28 junho 2011

NOSSO MUNDO

Battisti e a Itália do Compromesso


“São criminosos, mas também voluntaristas e estultos os que imaginaram ou imaginam o avanço da democracia na Itália mediante conluios obscuros, ações terroristas violentas e tentativas de golpes”
Enrico Berlinguer, Secretário-Geral
do PCI, em discurso pronunciado em 1974

Os mais velhos talvez se lembrem dele e os mais jovens deveriam saber quem foi Enrico Berlinguer. Eleito em março de 1972 secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI), Berlinguer foi esculpido pelo cinzel do historiador Carlo Ginsburg como “um aristocrata de origem sarda que manifestava aversão pelo culto da personalidade e desprezo pela retórica”.

Reverenciada por quem hoje insiste em ignorar seus ardis e revelações, a história da Itália e da Europa certamente não deixou de registrar a visão e a coragem de Enrico Berlinguer ao aderir, nos anos 70 do século passado, à ideia do Compromesso Stórico, um projeto democrático de avanço econômico, social e político. No biênio 1974-1975, a crise econômica mundial foi acompanhada do enfraquecimento e queda das ditaduras em Portugal e na Espanha. Os partidos de esquerda desses países se aproximaram da via democrática, manifestando um distanciamento crescente em relação à União Soviética. Em julho de 1975, espanhóis e portugueses proclamaram sua adesão à paz e à liberdade “como um compromisso estratégico e não como uma manobra tática”.

Na eleição italiana de 1976, democrata-cristãos e comunistas dividiram fraternalmente 70% dos votos dos italianos (36% para aqueles, 34% para estes) e aproximaram o Compromesso Stórico da realidade. Isso foi suficiente para assustar os americanos e mobilizar os maximalistas “criminosos” à esquerda e à direita para ações de terror. A turbulência dos “tolos” culminou, em 1978, com o assassinato do líder democrata-cristão Aldo Moro, que negociava com Berlinguer, pelas Brigadas Vermelhas, sob o olhar complacente do primeiro-ministro Giulio Andreotti, também democrata-cristão.

Na configuração do projeto eurocomunista, pesaram a herança gramsciana, a crítica dos intelectuais italianos à experiência soviética e, mais imediatamente, o choque provocado pelo golpe militar desferido contra o governo de Salvador Allende no Chile. Resistir aos arreganhos violentos da extrema-direita era uma façanha que deveria se inspirar na aliança democrática dos anos 1943-1947. Nesse período, as forças antifascistas reuniram-se numa grande coalizão que culminou com o referendo de 2 de junho de 1946. Às urnas incumbiria declarar a preferência dos italianos pela monarquia ou pela república e, ao mesmo tempo, eleger os membros da Assembleia Constituinte exclusiva, que conclui seus trabalhos em 1948. Em seu primeiro artigo, a nova Constituição dizia ser a Itália uma república baseada no trabalho, assegurado o direito de todos os italianos a este no artigo 4º.

Entre 1946 e 1948, a Itália viveu uma crise econômica, social e política. Assim como na Alemanha, o ronco da inflação e a ameaça de uma crise da lira acompanharam a desmontagem do aparato da economia de guerra. A inflação chegou aos 50% nos primeiros seis meses de 1947. A agitação sindical aumentou a temperatura social e política. Para juntar ofensa à injúria, o governo americano de Harry Truman aumentou a pressão: exigia a saída dos comunistas do governo do democrata-cristão De Gasperi.

Recém-nomeado, o ministro do Tesouro Luigi Einaudi impôs um congelamento de 25% dos depósitos bancários e promoveu uma forte contração do crédito. Em 1948, a média mensal de desempregados chegou a mais de 2 milhões de trabalhadores. Mas já nos primeiros três meses de 1948, o Plano Marshall derramou US$ 176 milhões na economia italiana. A despeito da ajuda externa, a economia italiana permaneceu deprimida até meados de 1950.

O então secretário-geral do PCI, Palmiro Togliatti, insistiu em sua discordância com a utilização de métodos “extraparlamentares” para enfrentar a crise e as consequências da política de estabilização levada a cabo pelo liberal Luigi Einaudi. Essa atitude de contemporização estratégica não impediu que o fanático Antonio Pallante atirasse contra o líder do PCI em 14 de julho de 1948.  Uma rebelião de massas sacudiu a Itália. Mas Togliatti e a direção do partido apostaram na consolidação da democracia e na aliança com os setores mais progressistas da democracia-cristã.


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