome do amante. Mas ficou famoso sobretudo pelo debate com John Montagu, Lord Sandwich (o das Ilhas e do pão com carne). Montagu o insultou, dizendo-lhe que não sabia como Wilkes morreria, se nas galés ou de sífilis. Wilkes lhe respondeu, de bate-pronto: Isso depende, mylord, de que eu abrace os seus princípios morais ou sua mulher. A corrupção sempre existiu nas casas parlamentares. Jugurta, o rei da Numídia, se dirigiu ao Senado Romano, dizendo que Roma era uma cidade à venda, desde que houvesse alguém disposto a comprá-la.
Em sua coluna de domingo, Élio Gaspari, ao analisar o conflito latente entre o STF e a Câmara dos Deputados, sobre a atribuição de cassar mandatos, lembrou que, nos Estados Unidos, a Justiça não cassa mandatos, e citou o caso de Jay Kim que, condenado, em 1998, a dois meses de prisão domiciliar por ter aceitado dinheiro de caixa-dois, ia, de tornozeleira eletrônica, a todas as sessões da Casa dos Representantes.
Preso, duas vezes, por corrupção, John Michael Curley, foi eleito, primeiro para vereador em Boston e, depois, para a Casa dos Representantes (deputado federal). Manteve seu prestígio político junto aos eleitores mais pobres, muitos deles de origem irlandesa, e foi eleito quatro vezes prefeito de Boston, a partir de 1914. E no exercício do mandato de prefeito, em 1947, esteve preso e disputou a reeleição, perdendo-a, e foi perdoado por Truman, em 1950.
Essa tradição vem de longe. Em 1797, o representante Mattew Lyon (o cavalheiro da foto), um radical, cuspiu na face de seu oponente Roger Griswold, que respondeu com bengaladas. Lyon se valeu de uma tenaz de lareira, e o duelo ficou famoso na história do parlamento. Os federalistas tentaram cassar o mandato de Lyon, sem êxito, mas processado por sedição, ele foi preso e condenado a uma multa, de 1000 dólares, elevadíssima para a época. E, embora estivesse na prisão, foi reeleito para a Casa dos Representantes. Reelegeu-se durante mandatos seguidos. Quarenta anos depois de ter sido preso, foi reabilitado e recebeu, de volta, e com juros, a multa a que fora condenado.
Nenhuma comunidade humana, das instituições religiosas aos partidos políticos e às corporações profissionais e aos tribunais, é composta de anjos. Isso não significa que a corrupção deva ser tolerada. É nesse, e em outros embates, que se faz a História.
Com todo o respeito pela Justiça, o Supremo não pode decretar a perda de mandatos parlamentares, e o apelo ao sistema norte-americano foi precipitado, de acordo com os fatos históricos.






O JUDICIÁRIO E A PONDERAÇÃO DE VALORES












A decisão do ministro, o julgamento do “mensalão” e a ponderação de valores



Pedro Estevam Serrano, na Revista CartaCapital


O presidente do STF, ministro Joquim Barbosa, durante entrevista coletiva na quinta-feira 20. Foto: ABr
Conforme noticiado pelos veículos de mídia eletrônica o ministro Joaquim Barbosa indeferiu o pedido formulado pelo procurador-geral da República de prisão dos réus da ação penal 470, chamada de processo do “mensalão”.
O PGR nada mais fez que exercer seu direito de petição como parte do processo que é. Pode pedir o que bem lhe aprouver, podendo seu pedido ser ou não deferido pelo juízo. No caso o descabimento do pedido era mais que evidente, contrariava a jurisprudência pacífica da corte e os mais comezinhos princípios de Direito e de nossa Constituição.
Tratava-se de postular não por um pedido de prisão cautelar dos réus mas já pela execução da condenação dos mesmos.
Já tivemos a oportunidade de tratar em artigo anterior o descabimento da pretensão face ao fato da decisão não ter sequer transitado em julgado, face a ela ainda cabem recursos, inclusive embargos infringentes que podem reduzir as penas de alguns réus alterando o regime de execução de fechado para semi-aberto.
A decisão condenatória, aliás, sequer foi publicada, sequer chega a “existir” no sentido jurídico da expressão. Assim a decisão do ministro Joaquim Barbosa foi inegavelmente correta, merecedora de elogios.
Por maior que seja o desejo de punição da comunidade ou de parte dela, por maior que seja o sentimento de “vítima” que estas pessoas sintam face a qualquer acusado de crimes de corrupção, há que se entender que numa sociedade civilizada o juiz não deve agir nem com o espírito de punição nem com o sentimento de vítima. O juiz deve agir com distância, mesmo que com rigor na aplicação da lei.
Na relação de ponderação entre os valores da moralidade pública e o da presunção de inocência e segurança jurídica setores relevantes de nossa sociedade, de uma forma totalmente compreensível mas ingenuamente perigosa, tem feito preponderar em sua forma de pensar e argumentar a moralidade pública de forma a esquecer, apagar a presunção de inocência e a legalidade. Tudo vale a pena, qualquer forma de atitude autoritária é bem vinda, se for a título de combater a imoralidade no trato da coisa pública.
Há um imenso equívoco neste tipo de ponderação de valores. Muita crueldade, muito autoritarismo, muito gente foi injustiçada e mesmo morreu por conta deste tipo de ponderação equivocada de valores. De Robespierre na Revolução francesa ao Golpe de 64, os exemplos são inúmeros na historia humana. Os historiadores são melhores fontes do que eu para tratar destes exemplos, que sei existentes.
Talvez eu esteja profundamente equivocado, não terei receio de admitir de público se chegar a esta conclusão, mas tenho a firme convicção que por conta da influência não positiva dos meios de comunicação sobre o comportamento de nossa Suprema Corte no chamado processo do “mensalão” este caso acabou contendo mais equívocos que acertos, mais injustiças que correções.
Não tenho dados ainda para poder afirmar que houve um juízo de exceção, me parece prematuro este tipo de afirmação ser feita com rigor científico. Há que se esperar a publicação da decisão e futuras decisões para se formar em definitivo este juízo. Erro judicial não se confunde com exceção, há entre eles profunda diferença jurídica e política. E certamente o julgamento não foi de todo equivocado, mas contém, ao menos me parece, desacertos, que em essência se fundem nesta incorreta ponderação de valores por parte de setores de nossa sociedade.
Para se combater a imoralidade pública, o que é mais que nobre, necessário e urgente, acaba se achando justificável qualquer meio e com isso se sacrificam, ou se tolera o sacrifício de outros valores relevantíssimos para a vida democrática e civilizada e que não necessariamente precisariam ser excluídos de uma sociedade mais saudável em termos de ética nos negócios públicos.
Legalidade, segurança jurídica e presunção de inocência não são valores de uma classe social como acreditam alguns, ou direitos de bandidos como ainda creem outros. São conquistas humanas, após séculos de lutas e sacrifícios, frutos da saberia de muitos e do sangue de outros tantos. É pura insensatez deles abrir mão.






