09 novembro 2015

NÃO "PEGOU"

O impeachment da democracia


Luiz Gonzaga Belluzzo, na Revista CartaCapital



Em 1992 os caras-pintadas acorreram às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.
Pouco antes, em longa conversa comigo na presença do jornalista Roberto Müller Filho, Ulysses Guimarães desfiou temores e preocupações diante do iminenteimpeachment do presidente eleito pelo voto popular.
Os receios do Senhor Diretas concentravam-se no “vício antidemocrático” dos donos do poder, habituados a manejar os cordéis do arbítrio a seu talante e ao sabor de seus interesses.  A cavalgada do mandonismo pode ocorrer no lombo dos fardados ou nos ombros dos bacharéis habilitados a chicanas e firulas de variado sabor doutrinário.
Às vésperas da morte trágica, Ulysses compreendeu que a campanha popular pelas eleições diretas e a Constituição ainda sofriam o assédio insidioso, persistente do velho e sempre renovado arranjo oligárquico que controla a vida dos brasileiros.
Reafirmo, em seguida, o que disse em colunas anteriores: nas almas dosimpichadores brasileiros de hoje estão entrelaçadas as brutalidades do atraso oligárquico e a hipermodernidade da barbárie “internética” que intoxica o ambiente social com sua nuvem de ignorâncias.
As baixarias revelam, sobretudo, indigência cultural e desprezo absoluto pelos valores do liberalismo político, o que nos coloca na rabeira do processo civilizador, ou, se quiserem, na vanguarda do movimento de retorno à idade da pedra lascada. O Estado Democrático de Direito não “pegou” na Terra de Santa Cruz. Seus princípios jazem inertes nos compêndios.
As garantias individuais ainda não saíram dos códigos para ganhar vida nos ambientes sociais frequentados pelos abusos dos senhoritos da “ordem” e seus sequazes. O Datafolha informa que 76% dos que exibem sua ignorância nas manifestações pró-impeachment têm nível superior. A cifra é uma delação não premiada, com o indicador apontado para a impotência da educação em conter a degradação dos indivíduos na sociedade capitalista de massas.
Os brasileiros – alguns hoje se manifestam nas ruas – foram submetidos a um processo de “esquecimento coletivo” promovido cum ira et sine studio por uma conspiração de silêncio. A conspirata envolve não só os conhecidos esbirros do conservadorismo, os senhores da mídia e seus lacaios nas redações, mas também o sistema educacional, do ensino básico ao superior, empenhado em formar analfabetos funcionais ou, na melhor das hipóteses, “especialistas” incapazes de compreender o mundo em que vivem. A turma do andar de cima exalta as virtudes da educação, mas promove com esmero e persistência as crueldades da Pátria Deseducadora.
Impeachment
Manifestação em São Paulo pela saída de Dilma Rousseff | Crédito: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
A estrutura de classes no Brasil é muito original: na cúspide, os predadores que se atiram com incontida sanha e apetite nos juros da dívida pública; no meio, os trouxas e os espertalhões ideológicos das camadas falantes semi-ilustradas; lá embaixo, os “ferrados” que tentam desesperadamente escapar da miséria.
A turma de cima não tem o hábito de dar refresco ao inimigo. Em suas fileiras abrigam-se os liberais que apoiam golpes de Estado, as camadas endinheiradas e remediadas que mal toleram a soberania popular e as gentes midiáticas que abominam a opinião divergente.
No recente seminário realizado no Brasil, a revista The Economist insistiu em se abeberar nas fontes de sempre, as sabedorias funcionais do cosmopolitismo caboclo. Para não desperdiçar a oportunidade, incrustaram o juiz Moro na coroa de celebridades que os nativos costumam exibir para inglês ver.
Nas duas matérias de capa que há tempos trataram do Brasil, a revista britânica enredou-se em dois extremos ridículos: na primeira capa, a exaltação precipitada; na segunda, o besteirol fecundado nas ideologias que levaram a economia mundial ao desastre financeiro.
Não tiveram tino para perceber que as lideranças das classes dominantes brasileiras e seus porta-vozes na mídia estão sempre alinhados com o que há de mais expressivo no caquético capitalismo brasileiro.
O arranjo social do atraso preconiza uma sociedade submissa ao rentismo, refém da estagnação, prisioneira da defesa da riqueza estéril alimentada pelos fluxos de hot dollars. Imobilizados nos pântanos do parasitismo, os bacanas e sabichões acovardam-se diante dos azares da incerteza, avesso aos riscos de construção da nova riqueza.
Aí está desvelado, em sua perversidade essencial, o “segredo” das reivindicações antissociais dos vassalos do enriquecimento sem esforço cevado por taxas de juro absurdas. Clamam pelo aumento do desemprego. Este é o alto preço que o presente agrilhoado ao passado cobra do futuro.



