25 fevereiro 2016

UM MISTÉRIO, MAS NEM TANTO

Efeitos secundários


Janio de Freitas, na FSP













Um mistério, mas nem tanto. O juiz Sergio Moro expôs por escrito, os procuradores falaram à vontade, representantes da Polícia Federal falaram também, mas ninguém disse o essencial para dar sentido a essa operação 23 da Lava Jato: por que, afinal de contas, o marqueteiro João Santana "recebeu propina" US$ 3 milhões da Odebrecht, se nada tem a ver com intermediação de contratos da Petrobras, nem se sabe de outras atividades suas que expliquem comissões da empreiteira?
Também não há, nas tantas palavras daquelas vozes da Lava Jato, nenhum indício, consistente ou não, de que o dinheiro da Odebrecht no exterior seja proveniente da Petrobras, como "desconfiam". Nem que tenha qualquer relação com campanha no Brasil.
A falta até de mínima sustentação das exposições de Sergio Moro, no próprio decreto de prisão de Santana e Mônica, como nas falas dos procuradores e policiais é nada menos do que escandalosa. Ou deveria sê-lo.
O jornalista Fernando Molica levantou, para sua coluna no carioca "O Dia", o uso de determinadas palavras no decreto de prisão do casal. Sergio Moro diz ser algo "possível" 19 vezes. "Já 'possivelmente' foi escrita em 3 ocasiões, 'provável' em 5. Moro utilizou alguns verbos no futuro do pretérito: 'seria' aparece 14 vezes; 'tentar/tentariam' merecem 16 aparições".
Ou seja, o piso do decreto de Moro é o texto das vaguidões, das inexistências e dos pretendidos ilusionismos.
Anterior por poucos dias, o outro caso gritante na última semana fez Hélio Schwartsman considerar cabível a hipótese de que, suscitada em momento de ataque mais agudo a Lula, a história de Fernando Henrique com Mirian Dutraemergisse como um chamariz das atenções. Em tal limite, e sem ameaçar suas veracidades, a hipótese é admissível. E, por força, desdobra-se em outra.
Ainda que Sergio Moro, os procuradores e a PF dispusessem de elementos convincentes para a prisão de Santana e Mônica, seria preciso fazê-la com a urgência aplicada? Nenhum fato a justificou. O risco de fuga era zero, já estando ambos no exterior. Mas o problemático assunto das remessas e contas externas de Fernando Henrique foi sufocado com mais facilidade. Não que se pudesse esperar um tal assunto levado a sério: a Procuradoria Geral da República, os procuradores e a Polícia Federal não foram capazes de emitir, dirigida à população como devido, sequer uma palavra a respeito. Mas sempre poderia ocorrer algum desdobramento a exigir mais para sufocá-lo.
Além disso, a oportunidade foi perfeita para o fato consumado de ampliar o alcance de Sergio Moro e da Lava Jato, apesar da duvidosa legalidade do novo alcance. O âmbito legal das ações de Moro e da Lava Jato não inclui eleição, campanhas, Santana, e atividades das empreiteiras fora do sistema Petrobras. Extendê-lo já foi tentado, mas o Supremo Tribunal Federal barrou-o. Mas é por aqui que se pode entender o serviço prestado por tanto "possível" e "possivelmente" e "seria": misturam o marqueteiro com dinheiro da Petrobras. E com as campanhas de Lula e de Dilma, que assim são postas na jurisdição das ações da Lava Jato e de seu poderoso juiz.
Sergio Moro, os procuradores e policiais federais falaram muito sem dizer o essencial. Mas já se entende parte dele.
FANTASMAS
Não tenho apreço por João Santana. Sua demissão da campanha eleitoral na República Dominicana me parece positiva para os dominicanos. Com isso, porém, a funcionária fantasma de José Serra pode voltar, também, a Brasília. Para ganhar outra vez, que tristeza, só como fantasma do Senado. Um efeito secundário da ação de Sergio Moro. 