MINISTÉRIO PÚBLICO

"Criei um monstro"


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Foi lançado, recentemente, pelos procuradores paulistas um abaixo-assinado contra a Proposta de Emenda Constitucional que põe em jogo o poder de investigação criminal do Ministério Público.  É apelidada de “PEC da Impunidade”. A referência é, certamente, uma tentativa de ganhar popularidade em decorrência do julgamento do chamado “mensalão” petista.
Há, no entanto, uma discussão na sociedade em sentido contrário ao que essa PEC da Impunidade busca: manter o direito de o MP investigar. O debate vem de longe e é guiado por uma frase lançada pelo advogado Sepúlveda Pertence, quando se despediu da função de procurador-geral da República (no governo Sarney): “Eu não sou o Golbery, mas também criei um monstro”.
Pertence. Ao se despedir, repetiu a frase de Golbery a respeito do SNI
Golbery do Couto e Silva, general articulador do golpe de 1964, foi o idealizador e o primeiro chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), que ganhou vida própria e, posteriormente, engoliria o próprio criador por ocasião das bombas do Riocentro em 1981. Golbery pediu a cabeça do general Gentil Marcondes, comandante da Vila Militar de onde haviam saído os terroristas fardados. O general Octávio Medeiros, então chefe do SNI, se opôs com o apoio do ditador Figueiredo. A demissão de Golbery não tardaria.
Pertence, afastado do Ministério Público, também foi engolido pelo “monstro” criado por Golbery e expurgado do Ministério Público. Para, em 1985, ser escolhido por Tancredo Neves para a Procuradoria-Geral da República. Despediu-se dela com um adeus a um “monstro” perigoso à democracia.
O modelo atual do Ministério Público nasceu da Constituição de 1988. Com a ação do tempo e a ambição dos homens, ampliou indevidamente seus poderes, incluindo o poder investigatório que, de um modo geral, transformou o promotor em um agente a serviço do Estado e não do réu.
Em vez de “exercer o controle externo da atividade policial”, como prevê a Constituição, o MP passou a endossá-lo. É possível ouvir frases como essa entre procuradores que, preocupados, estudam a situação: “Não é aceitável que o MP participe da produção da prova, investigue, -acuse e ainda pertença ao sistema de Justiça”.
Lula colaborou com essa deformação. Estabilizou a lista tríplice para escolha do procurador-geral e, ainda mais, indicou sempre o mais votado pelos pares. Assim consolidou o processo eleitoral de escolha, quando, pela Constituição, a indicação é única e exclusivamente da Presidência. A disputa por lista alimenta o monstro.
O atual procurador-geral, Roberto Gurgel, defende o poder investigatório. Omite sempre, para reforçar a tese, a quantidade de atribuições do Ministério Público brasileiro. Nenhum outro país do mundo as tem: move ação de improbidade, fiscaliza o meio ambiente, defende os direitos dos índios, interfere na saúde e… e resta a pergunta: onde sobra tempo para investigar?
O MP teria um papel importante na fiscalização da situação jurídica dos presos e na aplicação das verbas para a construção de presídios. Mas não o exerce. Não incorre na corresponsabilidade com a calamidade existente nos presídios brasileiros?
Há outras questões mais graves. É o caso da banalização dos aparelhos de escuta telefônica, o chamado “Sistema Guardião”. O governo brasileiro não sabe quantos aparelhos há em funcionamento no MP. O sistema é operado sem controle. Para isso, o MP tem agentes de inteligência, os espiões, em seus quadros.
Essa situação é explosiva. O membro do MP pode investigar valendo-se de uma atribuição originária da polícia e utilizando estrutura própria das agências de inteligência, aptas a promover espionagem por pessoas e por aparelhos.
Terá o MP se transformado em agência de espionagem sem marco regulatório?






