O CAPITALISMO PRECISA DE FÉRIAS
Michel Husson(*)
Os velhos países capitalistas não vão bem. É o que mostram as últimas previsões da ONU [1]: “Uma desaceleração do crescimento mundial é esperada em 2011 e em 2012”. Para os países desenvolvidos, o informe prevê um crescimento de 1,9% em 2011 e depois de 2,3% em 2012. A União Europeia (1,5 e 1,9%) e o Japão (1,1% e 1,4%) fariam ainda bem menos e os Estados Unidos (2,2 e 2,8%) um pouco melhor. O crescimento mundial será puxado pelos países em desenvolvimento, com 6% em 2011 e 6,1 em 2012. “A retomada do crescimento mundial foi freada pelas economias desenvolvidas”, diz o informe. Pode-se mesmo se perguntar se haveria uma retomada nos países desenvolvidos sem o dinamismo dos países emergentes.
O crescimento mede ao menos uma coisa: a saúde do capitalismo. Desse ponto de vista, o futuro parece sombrio. Nos Estados Unidos, o esgotamento dos efeitos da política monetária de Quantitative Easing [2] e a evolução da dívida pública marcam os limites de uma política de alavancagem que não toca nas alucinantes desigualdades na distribuição de renda. O sobressalto japonês reduziu-se a nada, pelas consequências da catástrofe nuclear. Quanto à Europa, ela bate no muro com alegria.
O informe da ONU assinala com razão que “a austeridade orçamentária corre o risco de desacelerar mais do que a retomada do crescimento, [que] o aumento da instabilidade nas taxas de câmbio permanece um risco tanto como um reequilíbrio coordenado da econômica mundial”. Vistas de perto, as proposições avançadas são de uma vacuidade quase cômica: seria preciso “coordenar os programas de relançamentos; a política orçamentária deve ser revista, a fim de se reforçar seu impacto sobre o emprego”. A ONU chama de suas metas “uma política monetária mais eficaz, um acesso mais previsível para financiar o desenvolvimento, objetivos mais concretos e executivos para a coordenação das políticas internacionais”.
Num contexto como esse, o projeto de “desglobalização” carece ao menos de simetria. Sua proposição central é a de um protecionismo (europeu no melhor dos casos, ou limitado "ao hexágono" [A forma geográfica da França lembra um hexágono, razão pela qual o país é chamado de "L'hexagone"]
em relação às importações provenientes dos países emergentes que não respeitam as normas sociais e ambientais. Mas nem [Arnaud] Montebourg, nem [Emmanuel] Todd, nem [Jacques] Sapir [3] falam de exportações. Ora, são os países emergentes hoje puxam e financiam a retomada do crescimento econômico: “as transferências financeiras líquidas dos países pobres para os países ricos ainda estão em crescimento”, sublinha a ONU. Querer reduzir unilateralmente as importações não pode conduzir a uma configuração estável.
A desmundialização assim concebida deve ser distinguida do altermundialismo em vários aspectos recentemente sintetizados por Jean-Marie Harribey [4]. Em primeiro lugar, a mundialização não é a única fonte de degradação social. A ONU prevê assim “a presistência do desemprego nos países desenvolvidos”. Com a crise, as taxas de desemprego passaram de 6 para 9% e deve permanecer superior a 8% em 2012. Essa retomada [da economia] sem emprego [jobless recovery] que está no horizonte dos velhos países capitalistas não resulta da mundialização que os mercados visam a explorar, mas de uma vontade convicta de restabelecer as taxas de lucro e a sacrossanta competitividade.
O tema da desmundialização remete a um encadeamento que não funciona mais: competividade, logo crescimento, logo emprego. Mas se tudo o crescimento serve a uma pequena parte dos ricos, para quê procurar um crescimento mais elevado? O que está em jogo de verdade é uma outra maneira de distribuir a riqueza, mas também aí é a mundialização que força os acionistas a se esbaldarem, quando todos os outros devem apertar os cintos? Esse projeto visa no fundo a retomar o capitalismo aos “Gloriosos Anos Trinta”, por meio de um protecionismo que permita uma reindustrialização fundada sobre um crescimento produtivista. Significa dar as costas à alternativa real: a grande bifurcação em direção a um outro modelo, que combine a satisfação das necessidades sociais com a luta contra o aquecimento global.
[1] Situation et perspectives de l’économie mondiale. [Situação e perspectivas da economia mundial]. As citações provêm todas do resumo em francês desse informe.
