28 junho 2011

DEBATE ABERTO

A esquerda mundial tem que tirar consequências do que está ocorrendo na Grécia. O povo assalariado, junto aos setores progressistas da sociedade civil organizada, ocupa as praças diante de um parlamento que não se vexa em se submeter aos ditames da dupla conservadora - Sarkozy e Merkel -, porta-voz da indústria financeira da Europa continental (com o apoio dos reacionários do outro lado do Canal da Mancha).

Esse parlamento não tem maioria de direita. Pelo contrário. É formado uma maioria Pasok - dita socialdemocrata - que derrotou o governo reacionário, responsável por fraudes nas contas públicas, distorcendo dados oficiais, e ocultando dívidas contratadas por segmentos privilegiados do grande capital, com ônus repassados ao setor público.

Essa maioria socialdemocrata, ao invés de denunciar o caráter lesivo dos acordos anteriores, a ele se submete, reproduzindo práticas que outrora necessitavam de golpes militares, torturas e assassinatos de opositores para garantir a privatização do lucro, com a socialização do prejuízo - modelo muito bem definido por Noam Chomsky como "socialismo dos ricos".

Hoje, a BBC informa que, cinicamente, Sarkozy e Merkel chamam o povo grego à "unidade nacional" em torno do garrote vil financeiro que impuseram ao país (http://www.bbc.co.uk/news/business-13902794). Cinismo duplo porque, num primeiro momento, Merkel havia tido uma posição distinta. Saída de uma brutal derrota eleitoral, não queria impor ao eleitorado alemão a participação no sacrifício grego. Operou para que os bancos privados credores se organizassem num processo de alongamento, bancando eles a quota principal do risco em que haviam mergulhado por operações especulativas. Mas qual o quê!? Não durou muito. Bastou o presidente do Deutsche Bank - maior potência germânica - estrilar, para que ela recuasse e se juntasse às bandalheiras de Sarkozy.

O Banco Central Europeu, com o dinheiro dos cidadãos comuns, emprestaria o que a Grécia viesse a necessitar para manter compromissos assumidos, não pelo povo grego, mas pelos cúmplices locais da especulação globalizada, de modo a que os balanços dessas "humanísticas instituições" se mantivessem sanados.

Nesse contexto, e como já havia sido provado na Espanha e em Portugal, a manifestação de rua não tem se mostrado suficientemente eficaz para a rendição dos parlamentos - corrompidos e covardes diante dos poderosos de fora, mas arrogantes diante de seu próprio povo. Rendição aos interesses da parte majoritária do povo. Da parte que trabalha e produz, que vive de salários, e que não tem nada a ver com as especulações do crime organizado que se desenrolam nas bolsas do chamado "livre mercado".

É aí que as forças da esquerda organizada têm que abrir um espaço de reflexão. Têm forças para um processo de insurreição que leve de roldão essas "instituições", como sonhamos nas décadas de 60 e 70 do século passado? Se têm, vale seguir no "que se vayan todos", sem esquecer de trazer uma boa parte das forças armadas, também carcomidas em seus salários, para o seu lado.

Mas, mesmo tendo, não podem abdicar da disputa desses parlamentos. Levando a sério um trabalho permanente de mobilização pol[itico-eleitoral consistente, sem os arroubos generalizados contra os partidos políticos. O "movimentismo", em si, é alvo vulnerável pela fragmentação das demandas corporativas e setoriais que comporta. O partido político, não. Ainda é o único instrumento capaz de universalizar, de politizar, essas demandas. E o partido, por mais classista e revolucionário que se pretenda, tem que aceitar a necessidade de se organizar para a disputa no seio do Estado burguês, se realmente pretende desconstruí-lo. Nessa luta, muitos se acomodam, se vendem e se rendem a esse Estado burguês. Mas nem todos. E quanto mais desses todos conseguirmos colocar nos parlamentos burgueses, mais possibilidades terão de impedir que eles continuem a serviço da burguesia.

(*) Jornalista, ex-deputado estadual e duas vezes deputado federal
Membro da executiva estadual do PSOL-RJ.




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Boff e a crise terminal do capitalismo

Por Leonardo Boff, no sítio da Adital:

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.



A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.

A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.

O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.

Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.

A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.

Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.

As ruas de vários países europeus e árabes, os "indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: "não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumossacerdotes do capital globalizado e explorador.

Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.




Fonte: altamiroborges.blogspot.com

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