Na foto, o Mundo de Gurgel, no fim


UMA RETROSPECTIVA


O mundo em 2012





Emir Sader, na Agência Carta Maior




Os marcos mais gerais do panorama internacional são a prolongação da crise econômica do capitalismo, iniciada em 2008, assim como os focos de enfrentamento militar promovidos pela hegemonia imperial norteamericana.

A crise, retomada com força em 2011, seguiu devastando as sociedades europeias, com seu foco concentrado na Grécia, em Portugal, na Espanha e na Itália, estendeu seus efeitos para o conjunto da economia europeia, que entrou em recessão. Teve continuidade a expropriação de direitos fundamentais da população, fazendo com que essa crise marque o fim do Estado de bem estar social, que caracterizou a Europa nas três décadas imediatamente posteriores à segunda guerra mundial.

Não há horizonte de recuperação econômica e de superação da crise para os próximos anos, fazendo com que a década inteira seja marcada por retrocessos. São os próprios fundamentos da unificação europeia – a unidade monetária – que estão em questão, sem que haja força política dos países mais vitimados pela crise, para recolocar em discussão as bases dessa unidade. A unificação, da forma como foi concebida e colocada em prática, terminou sendo uma armadilha, da qual a Europa não se mostra capaz de sair, pesando sobre o conjunto da economia internacional como um fator recessivo.

A economia norteamericana, por sua vez, às voltas com a difícil resolução dos seus déficits, ja não poderá desempenhas o papal de locomotiva da economia mundial. O crescimento da China, mesmo em patamar inferior ao das décadas passadas, segue sendo o fator dinâmico mais forte da economia mundial, aumentando proporcionalmente seu peso, em contraste com a estagnação dos EUA, da Europa e do Japão.

A América Latina passou pelo seu pior ano em termos de desempenho econômico, desde que conseguiu retomar um ciclo econômico expansivo, sob os efeitos da recessão internacional e da diminuição da demanda do centro do capitalismo.

De qualquer maneira, uma crise como a atual, no centro do sistema, que em outras circunstâncias teria levado a todos os nossos países a recessões profundas e prolongadas, conseguiu ser enfrentada apenas com a diminuição dos ritmos de crescimento. Porque a nova configuração da economia mundial já apresenta um mundo economicamente multipolar, de forma que nossas economias, com a diversificação da sua inserção internacional, puderam contar com o comercio com a Ásia, com a intensificação do comercio de integração regional e com a expansão dos mercados internos de consumo popular, para resistir à crise.

A perspectiva é de recuperação de ritmos um pouco maiores de crescimento econômico para 2013, porem sem voltar aos níveis que tivemos na década passada.

Do ponto de vista geopolítico, nos focos centrais de guerra – Iraque, Afeganistão, Palestina, Síria – se intensificara os conflitos. Ao anuncio da retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão, não se corresponde uma diminuição do ritmo dos combates, das ações da resistência interna e das baixas das tropas de ocupação, não se prevendo uma normalização militar e tampouco estabilidade politica nesses dois países, que seguirão sendo epicentros de enfrentamentos militares.

A Palestina sofreu uma nova ofensiva contra Gaza e a continuidade da ocupação pela multiplicação dos assentamentos israelenses no seu território, mas o cenário politico teve mudanças, com o reconhecimento da Palestina como pais observador na ONU. A votação trouxe também a novidade do esfacelamento do bloco ocidental solidário com os EUA, com a quase totalidade dos países europeus votando a favor da Palestina ou se abstendo, deixando os EUA reduzido a aliados de pouca projeção.

Esse novo estatuto da Palestina representa a aceitação do seu Estado, assim como a possibilidade de participação em Tribunais internacionais, onde é possível a aprovação de condenações concretas de Israel pela ocupação da Palestina e por outras ações repressivas contra o povo palestino.

No entanto, não reaparece ainda em Israel uma força interlocutora desse amplo consenso internacional favorável à Palestina, que permita destravar a situação atual de bloqueio dos processos de paz e de reconhecimento formal do Estado palestino. Pode-se prever que se fortaleçam vozes dissidentes em Israel no futuro imediato, sob a pressão também dos EUA, que se desgasta ao se isolar no apoio às politicas belicistas de Israel.

O foco que mais intensificou os enfrentamentos militares foi a Síria. Desapareceram as mobilizações populares dos dois lados e a situação ficou totalmente marcada pelos bombardeios da parte do governo sobre zonas sob influência ou controladas pela oposição, e ações terroristas por parte desta. 

Como tendência, se pode constatar um fortalecimento politico da oposição, com reconhecimento internacional quase generalizado, enquanto o governo sírio conta apenas com o apoio do Irã, da Rússia e da China, mas também sob os efeitos do enfraquecimento do governo de Assad, já se nota, pelo menos por parte da Rússia, um certo distanciamento em relação ao governo de Assad. O Irã mantem firmemente seu apoio, até porque sabe que a eventual queda do governo de Assad deixa o Irã como principal foco de ataques do bloco ocidental na região. Provavelmente se acelerarão os apoios militares externos à oposição, na busca de intensificar as pressões sobre o governo de Assad, com perspectivas de enfrentamentos ainda mais violentos no próximo ano, ate’ que se vislumbre uma solução à prolongada e violenta crise síria.