[2]. Política monetária de reputação heterodoxa, recentemente adotada pelo Banco Central estadunidense, que consiste na compra de ativos no mercado de títulos da dívida dos EUA. O resultado pode levar a uma liquidez aparente e provisório, visto que conta com a temerária criação monetária ex-nihilo, ou a partir do nada. N.de.T.
[3] Intelectuais e deputado pelo PS (Arnaud Montebourg) franceses com reputação de protecionistas ou defensores do protecionismo europeu.
[4] « Démondialisation ou altermondialisme ? », [Desmundialização ou Altermundismo?]7 juin 2011.
(*) Michel Husson é economista, membro do Conselho Científico da ATTAC/França.
Tradução: Katarina Peixoto
O crescimento mede ao menos uma coisa: a saúde do capitalismo. Desse ponto de vista, o futuro parece sombrio. Nos Estados Unidos, o esgotamento dos efeitos da política monetária de Quantitative Easing [2] e a evolução da dívida pública marcam os limites de uma política de alavancagem que não toca nas alucinantes desigualdades na distribuição de renda. O sobressalto japonês reduziu-se a nada, pelas consequências da catástrofe nuclear. Quanto à Europa, ela bate no muro com alegria.
O informe da ONU assinala com razão que “a austeridade orçamentária corre o risco de desacelerar mais do que a retomada do crescimento, [que] o aumento da instabilidade nas taxas de câmbio permanece um risco tanto como um reequilíbrio coordenado da econômica mundial”. Vistas de perto, as proposições avançadas são de uma vacuidade quase cômica: seria preciso “coordenar os programas de relançamentos; a política orçamentária deve ser revista, a fim de se reforçar seu impacto sobre o emprego”. A ONU chama de suas metas “uma política monetária mais eficaz, um acesso mais previsível para financiar o desenvolvimento, objetivos mais concretos e executivos para a coordenação das políticas internacionais”.
Num contexto como esse, o projeto de “desglobalização” carece ao menos de simetria. Sua proposição central é a de um protecionismo (europeu no melhor dos casos, ou limitado "ao hexágono" [A forma geográfica da França lembra um hexágono, razão pela qual o país é chamado de "L'hexagone"]
em relação às importações provenientes dos países emergentes que não respeitam as normas sociais e ambientais. Mas nem [Arnaud] Montebourg, nem [Emmanuel] Todd, nem [Jacques] Sapir [3] falam de exportações. Ora, são os países emergentes hoje puxam e financiam a retomada do crescimento econômico: “as transferências financeiras líquidas dos países pobres para os países ricos ainda estão em crescimento”, sublinha a ONU. Querer reduzir unilateralmente as importações não pode conduzir a uma configuração estável.
A desmundialização assim concebida deve ser distinguida do altermundialismo em vários aspectos recentemente sintetizados por Jean-Marie Harribey [4]. Em primeiro lugar, a mundialização não é a única fonte de degradação social. A ONU prevê assim “a presistência do desemprego nos países desenvolvidos”. Com a crise, as taxas de desemprego passaram de 6 para 9% e deve permanecer superior a 8% em 2012. Essa retomada [da economia] sem emprego [jobless recovery] que está no horizonte dos velhos países capitalistas não resulta da mundialização que os mercados visam a explorar, mas de uma vontade convicta de restabelecer as taxas de lucro e a sacrossanta competitividade.
O tema da desmundialização remete a um encadeamento que não funciona mais: competividade, logo crescimento, logo emprego. Mas se tudo o crescimento serve a uma pequena parte dos ricos, para quê procurar um crescimento mais elevado? O que está em jogo de verdade é uma outra maneira de distribuir a riqueza, mas também aí é a mundialização que força os acionistas a se esbaldarem, quando todos os outros devem apertar os cintos? Esse projeto visa no fundo a retomar o capitalismo aos “Gloriosos Anos Trinta”, por meio de um protecionismo que permita uma reindustrialização fundada sobre um crescimento produtivista. Significa dar as costas à alternativa real: a grande bifurcação em direção a um outro modelo, que combine a satisfação das necessidades sociais com a luta contra o aquecimento global.
[1] Situation et perspectives de l’économie mondiale. [Situação e perspectivas da economia mundial]. As citações provêm todas do resumo em francês desse informe.
[2]. Política monetária de reputação heterodoxa, recentemente adotada pelo Banco Central estadunidense, que consiste na compra de ativos no mercado de títulos da dívida dos EUA. O resultado pode levar a uma liquidez aparente e provisório, visto que conta com a temerária criação monetária ex-nihilo, ou a partir do nada. N.de.T.