(Extraído do Jornal GGN)






23 fevereiro 2016

IMPRENSA MAMBEMBE, AVACALHADA E VULNERÁVEL

Faltava imundice - agora sobra


Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



O espetáculo protagonizado pela jornalista Mirian Dutra desde o dia 19 de Fevereiro desvenda uma imprensa mais mambembe, avacalhada e vulnerável do que as demais instituições, órgãos e poderes da república.
No auge do mais corrosivo e demorado escândalo da história brasileira, o episódio deveria merecer no máximo 30 segundos num programa pornográfico da madrugada ou 20 linhas num palpitante blog nos confins catarinenses.
Deu-se o contrário: o assunto foi minuciosamente exposto durante cerca de cinco preciosos minutos nos mais prestigiados telejornais noturnos (“Jornal Nacional” da Rede Globo e “Jornal das 10” da GloboNews) e nos dias seguintes vomitado em diferentes segmentos e horários das emissoras de rádio do mesmo grupo midiático (um dos maiores do mundo), também em seu semanário.
Motivo: na edição da Folha de S. Paulo daquele dia, assinada pela responsável da página de frivolidades, amizades & afinidades, a jornalista Dutra denunciou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ex-namorado e pai do seu filho (hoje com 24 anos), por ter usado uma multinacional brasileira para complementar suas despesas primeiro em Lisboa e depois em Barcelona onde serviu sempre como funcionária da Rede Globo. Em dezembro passado, a Globo rompeu o contrato e agora, dois meses depois, pelo telefone a jornalista pergunta indignada: “Por que ninguém nunca investigou as contas que Fernando Henrique tem aqui fora”?
Primeira Pergunta: o que levou o Grupo Globo a fazer tamanho escarcéu sempre citando a matéria da Folha (sua sócia no jornal Valor Econômico), como causadora do insólito quiproquó?
Resposta: Arrufos entre acionistas, óbvio. A matéria da Folha é visivelmente confusa, apressada. Não faz jus às responsabilidades de um jornalão que completa 95 anos de gloriosos serviços prestados ao país: mal escrita, mal apurada e mal editada, deixa claro que a Globo sempre bancou a manutenção da profissional no exterior ao longo de quase três décadas.
Não é inédita: reaproveita uma entrevista da jornalista Dutra concedida em Madri a 19 de janeiro ao mensário ilustrado Brazil com Z destinado a promover as relações Brasil-Espanha. A edição de fevereiro com a jornalista na capa começou a circular no dia 14 (ver reprodução)Miriam Dutra capa revista
Grupo Globo sentiu-se traído pelos parceiros graças a uma exposição que considera injusta e perniciosa à sua imagem de veículo independente. A bem da verdade, convém acrescentar que a própria jornalista Dutra — pelo menos no período em que residiu e circulou em Lisboa — jamais se importou com o papel secundário a que foi relegada pela empresa. Não muito diferente, aliás, daquele que desempenhou antes do affaire com o ex-presidente.
Segunda pergunta: por que razão a “Folha” insiste em manter um distanciamento majestático, como se nada tivesse a ver com o pepino que produziu? Não chamou a atenção dos responsáveis da redação a proximidade entre a data do desligamento da jornalista Dutra da Rede Globo e sua quase imediata indignação cívica ante as supostas contas do ex-presidente no exterior? Não examinaram o material da revista espanhola que serviu de referência e fonte? Não cabe a um jornal investigar o que se esconde atrás das denúncias que veicula?
Primeira Resposta: na sua coluna de domingo, 21/2, com chamada na capa , o jornalista Helio Schwartsman, da Pagina Dois, vai fundo, inequívoco: “ o timing das novas suspeitas levantadas contra FHC é obviamente suspeito. Elas surgem num momento em que o líder petista [Lula] vinha tendo dificuldades para explicar seu relacionamento com empreiteiras. A possibilidade, porém, de que a história contra FHC tenha sido desenterrada por encomenda não muda o fato de que precisa ser explicada.”
Também a Folha deve explicações aos leitores sobre sua decantada obsessão em fazer barulho e a precariedade de suas apurações. Se o fizer que seja com profissionais habilitados a cobrir assuntos relevantes.