Na América Latina, o quadro atual tende a estabilizar-se, com a relativa recuperação econômica. No Equador Rafael Correa deve se reeleger em fevereiro, restando saber que tipo de maioria manterá no Congresso, diante das forças de direita e de ultra esquerda que se opõem ao governo.

As eleições no Paraguai tem previsões incertas, diante das duas principais forças opositoras – partidos Colorado e Liberal -, com as candidaturas mais fortes, pela divisão – até aqui – do campo de Fernando Lugo, com dois candidatos. Se chegarem a se unificar, podem ter chances de disputar a presidência.

A situação da Venezuela está na dependência da situação de saúde de Hugo Chavez. Caso ele possa tomar posse e o país possa evitar novas eleições presidenciais, as perspectivas imediatas são positivas, mesmo se Chavez não possa retomar seu cargo. Ainda com eleições eventuais, no imediato a herança de Chavez é suficientemente forte – confirmada pela eleição de governadores – para tornar favorito a Maduro para dar continuidade ao processo bolivariano na Venezuela.

Na Argentina o quadro de instabilidade tende a se prolongar, pelo menos até as eleições parlamentares, quando o governo se joga a possiblidade – pouco provável hoje – de conseguir 2/3 no Parlamento, para promover a reforma constitucional que permitiria a Cristina se candidatar a um terceiro mandato. Caso não consiga, se abre diretamente o clima de uma disputa aberta pela presidência na sucessão de Cristina. Caso essa maioria seja obtida, Cristina seria favorita – mesmo que enfraquecida em relação à eleição anterior – para seguir como presidente.

No cenário continental, a maior novidade é a extensão do Mercosul, com o ingresso da Venezuela e da Bolívia, e a provável entrada próxima do Equador. Esse novo panorama rompe com os círculos viciosos de disputa por corporações privadas brasileiras e argentinas por mercados, permitindo que o Mercosul venha a dispor de um efetivo projeto de integração econômica, social, tecnológica, educacional, de meios de comunicação – entre outras esferas. O Mercosul passará a dispor de uma homogeneidade que entidades como o Mercosul, por exemplo, não dispõe, por este conter países que tem Tratados de Livre Comércio com os EUA. Essa nova configuração do Mercosul pode ser a maior novidade no processo de integração regional na segunda década de governos progressistas na América Latina.



LULA E OS NOVOS TEMPOS


Feliz Ano Novo: Lula reabre o calendário das ruas




Saul Leblon, na Agência Carta Maior




Recorrente, como um soluço no imaginário social, o milenarismo não contagia apenas mentes ingênuas e visões de mundo primitivas. 

Autoridades e forças políticas muitas vezes se comportam também como peças de uma inexorável mecânica de desfecho datado e irreversível. 

O milenarismo tem origem numa contabilidade religiosa fatídica: um milênio sob Cristo; depois, o Diabo.

Às vezes o fatalismo pega carona em 'sinais' correlatos, como agora. Interpretações apocalípticas, ou apenas oportunistas, anunciaram o fim do mundo neste dia 21 de dezembro de 2012, ao término do 13º giro, de 393 anos cada, do calendário maia.

Na concepção religiosa original um círculo iniciado há milhares de anos se fecha. Reabre-se um novo. 

Para o milenarismo ligeiro é o apocalipse, o fim, a tragédia.Contra ela não há apelação.É esperar e sucumbir.

A concepção da história como um destino que caminha para o esgotamento, um fio de azeite sugado no miolo do pão, ressurge não raro quando massas de força de aparência incontrolável conduzem a humanidade a um horizonte engessado, como que desprovido da dialética.

A crise sistêmica do capitalismo, blindada desde 2008 pelo poder de persuasão do seu aparato ideológico, encerra certo incentivo ao desespero milenarista.

A percepção do matadouro existe; seus contornos se estreitam. Alternativas são desautorizadas . O velho aparato interdita a busca de novos caminhos. Instituições são capturadas pela crise; a sociedade é destituída das suas salvaguardas. Governantes mugem como gado no rumo do abate. Pode ser no próximo ajuste. Ou nas urnas. 

Seria preciso reformar as instituições democráticas para enfrentar a abrangência e a profundidade de uma crise como a atual.

O dispositivo midiático cuida de interditar esse debate.E toma a lição de casa a cada dia. No café da manhã, à tarde e na sabatina da noite.

Como discutir novos caminhos e repactuar consensos se o espaço da liberdade de expressão foi congestionado pelo monólogo da reiteração conservadora?

A pergunta argui o milenarismo de governos que aceitam as limitações institucionais com a mesma fatalidade dos que aguardam o apocalipse no fecho do círculo maia. 

A economia brasileira é parte indissociável dessa paralisia mundial.

A travessia iniciada em 2008 avançou do arcabouço neoliberal para um modelo de desenvolvimento em que o comando do Estado subtraiu algum espaço à supremacia financeira asfixiante. 

A redução de cinco pontos nas taxas de juros em 12 meses abalou o chão firme do dinheiro grosso. Hoje ele anda em círculos diante da encruzilhada: ou derruba o governo e sobe a Selic; ou comete a eutanásia do rentista e se transfigura em capital produtivo, como aconselhava Keynes, que não era um bolchevique.