[3] Intelectuais e deputado pelo PS (Arnaud Montebourg) franceses com reputação de protecionistas ou defensores do protecionismo europeu.
[4] « Démondialisation ou altermondialisme ? », [Desmundialização ou Altermundismo?]7 juin 2011.
(*) Michel Husson é economista, membro do Conselho Científico da ATTAC/França.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
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Energia na Idade da Pedra
A tentativa de impedir a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, no Rio Xingu, a pretexto de preservar o meio ambiente, é manifestar a intenção de voltar à Idade da Pedra. Este é um projeto estudado há quase 30 anos, que levou em conta todas as implicações mais importantes para o bioma amazônico, talvez até com certo exagero. Agora é preciso acreditar que há pessoas no Brasil (e fora daqui) que dizem “não queremos mais energia em nossas vidas”, queremos ter de volta aquela deliciosa sensação de escuridão da Idade da Pedra.
Uma usina hidrelétrica (e não apenas na Amazônia, podia ser no Vale do Tennessee, nos EUA, ou na de Três Gargantas, na China), necessariamente modifica o ambiente físico. Na minha vivência de mais de meio século de acompanhamento do desenvolvimento energético brasileiro, aprendi que as mudanças são positivas sob todos os aspectos e isso diz respeito à flora, à fauna e aos seres humanos, naturalmente.
O aproveitamento do potencial hídrico envolve uma enorme gama de questões que devem ser tratadas pelo seguinte prisma: energia é essencial, é fator fundamental tanto para a sobrevivência do homem quanto para o funcionamento da economia. O desenvolvimento econômico é, no fundo, um processo termodinâmico, não adianta ter ilusões a esse respeito. As sociedades têm de capturar a energia que está dispersa no seu ambiente e depois dissipá-la na produção de bens e serviços. Os homens escolheram a forma que preferiram viver e isso foi há mais de 150 mil anos…
Quando vejo essas manifestações de saudade da vida na caverna, imagino que, no fundo, elas se destinam a esconder algumas verdades que são parte da vida atual de todas as sociedades habitadas pelos manifestantes: parece haver uma dificuldade em reconhecer a presença de tantas coisas boas em suas vidas, de tal sorte que muitos que exigem o retorno à Idade da Pedra reivindicam ao mesmo tempo a manutenção de seus BMWs nas garagens anexas.
Nem os mais bem-intencionados ambientalistas (que são a maioria, reconheço), ou os mais empolgados e menos sérios, admitem que possam viver sem beneficiar-se dos recursos modernos que dão acesso às novas tecnologias. As aldeias indígenas, no perímetro alcançado pelas obras de Belo Monte, e os habitantes do enorme município de Altamira e sua vizinhança são as que mais reivindicam participar do empreendimento que sabem vai melhorar a qualidade de suas vidas e a renda das famílias.
Ao contrário de muitos urbanoides, os verdadeiros caciques indígenas do Pará são bastante informados sobre os resultados dos empreendimentos anteriores (que puderam visitar ou lhes foram mostrados), começando pelo Projeto Carajás, desde os anos 80 do século XX até a expansão da hidrelétrica de Tucuruí- e a construção das eclusas no Rio Tocantins. Trabalhei na estruturação do financiamento externo daqueles projetos e já naquela ocasião as exigências de preservação ambiental eram extremamente severas. Os recursos do Banco Mundial só foram liberados depois de atendidas todas as exigências.
Hoje, nenhum desses investimentos em hidrelétricas, instalações, portos, ferrovias, rodovias e eclusas é aprovado sem levar em conta medidas de segurança máxima. O problema ambiental sobrepõe-se muitas vezes à questão dos custos.
Tendo defendido praticamente durante toda a minha vida profissional a consolidação de uma matriz energética limpa e confiável, graças à utilização do nosso potencial hídrico, senti-me estimulado a citar aqui as linhas finais do excelente artigo de autoria do senhor Marcelo Corrêa, diretor-presidente da NeoEnergia (empresa que comanda o emblemático empreendimento que se inicia no Rio Xingu), publicado na edição de 22 de junho no Valor Econômico: “Belo Monte, assim como as novas usinas em construção, dentre as quais Teles Pires, de 1.820 MW, no Mato Grosso, e as de Jirau (3.450 MW) e Santo Antonio (3.150) no Rio Madeira, em Rondônia, representam um paradigma no modelo energético brasileiro, tanto pela utilização de novas tecnologias quanto na observância da rigorosa legislação ambiental e na execução das medidas antecipatórias e das condicionantes impostas pelas licenças ambientais. Obedecidos os critérios para a mitigação dos efeitos socioambientais, não há como se opor à implantação e à construção de hidrelétricas na Amazônia, obras que beneficiarão as populações das respectivas regiões e a toda a população brasileira, pois abrir mão desse potencial energético poderá significar abrir mão do desenvolvimento da região”.