22 fevereiro 2016

A REALIDADE FICARÁ NUA

Vendedores de fumaça


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Um conto de Hans Christian Andersen, entre muitos outros, encantou a minha infância, A Roupa Nova do Imperador. Mas tem condições de encantar também a idade adulta. É a história dos vendedores de fumaça que com ela vestem o soberano, parvo e miseravelmente enganado, pronto a desfilar diante dos súditos aglomerados na praça certo de envergar roupas de seda e veludo. Até que um menino perdido no meio da multidão, voz da inocência, grita: “Ele está nu”. O enredo tornou-se lugar-comum para denunciar quem não consegue se esconder atrás de falácias. 
Volta e meia a gente lê ou ouve que o “rei está nu” ao se contar o inútil esforço de algum graúdo pego com a mão na massa apesar dos seus disfarces. Chico Caruso, chargista na primeira página de O Globo, já desnudou os incriminados pela Lava Jato e, em outra charge, achincalhou as duas centenas de advogados, alguns dos réus da operação, que em janeiro passado divulgaram um manifesto para protestar contra irregularidades variadas cometidas ao longo da investigação.
Mauricio Dias em sua Rosa dos Ventos da edição passada criticou o chargista, e este se queixa agora com um texto postado no meu e-mail para defender seu trabalho, sem deixar de admitir que eu poderia ter autorizado “tal ataque”. Nada inspirei, nada autorizei, pelo simples fato de que CartaCapital nunca se permitiu censura interna, ou autocensura. Seus colunistas escrevem o que bem entendem. Chico trabalhou comigo na primeira IstoÉ e gozou do meu respeito e da minha amizade, mantida no decorrer de décadas, desde os tempos em que me apelidou “catapulta de talentos” com chiste amigo, saudável de todos os pontos de vista.
Esta não é uma resposta, é reflexão ampla. Impossível dialogar nas circunstâncias de hoje com quem acredita, como Chico Caruso, que “o Judiciário aponta uma nova direção para a nossa política”. Não está só. 
Este gênero de peculiar humorismo é praticado pela larga maioria dos chargistas de jornalões, revistões, programões. As exceções contam-se nos dedos de uma única mão. De chofre, ocorre-me Laerte, artista fiel às suas crenças de sempre, a contradizer a linha do jornal que a publica. 
Às vezes me toma o impulso de perguntar aos meus céticos botões como se deu que tantos, outrora a pretender professar ideias tidas pela reação como subversivas, tenham se identificado tão profundamente com as ideias dos seus patrões reacionários? E se, perguntaram por sua vez os botões, eles tivessem passado a compartilhar com total sinceridade o pensamento de quem lhes paga o salário? 
Debandada geral. A mudança radical não se dá porque a ex-rapaziada deixou de votar no PT, ou porque se empenha em buscar obsessivamente razões para o impeachment de Dilma e para sepultar de vez qualquer veleidade eleitoral de LulaCartaCapital sabe, e repete, que no poder o PT portou-se como os demais clubes recreativos envolvidos na arena política. Sabe, porém, e repete, que a tentativa de impeachment é francamente golpista e que os argumentos até o momento trombeteados para incriminar o melhor presidente pós-ditadura por ora o fortalecem de tão inconsistentes.
Certos entendimentos apoiam-se apenas na razão, assim como diferenças insanáveis se estabelecem a partir de percepções opostas, no bem ou, se quiserem, no mal. Quem não mudou de casaca enxerga no ódio de classe o porquê da campanha anti-Lula, incapaz de aceitar um operário nordestino na Presidência da República. E enxerga a distância que separa um país onde ainda permanecem de pé casa-grande e senzala da democracia e da civilização. E enxerga a incompetência dos senhores, inabilitados até ao capitalismo sonhado por Adam Smith: ao cuidarem exclusivamente dos seus interesses, condenaram um país exportador de commodities a viver até hoje uma Idade Média.
Cada qual tem direito a pensar o que quer, livremente. Trato somente de esclarecer a discrepância e a impossibilidade de diálogo. Anoto, também, a generalizada, epidêmica, avassaladora falta de graça. De um senso de humor que outrora conhecemos, de um lado e de outro, de Stanislaw Ponte Preta a Nelson Rodrigues, de Noel Rosa ao Pasquim, de Raymundo Faoro a Gilberto Freyre.
Entrego-me à releitura do conto de Andersen: a mídia nativa vende fumaça e, ao cabo,  a realidade ficará nua. 