06 novembro 2015

ESPÍRITO GUERRILHEIRO

O espírito do passado


Mino Carta, na Revista CartaCapital



 Véspera eleitoral de 2010, almoço em uma “mansão” de bairro “nobre”. Singulares situações, embora largamente justificadas, me escalam à mesa de alguns “colunáveis” a rodearem o rei da Suécia, como se sabe casado com brasileira e desde então a fazer lobby do seu célebre caça Gripen. Coloquei algumas palavras entre aspas por obra de respeitosa adequação ao linguajar do jornalismo nativo.
Permito-me uma digressão. Eu também moro em região “nobre”, os Jardins paulistanos, e me abalo a garantir que de nobre ali não há coisa alguma. O bairro do almoço, de fato um banquete, é ainda mais graúdo, e me pergunto como o chamariam os repórteres ao confrontá-lo com o meu. Nobilíssimo? Principesco?
Reina naquele recanto uma acentuada balbúrdia arquitetônica, de sorte a impor no mesmo cenário a casa dos sete anões, sempre à espera da neve, e Tara, moradia neoclássica de Scarlett O’Hara, em meio aos algodoais. Ou a vivenda de Zorro e um disco voador.
Há outros contrastes, contudo, naquele faiscante rincão: nele se encravam favelas do tamanho de históricas cidades europeias, uma Siena ou uma Bruges. Sem maior tormento por parte dos moradores, acham tudo muito natural. Afora os assaltos.
Retorno ao almoço opíparo. Inquietava a alguns dos convivas a perspectiva de ver eleita uma “guerrilheira” (continuam as aspas) de origem búlgara, uma tal de Dilma Rousseff. A conversa produzia um ruído desagradável aos meus ouvidos e lá pelas tantas não me contive e, de lança em riste, proclamei que uma coisa é ser guerrilheiro contra uma ditadura e outra é sê-lo contra um Estado de Direito.
É a diferença entre Dilma, digamos, e Cesare Battisti, o assassino que ganhou asilo no Brasil graças à devastadora ignorância nativa, alimentada, inclusive, por muitos ditosesquerdistas nas nossas plagas.
Exagerei, repito. Em determinados momentos pareço-me com Pickwick, a personagem de Dickens que perdia as estribeiras enquanto aumentava a empolgação do revide. Deveria eu era ter dado uma gargalhada. Nem sempre, infelizmente, reajo como convém no confronto com a selvageria.
Por exemplo. Como reagir diante das últimas capas das revistas Veja Época? Independentemente das acusações que precisam ser provadas, algo similar não aconteceria, disso tenham certeza, em qualquer país civilizado e democrático.
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Os adeptos do “Fora Dilma” acham, em boa ou má-fé, que o impeachment resolve / Thyago Marcel/Câmara dos Deputados
Ninguém à mesa imaginava que algum dia ainda culparia Lula por ter cumprido a mesma tarefa desempenhada pelo rei da Suécia, afável presença, alheia ao entrevero, e a quem não foi simples explicar-lhe as razões. De todo modo, alguém perguntara se um nascido em terra estrangeira, ou seja, o acima assinado, teria direito de tomar aquelas ofensivas atitudes.
A evocação se deve a uma consideração posterior: Dilma Rousseff não foi a “guerrilheira” sugerida naquele almoço guardado na memória. Fez, porém, um governo inquestionável até final 2013, conforme prova em sua magistral coluna desta edição o professor Delfim Netto. Os problemas fermentaram em seguida, e não apenas como efeito da crise econômica mundial. Os resultados estão aí, e nos penalizam a todos.
Os adeptos do “Fora Dilma” acham, em boa ou má-fé, que o impeachment resolve. Enganam-se, obviamente. Nada pior do que golpear fatalmente a nossa incipiente democracia. Do seu lado, Dilma, para não conferir sentido à sua presidência, não tem, na minha opinião, outra saída a não ser encarnar o espírito da guerrilheira prometida, e temida, e não cumprida.
Adaptada aos dias de hoje e às esperanças de quem sonha o Brasil como um país feliz para todos. Trata-se de reencontrar a energia da juventude combativa para assumir a chefia afetiva do governo e reavaliar as políticas até aqui implantadas, e as figuras políticas chamadas a pô-las em prática.
Trata-se, sobretudo e antes de mais nada, de enfrentar de cara aberta uma oposição desvairada, apoiada pelo delírio midiático e favorecida pela tibieza das reações dos seus alvos. Contra a desesperança, é preciso mostrar imperiosamente que o País não está desgovernado.