Uma usina hidrelétrica (e não apenas na Amazônia, podia ser no Vale do Tennessee, nos EUA, ou na de Três Gargantas, na China), necessariamente modifica o ambiente físico. Na minha vivência de mais de meio século de acompanhamento do desenvolvimento energético brasileiro, aprendi que as mudanças são positivas sob todos os aspectos e isso diz respeito à flora, à fauna e aos seres humanos, naturalmente.
O aproveitamento do potencial hídrico envolve uma enorme gama de questões que devem ser tratadas pelo seguinte prisma: energia é essencial, é fator fundamental tanto para a sobrevivência do homem quanto para o funcionamento da economia. O desenvolvimento econômico é, no fundo, um processo termodinâmico, não adianta ter ilusões a esse respeito. As sociedades têm de capturar a energia que está dispersa no seu ambiente e depois dissipá-la na produção de bens e serviços. Os homens escolheram a forma que preferiram viver e isso foi há mais de 150 mil anos…
Quando vejo essas manifestações de saudade da vida na caverna, imagino que, no fundo, elas se destinam a esconder algumas verdades que são parte da vida atual de todas as sociedades habitadas pelos manifestantes: parece haver uma dificuldade em reconhecer a presença de tantas coisas boas em suas vidas, de tal sorte que muitos que exigem o retorno à Idade da Pedra reivindicam ao mesmo tempo a manutenção de seus BMWs nas garagens anexas.
Nem os mais bem-intencionados ambientalistas (que são a maioria, reconheço), ou os mais empolgados e menos sérios, admitem que possam viver sem beneficiar-se dos recursos modernos que dão acesso às novas tecnologias. As aldeias indígenas, no perímetro alcançado pelas obras de Belo Monte, e os habitantes do enorme município de Altamira e sua vizinhança são as que mais reivindicam participar do empreendimento que sabem vai melhorar a qualidade de suas vidas e a renda das famílias.
Ao contrário de muitos urbanoides, os verdadeiros caciques indígenas do Pará são bastante informados sobre os resultados dos empreendimentos anteriores (que puderam visitar ou lhes foram mostrados), começando pelo Projeto Carajás, desde os anos 80 do século XX até a expansão da hidrelétrica de Tucuruí- e a construção das eclusas no Rio Tocantins. Trabalhei na estruturação do financiamento externo daqueles projetos e já naquela ocasião as exigências de preservação ambiental eram extremamente severas. Os recursos do Banco Mundial só foram liberados depois de atendidas todas as exigências.
Hoje, nenhum desses investimentos em hidrelétricas, instalações, portos, ferrovias, rodovias e eclusas é aprovado sem levar em conta medidas de segurança máxima. O problema ambiental sobrepõe-se muitas vezes à questão dos custos.
Tendo defendido praticamente durante toda a minha vida profissional a consolidação de uma matriz energética limpa e confiável, graças à utilização do nosso potencial hídrico, senti-me estimulado a citar aqui as linhas finais do excelente artigo de autoria do senhor Marcelo Corrêa, diretor-presidente da NeoEnergia (empresa que comanda o emblemático empreendimento que se inicia no Rio Xingu), publicado na edição de 22 de junho no Valor Econômico: “Belo Monte, assim como as novas usinas em construção, dentre as quais Teles Pires, de 1.820 MW, no Mato Grosso, e as de Jirau (3.450 MW) e Santo Antonio (3.150) no Rio Madeira, em Rondônia, representam um paradigma no modelo energético brasileiro, tanto pela utilização de novas tecnologias quanto na observância da rigorosa legislação ambiental e na execução das medidas antecipatórias e das condicionantes impostas pelas licenças ambientais. Obedecidos os critérios para a mitigação dos efeitos socioambientais, não há como se opor à implantação e à construção de hidrelétricas na Amazônia, obras que beneficiarão as populações das respectivas regiões e a toda a população brasileira, pois abrir mão desse potencial energético poderá significar abrir mão do desenvolvimento da região”.
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