A supremacia financeira uiva, ruge e manda recados, em idioma local e forâneao. Fica bem pedir a cabeça de Mantega em inglês. Ou elogiar o sultanato do judiciário incentivando prisões de petistas antes do Natal.

O fim de 2012 marca a intersecção dessas travessias e impasses.

A redução imposta às taxas de juros dará ao Estado brasileiro uma folga da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões em 2013. Dinheiro subtraído ao rentismo à disposição do investimento público.

O governo poderá destiná-lo a desonerações fiscais e a investimentos em infraestrutura. Poderá beneficiar as condições de vida da população e a engrenagem da produção.

O governo Dilma só não pode desmoralizar o comando estatal das finanças com dinheiro parado no cofre.

Os anos 90 criaram no Brasil um monumento neoliberal.

Um Estado feito para não funcionar.

Uma engrenagem desprovida de agilidade, sem quadros de ponta capaz de ativa-la, necrosada na capacidade de planejamento, corroída na gestão operacional; drenada pelo rentismo; sem fundos públicos suficientes e carente de legitimidade política. 

Muita coisa mudou para melhor em 10 anos de gestão petista --sobretudo na esfera das políticas sociais.

Mas a jóia do legado tucano não foi superada, está longe de sê-lo e se engana quem pretender que o seja apenas com o lubrificante da boa gestão --indispensável, mas insuficiente.

Criou-se neste país um Estado anti-estatal. Um aparato esquizofrênico que se acanha de si mesmo, fatiado em normas labirínticas que exaurem o impulso do desenvolvimento em vez de alimenta-lo.

O que trava o passo seguinte da economia hoje no Brasil não é a falta de recurso, mas a falta de poder de comando do Estado.

O milenarismo economicista deduz daí que não há alternativa à restauração privatista. O fato, porém, é que sob a névoa da maior crise do capitalismo em 80 anos, a iniciativa privada não vai a lugar nenhum sem a indução estatal do comboio.

Desobstruir o Estado --despi-lo dos torniquetes neoliberais-- seria encrespar ainda mais o embate político num calendário já congestionado pela largada eleitoral de 2014,argumenta-se.

A essa altura pode ser verdade. Mas à contabilidade dos interditos vem somar-se as operações conjuntas ---bem sucedidas-- das togas, da mídia e demais interesses contrariados nessa transição. O espaço se estreita de forma exasperante. 

É esse o objetivo conservador.

A areia da ampulheta empurra o país para o escrutínio político dos conflitos.

2013 será um longo e sanguinário ensaio de 2014. 

Insistir na inércia fatalista é quase um contrato de pronta-entrega da cabeça ao matadouro. 

A opção à paralisia converge cada vez mais para quatro letras que romperam seu ostracismo no vocabulário do PT e de ministros próximos a Lula nos últimos dias: ruas.

Coube ao ex-presidente da República nesta quarta-feira --às vésperas do 'fatídico' 21-12-2012-- dar a esse resgate vernacular a dimensão de um compromisso que reabre o calendário das ruas na história brasileira.

Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula anunciou um novo ciclo ciclo de mobilizações, cujo esgotamento havia sido perigosamente incorporado à visão fatalista da crise dentro e fora do governo.

De volta à estrada, Lula despacha o Ano Velho e anuncia a pauta do Ano Novo:

"No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade" (Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, nesta 4ª feira, 19-12).

Feliz 2013.

O BRASIL E O MUNDO

O discurso de Dilma: uso interno e 
uso externo

Paulo Klias, na Agência Carta Maior



As repercussões da recente viagem da Presidenta Dilma à Europa, durante esse final de ano, foram bastante positivas. Refiro-me aqui, em especial, à sua passagem pela França e aos eventos nos quais ela esteve presente. Cada vez mais o Brasil encontra eco junto à comunidade diplomática internacional e vê sua presença fortalecida na cena das nações mais influentes no mundo contemporâneo.

A bem da verdade, é preciso dizer que o sucesso das articulações no território francês serviram também para encobrir um pouco as dificuldades enfrentadas na seqüência da missão, quando a chefe de Estado se dirigiu à Rússia. Isso porque durante as reuniões realizadas naquele integrante do bloco dos BRICs, não se conseguiu êxito no tema que era considerado o ponto mais importante da missão: o anúncio da tão esperada liberação de nossas exportações de carne para aquele país. Junto com outros países, a Rússia mantém um embargo à importação de carne bovina brasileira, em função dos casos associados à suspeito da doença conhecida como “vaca louca”.

As repercussões da viagem à França

No entanto, a missão diplomática em Paris foi coberta de boas notícias. O evento mais importante foi a participação de Dilma no “Fórum pelo Progresso Social: o crescimento como saída para a crise”. A iniciativa pela organização do evento coube ao Instituto Lula e à Fundação Jean Jaurès, vinculada ao Partido Socialista Francês. O objetivo era conferir maior visibilidade às alternativas menos ortodoxas como caminhos para solução da crise econômica internacional. E isso interessava tanto ao governo brasileiro quanto à equipe de François Hollande. Ao lado do Presidente da França e do ex-Presidente Lula, Dilma foi lá e fez um discurso firme, criticando o tipo de ajuste que a direção da União Européia está impondo aos seus países membros. Falou pesado contra o chamado “tsunami financeiro” patrocinado pelos países desenvolvidos e contra a forma de atuação conservadora ainda encaminhada pela troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).