04 novembro 2015

A QUALQUER PREÇO

Lula assombra a oposição


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Há mais de 12 anos a oposição tucana, após ser expulsa de um ciclo de poder de oito, procura com o apoio solidário da mídia um remédio para voltar a ocupar o Palácio do Planalto e os demais vetustos conservadores.
Para isso é preciso vencer Lula. A qualquer preço. Como não pode fazer o ex-presidente beber cicuta e, ainda mais, sem um programa alternativo de governo convincente, a dita oposição sentou-se ao piano para tocar o samba de uma nota só: corrupção.
Essa hipocrisia moralista remete à célebre observação entediada de Millôr Fernandes: “Estou cansado de sentar à mesa com corruptos para falar da corrupção”.
Na continuidade desse objetivo político, os oposicionistas, sem sucesso, abalados por quatro derrotas na disputa pela Presidência da República, partiram para o desespero. Resolveram sacrificar os políticos e ospartidos e, para isso, não se importaram em atear fogo às próprias vestes.
A oposição plantou vento e colheu tempestade.
Essa é a tradução mais próxima do resultado apontado pela recém-publicada pesquisa Ibope, cujo objetivo foi o de perceber o sentimento do eleitor sobre os prováveis presidenciáveis na eleição de 2018. O resultado está nos porcentuais elevadíssimos de repulsa aos políticos e, por dedução, à política.
Lula lidera esse ranking negativo com 55% de rejeição, em empate quase numérico com José Serra, que tem 54%. Em empate técnico com esses dois, estão Geraldo Alckmin eCiro Gomes, com 52%, seguidos por Marina Silva com 50% e por Aécio Neves com 47% de rejeição.
Intenção-de-votos-2015
Embora a pesquisa foque a rejeição, pode-se projetar o possível resultado nas urnas, se a eleição fosse hoje, a partir da resposta dos eleitores a duas perguntas: a certeza do voto e a possibilidade de votar (tabela).
“O resultado da pergunta sobre a certeza do voto, manifestada pelo eleitor, é, nesse momento, a mais consistente indicação da pesquisa”, assegura Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope.
Há algumas surpresas no resultado dessa sondagem. A elevada rejeição a Aécio e a Marina. Ele tinha 32% e Marina 31% em outubro de 2014. Um aumento de 15% e 19%, respectivamente.
O porcentual de rejeição a Lula, elevada em 22% desde maio de 2014, é facilmente explicável. Além do intenso ataque da mídia, o ex-presidente recebe reflexos da crise econômica conjuntural.
Os resultados da pesquisa fazem vislumbrar uma trajetória para a vitória de Lula maior do que a de seus adversários. O esforço do desmanche da política e dos partidos beneficia os líderes com capacidade de transferir e captar votos de diferentes classes sociais. Favorece, assim, a Lula.