Alguém ainda pode acreditar nisso?

No caso FHC, a mídia escancara a parcialidade


Ricardo Kotscho, no seu blog Balaio do Kotscho









transportador.jornal No caso FHC, mídia escancara a parcialidade
Imparcial, isenta, independente, neutra, pluralista, apartidária: é assim que a grande imprensa brasileira gosta de se apresentar. Alguém ainda pode acreditar nisso?
Quem mais gosta de ostentar estas qualificações virtuosas é a Folha, o jornal de maior circulação no País faz mais de 20 anos, a ponto de perguntar em sua seção "Tendências/Debates" no último sábado: "A Folha é pluralista o suficiente?". Para mostrar que é, publica um artigo respondendo que "sim" e outro que "não".
Na primeira página da mesma edição, o jornal publica duas chamadas que mostram aos leitores a realidade fora da propaganda. Em dois casos análogos, o tratamento é diferenciado conforme o personagem abordado na notícia. Vejam a sutileza:
"Marita Lorenz, espiã da CIA e ex-amante de Fidel, conta em livro a sua trajetória".
"A empresa Brasif _ acusada de usar contrato fictício com a jornalista Mirian Dutra para ajudar o ex-presidente FHC (PSDB) a bancar ex-namorada no exterior _ negou que o tucano tenha participado da contratação".
Quer dizer, no caso de Fidel, é "ex-amante"; no de FHC, "ex-namorada".
Menos sutil é a revista Veja. Na mesma semana em que a revelação do caso FHC foi o assunto mais comentado nas redes sociais e em toda parte (menos na mídia grande), a nossa ainda maior revista semanal simplesmente ignorou o tema em sua capa, que pela 968ª vez foi dedicada a denúncias contra o ex-presidente Lula. E, em suas 98 páginas, a revista não dedicou uma única linha para tratar das denúncias de Mirian Dutra que provocaram grande repercussão.
Sua principal concorrente, a revista Época, também ignorou o assunto na capa e lhe reservou apenas duas paginetas, sob a rubrica "Teatro da Política", com um texto escrito cheio de dedos, não assinado, costurado em notas oficiais, como se estivesse pisando em ovos.
Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a descarada parcialidade da mídia ao tratar de denúncias contra os dois ex-presidentes, a cobertura do caso FHC pelos principais veículos mostrou que a "missão de informar e noticiar fatos", como diz Veja em sua "Carta ao Leitor", não passa de propaganda enganosa.
A revista ainda teve o requinte de afirmar nesta carta, sob o título "De que lado está Veja?", que a "Veja sempre esteve entre as forças da nação que se unem em torno dos valores éticos comuns às sociedades civilizadas e avançadas".
Para reforçar a afirmação anônima, o editor republicou anúncios de uma campanha publicitária de 1999 com frases como "A esquerda acha que a Veja é de direita" e "A direita, que é esquerdista". Nem se trata de ser de esquerda ou de direita, mas apenas de ser honesta com seu leitorado, tratando de todos os fatos e personagens com as mesmas medidas, não manipulando nem omitindo informações.
É sintomático que, na mesma semana, Veja e Folha, líderes de mercado em seus segmentos, questionem-se sobre o próprio comportamento editorial.
Mantenho o que escrevi aqui em post anterior sobre a vida privada dos homens públicos, que deve ser preservada, até o limite do interesse público. Outra coisa é esta cobertura parcial e seletiva da velha imprensa familiar, em que uns são sistematicamente atacados e, outros, defendidos. O que vale para um, não vale para outro; são mil pesos e mil medidas.
Chega até a dar vergonha de ser jornalista.
Vida que segue.