Apesar do baixo peso relativo da fala de uma Chefe de Estado de um país externo à cena européia, não se pode menosprezar completamente as conseqüências do ato. E isso pode servir um pouco como contraponto para os ouvidos moucos que a Primeira Ministra da Alemanha, Angela Merkel, tem feito aos tímidos sussurros - quase envergonhados, é bom que se diga - ensaiados por Hollande. Na verdade, Dilma só reforçou a análise do então candidato socialista às eleições presidenciais francesas. Mas depois da posse, o ímpeto mudancista de Hollande parece ter entrado em compasso de espera. Veja aqui trechos do discurso de Dilma:

“E, diante disso, concordamos com o fato de que a opção preferencial por políticas ortodoxas, na maioria dos países desenvolvidos, não tem resolvido o problema da crise, nem seu aspecto fiscal, nem tampouco seu aspecto financeiro. Pelo contrário, o que nós vemos é o agravamento da recessão, o aumento do desemprego, o aumento do desemprego entre os jovens, a desesperança e o desalento. E, com essa recessão e essa situação, a situação fiscal, necessariamente, se deteriora mais.”

Ou ainda:

“Nós sabemos, e essa é uma discussão que está colocada pelo fato da crise ser uma presença internacional, na medida que ela afeta o ritmo de crescimento de todas as economias, nós sabemos que o corte de gastos, a política monetária exclusiva e a retirada de direitos, elas não podem e não devem ser as respostas para a crise, até porque não resolvem as questões da dívida bancária e da dívida soberana. E, muita vezes – como até o próprio Fundo Monetário reconheceu -, a austeridade por si só provoca mais recessão, mais desemprego.”

Encontro com empresários e o convite para investir no Brasil

Dilma ainda compareceu a outros eventos organizados pela diplomacia do Itamaraty em Paris. Houve um seminário dirigido para o empresariado francês, em articulação com a MEDEF, principal associação patronal do país. O foco era a tentativa de estimular os investidores a encararem mais seriamente a “alternativa Brasil” em seu cardápio de opções pelo mundo afora. A Presidenta participou também da Assembléia Geral Anual da União Internacional de Ferrovias, onde procurou chamar a atenção para a retomada (muito tímida, nós aqui sabemos) dessa opção mais lógica e racional de transporte de cargas e de passageiros, em especial para um país de dimensões continentais como o nosso. Finalmente, Dilma encontrou-se com o prefeito socialista de Paris, Bertrand Delanoé, para uma agenda mais política no sentido estrito da palavra.

Para a platéia de empresários, a Presidenta centrou seu discurso na redução do chamado “custo Brasil” e no apelo para o potencial de retorno sobre os investimentos, com a incorporação de novas camadas de assalariados ao mercado consumidor. Porém, como sempre, afinou sua melodia aos encantos de redução do custo da mão-de-obra, insistiu na falácia enganosa do fenômeno da “nova classe média” e procurou assegurar que não estamos passando por nenhum processo de desindustrialização. Veja aqui:

“Atuamos também sobre o custo da mão-de-obra, mas ao contrário do que tem sido feito em muitos países, não estamos reduzindo nem direitos, nem tão pouco precarizando o trabalho no Brasil. Ao contrário, nós reduzimos, de forma significativa, a tributação sobre a nossa folha de pagamento.”

“E isso porque mais de 40 milhões de brasileiros chegaram à classe média, o equivalente a, em termos de população, a um país como a Argentina, na América do Sul. Hoje, 105 milhões de pessoas integram o que muitos de nós chamam de a nova classe média brasileira.”

“Significa, também, que nós não estamos tendo uma canibalização da nossa indústria, uma vez que nós consideramos que a indústria, junto com o investimento e a infraestrutura, são os elementos estratégicos para que o Brasil mude seu patamar e se torne, cada vez mais, uma economia que possa de fato dobrar a sua renda per capita num horizonte de até 20 anos.”


Enfim, para uso externo, o discurso da Presidenta manteve-se em um patamar bastante razoável, principalmente se levarmos em conta a necessidade de muita flexibilidade e jogo de cintura nesse tipo de missão, para atender aos múltiplos ouvidos de interlocutores os mais diversos. Para os franceses restou um certo sabor de frustração, em razão do silêncio brasileiro quanto à compra dos jatos para nossa Força Aérea – a Dassault Rafale é uma das candidatas nessa licitação internacional.

Contradição entre as sugestões para fora e a política para dentro

Porém, uma das fragilidades esbarra na contradição entre esse aspecto surpreendente do discurso “para fora” e a passividade com que ela enfrenta os obstáculos internos para avançar no processo de transformação social e econômica em nosso País. Pode até parecer bonito e corajoso chegar botando banca e dizendo às forças políticas progressistas francesas e européias quais seriam seus principais deveres de casa.

No entanto, todos sabemos que a postura de Dilma, quando se trata de solucionar pendências internas, não apresenta a mesma vontade nem a mesma energia que ela tanto recomendou aos seus homólogos no Velho Continente. É bem provável que, se ela houvesse incorporado aqui - em seu cotidiano de chefe de Estado - a disposição em abraçar os caminhos sugeridos aos europeus, o Brasil estivesse em situação mais interessante.

Para uso interno, ela continua resistindo a romper com a lógica dos interesses das grandes corporações e dos setores vinculados ao modelo primário exportador. Esse tem sido o sentido dos estímulos fiscais e das isenções tributárias oferecidas ao grande capital, sem a exigência de contrapartida do ponto de vista da sustentabilidade econômica, social e ambiental. Da mesma forma, parece ser a origem do apoio de Dilma à inexplicável obsessão de parte da equipe econômica com a manutenção de elevado e sistemático nível de superávit primário. Lá fora, ela critica o apoio exagerado conferido pelos governos ao setor financeiro. Porém, aqui dentro, mantém intocável a drenagem de recursos públicos em direção ao financismo: o Orçamento Geral da União apresenta quase 40% de suas despesas comprometidas com custeio e rolagem da dívida pública.

Insistência com ajustes conservadores, voltados para o capital

Do ponto de vista social e ambiental, também a versão “uso interno” se contradiz bastante com as sugestões apresentadas aos dirigentes políticos europeus.

O governo mantém e amplia cada vez mais uma perigosa e irresponsável política de desoneração da folha de pagamentos das empresas. O fim da cobrança da contribuição previdenciária patronal compromete seriamente o equilíbrio futuro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Sob o falso argumento da necessidade de redução do “custo Brasil”, o que se faz é jogar para debaixo do tapete um debate sério a respeito das margens excessivas de lucros das empresas e o impacto do aspecto financeiro no custo total das empresas. O governo federal abdica “espontaneamente” da receita previdenciária oriunda de 20% sobre a folha salarial e fica com uma promessa de contribuição de alíquotas sobre o faturamento das empresas. Um dos problemas dessa “experiência de laboratório” é que a conta ainda não fechou. Há setores que recolherão mais do que outros e o fato é que o Tesouro Nacional acabará cobrindo a diferença de mais essa modalidade disfarçada de socialização de ganhos privados.

Por outro lado, a verdadeira preocupação ambiental do governo não pode ser avaliada apenas pelo desempenho da diplomacia em eventos como a Rio+20 ou as intervenções em encontros como o de Paris. O fato é que permanece a submissão aos interesses da bancada do agronegócio e dos setores mais retrógados do ruralismo, como aconteceu quando da votação do Novo Código Florestal. Infelizmente, há muito pouco a ser dito a respeito de compromisso efetivo, e não apenas retórico, com avanços na legislação e na fiscalização ambientais. O mesmo pode ser dito quanto aos escândalos envolvendo as grandes corporações denunciadas por práticas sociais nefastas, como a utilização de trabalho escravo. Os órgãos públicos, inclusive o BNDES, continuam a oferecer todos os tipos de vantagens para tais empresas, por mais que elas estejam incluídas na lista suja por tais práticas.

Enfim, uma das boas novas com que a Presidenta poderia brindar o País em 2013 seria um maior alinhamento de orientação de sua equipe de governo quanto à determinação sugerida aos parceiros europeus para superar a crise. Todos teríamos muito a agradecer por essa tão esperada aproximação entre o “uso interno” e o “uso externo” das receitas de Dilma.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

14 dezembro 2012

POLÍTICA: AS TRAMAS DIABÓLICAS

Operação 2014


Mino Carta, na Revista CartaCapital




E reaparece meu pai, Giannino, e não diz “profetica anima mea”, alma minha profética. Confirma apenas “mala tempora currunt” e comenta como é elementar a tarefa do analista político nas nossas latitudes. Refere-se, está claro, ao jornalista honesto, habilitado a perceber a previsibilidade dos movimentos dos senhores da casa-grande.
Até o mundo mineral recorda os tempos precedentes ao golpe de 1964 e reencontra aquele tom de fúria nos jornalões dos últimos dias. Desfraldam manchetes dignas da eclosão da guerra atômica. Está em curso, de fato, uma operação na mira de 2014, articulada em duas frentes com o mesmo objetivo: a debacle final de quem ousasse preocupar-se com o destino do País todo, senzala incluída.