20 fevereiro 2016

TEM JEITO, TEM CURA, TEM PREÇO

Uma generalizada sensação de desordem


Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



…ou de extrema vulnerabilidade, vertigem de beira de abismo, náusea causada por queda abrupta. Não na esfera mística, escatológica. Oliver Sacks, o celebrado neurologista anglo-americano, chamado de “poeta laureado da medicina contemporânea” não foi o descobridor desta síndrome, mas foi quem melhor a descreveu cientificamente e a dramatizou num extraordinário ensaio com este mesmo título pouco antes de morrer em agosto passado vitimado por selvagem câncer no fígado.
Cunhada na metade do século XIX pelo fisiologista francês Emile du Bois-Reymond para descrever suas penosas enxaquecas, serviu pouco depois para explicar a insólita constatação do poeta-pensador americano Ralph Waldo Emerson sobre a afasia (mais tarde conhecida como doença de Alzheimer) que o vitimara: “Perdi minhas faculdades mentais, mas sinto-me perfeitamente bem”.
Incômodo sem doença, indisposição sem dor, esta generalizada sensação de desordem (que, com toda a certeza, logo será abreviada como GSD – General Sensation of Disorder) não é causada pelo retorno do invencível Aedes aegypti, embora as façanhas de uma de suas crias, o vírus da Zika, inclua-se entre as possíveis causas desta angústia aguda, paralisante e universal.
A GSD é, na realidade, mais próxima de Sigmund Freud e tão próxima que pode ser confundida com uma de suas obras mais conhecidas — “O Mal-Estar na Civilização” – escrita em 1929, pouco antes do crash da Bolsa de Nova York. Freud evidentemente não estava antenado nos fenômenos econômicos, no máximo reagiu como antropólogo social ao detectar aquele tremendo mal-estar psicológico em meio ao desvario do final dos anos 20. Tal como o Mal du siècle diagnosticado pelo romântico Chateaubriand, ou o “Efeito Werther” incubado no clima produzido pelo “Werther” de Goethe. Inércia combinada à morbidez, vazio pós-racionalista, ofuscamento depois do clarão iluminista, expectativa associada a perplexidade.
A GSD estudada por Sacks pode manifestar-se em situações de extrema insegurança e descontrole. Como as que precedem as guerras ou sucedem às catástrofes naturais. Estar mal não é achaque, é uma inadequação extremada, desequilíbrio, desajuste. Guerra é a desordem em grau máximo – como todas as convulsões e tormentas, emite avisos quando a soma de pulsões e pressões chega à zona de perigo.
Como agora. A crise brasileira supera com incrível velocidade todas as marcas e previsões. Versão diabólica da Lei de Murphy converte o pior em muito pior, o péssimo em catastrófico. A certeza de que as soluções vão demorar e que ninguém está cuidando do Day After, faz da fadiga impaciência e desta o combustível para fricções inimagináveis. À combinação de cinismo com prepotência acrescenta-se agora uma carga de imundice que converte uma solução apenas tóxica em matéria altamente corrosiva.
A conjuntura externa não poderia estar melhor, já que parte das nossas aflições se nutre em desacertos contíguos, antigos, mais fundos, planetários. Passadas sete décadas, os mesmos paroxismos que produziram a Segunda Guerra Mundial, incrivelmente tonificados pelo que se convencionou chamar de “progresso” ai estão na mesmíssima e sábia Europa exibindo a inutilidade dos aprendizados, do conhecimento e até do sofrimento.
Não foi o acaso que armou no idioma alemão em pleno romantismo o composto vocabular conhecido como Weltschmerz, Dor de Mundo. O mundo não foi feito para doer, mas dói. A generalizada sensação de desordem captada por Oliver Sacks tem jeito, tem cura, tem preço.