Guido Mantega. O governo e o Brasil precisam dele Foto: ©AFP / Evaristo Sa
Em uma frente visa-se Lula, sua popularidade e seu peso em relação ao futuro da presidenta Dilma. Ocorre assim que venham à tona detalhes do depoimento prestado há três meses por Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República. Vazados por quem? Pelo próprio Roberto Gurgel em busca de desforra? Há figuras ilustres engajadas na campanha, imponente entre elas o novo presidente do STF, Joaquim Barbosa, o qual se apressa a declarar que o ex-presidente pode ser investigado pelo Ministério Público. Ao lado do nosso Catão postam-se prontamente (e quem mais?) os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Mendes é aquele, para quem esqueceu, que chamou às falas o então presidente Lula, pediu e ganhou a cabeça do delegado Paulo Lacerda, acusou a Abin de um grampo inexistente e trabalhou com êxito para o enterro da Operação Satiagraha e a felicidade de Daniel Dantas. Quanto a Mello, dispensa apresentação no seu inesgotável papel de homem-show.
Não falta um colaborador de elevada qualificação, o feliz contraventor Carlinhos Cachoeira, parceiro de Policarpo Jr., impagável representante da Veja em várias operações criminosas. Quem sabe a dupla se consolide no momento em que Cachoeira realizar sua ameaça: “Sou o garganta profunda do PT”. O que espanta, nisso tudo, é a falta de reação à altura por parte do partido. Parece estabelecida uma corrente de pusilanimidade entre Odair Cunha e a presidência do PT, dotada de uma vocação cristã alçada à enésima potência: não lhe basta oferecer a outra face, imola-se por inteiro.
E que dizer do desempenho do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo? Imerso em perfeito silêncio diante de acontecimentos que dizem respeito à sua pasta. Quando fala manifesta, não sem altaneira timidez, sua impressão (ou seria sensação?) de que Lula é inocente. Consta que este ministro tem amigos graúdos e costas quentes. Outro, digníssima figura merecedora do apoio de CartaCapital, é o alvejado Guido Mantega, em boa parte executor da política econômica do governo. Se atiram nele, sejamos claros, é porque querem atirar na presidenta.
Eis aí a segunda frente da Operação 2014. A política econômica do governo enfrenta e desafia interesses poderosos. É antídoto salutar à religião do deus mercado que infelicitou e infelicita o mundo, mexe mais ou menos profundamente com o setor elétrico, reduz os juros e o spread. Atinge bancos e indústria, fecha a porta para os ganhos extraordinários na renda, até ontem tão compensadores dos resultados medíocres na produção. Além fronteiras, cria alvoroço entre os fundos acostumados ao ganho abundante na terra brasilis.
Há quem diga que teria sido da conveniência do governo coordenar sua ação entre os envolvidos, negociar com o empresariado, cativá-lo. A quais empresários alude? Aos que financiam o Instituto Millenium, ou, pelo menos aprovam sua presença? Aos que devoram as páginas dos jornalões e se deslumbram com seus candentes editoriais? Missão complexa, se não impossível, para o coordenador. Explica-se desta maneira a estulta, penosa tentativa de ver fritado o ministro Mantega para, ao cabo, criar dificuldades para a presidenta, quem sabe insanáveis, na expectativa malposta.
Avulta, nisso tudo, a diferença dos tempos. Entre aquele das diatribes golpistas de quase 50 anos atrás e as de hoje. -CartaCapital permite-se um aprazível momento de otimismo. O que mudou é o povo brasileiro, a maioria da nação. Esta não está nem aí, como se diz. Talvez nunca tenha sido capaz de dar ouvido às ordens da casa-grande, executou-as, porém, passiva e automaticamente, negada à compreensão do seu significado. Agora não lhe ouve os apelos porque fez a sua escolha, e não é a favor dos senhores e dos seus capatazes.



=============================


Manual do golpe



Mauro Santayana








Cúrzio Malaparte escreveu, em 1931, seu livro político mais importante, Técnica del colpo di Stato: envenenamento da opinião pública, organização de quadros, atos de provocação, terrorismo e intimidação, e, por fim, a conquistado poder. Malaparte escreveu sua obra quando os Estados Unidos ainda não haviam aprimorado os seus serviços especiais, como o FBI – fundado sete anos antes – nem criado a CIA,em 1947. De lá para cá, as coisas mudaram, e muito. Já há, no Brasil, elementos para a redação de um atualizado Manual do Golpe.
Quando o golpe parte de quem ocupa o governo, o rito é diferente de quando o golpe se desfecha contra o governo. Nos dois casos, a ação liberticida é sempre justificada como legítima defesa: contra um governo arbitrário (ou corrupto, como é mais freqüente), ou do governo contra os inimigos da pátria. Em nosso caso, e de nossos vizinhos, todos os golpes contra o governo associaram as denúncias de ligações externas (com os países comunistas) às de corrupção interna.
Desde a destituição de Getúlio, em 29 de outubro de 1945, todos os golpes, no Brasil, foram orientados pelos norte-americanos, e contaram com a participação ativa de grandes jornais e emissoras de rádio. A partir da renúncia de Jânio, em 1961, a televisão passou também a ser usada. Para desfechá-los, sempre se valeram das forças armadas.
Foi assim quando Vargas já havia convocado as eleições de 2 de dezembro de 1945 para uma assembléia nacional constituinte e a sua própria sucessão. Vargas, como se sabe, apoiou a candidatura do marechal Dutra, do PSD, contra Eduardo Gomes, da UDN. Mesmo deposto, Vargas foi o maior vitorioso daquele pleito.
Em 1954, eleito pelo povo Vargas venceu-os, ao matar-se. Não obstante isso, uma vez eleito Juscelino, eles voltaram à carga, a fim de lhe impedir a posse.A posição de uma parte ponderável das Forças Armadas, sob o comando do general Lott, liquidou-os com o contragolpe fulminante. Em 1964, contra Jango, foram vitoriosos.
A penetração das ONGs no Norte do Brasil, e a campanha de coleta de assinaturas entre a população dos 7 Grandes – orientada, também, pelo Departamento de Estado, que financiava muitas delas – para que a Amazônia fosse internacionalizada, reacenderam os brios nacionalistas das Forças Armadas. Assim, os norte-americanos decidiram não mais fomentar os golpes de estado cooptando os militares, porque eles passaram a ser inconfiáveis para eles, e não só no Brasil.
Washington optou hoje pelos golpes brancos, com apoio no Parlamento e no Poder Judiciário, como ocorreu em Honduras e no Paraguai.  Articula-se a mesma técnica no Brasil. Nesse processo, a crise institucional que fomentam, entre o Supremo e o Congresso, poderá servir a seu objetivo – se os democratas dos Três Poderes se omitirem e os patriotas capitularem.




Fonte: Blog O Cafezinho