27 abril 2015

REDE GLOBO, 50 ANOS




Uma história pela metade

Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa






Os 50 anos da TV Globo foram lembrados ao longo da semana que passou e celebrados no domingo (26/4), com uma festa para centenas de funcionários no Rio de Janeiro. As inserções de um quadro especial no Jornal Nacional, comandado pelo apresentador e editor William Bonner, serviram para apresentar em doses diárias um resumo da história da emissora, com destaque para alguns episódios controversos em que foi protagonista.
Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto: “Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Quem estava lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa de aniversário.
No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a “falta de equilíbrio” daquela cobertura.
Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.
Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.
O socorro do BNDES
Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente, sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto, essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.
Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui) pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.
Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira que evitou sua falência no começo deste século.
Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.
Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.
Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco. Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida “sem recursos do BNDES ou de bancos estatais”.
O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui) e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.
Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.



ESFORÇO PARA NOS CONFUNDIR

A má informação


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Ilustra esta página a primeira capa deste ano, belo exemplo do jornalismo que CartaCapital pratica. Honesto, fiel à verdade factual, responsável, crente da melhor lida com o vernáculo. Naquela mesma ocasião, a mídia nativa dedicava seu verbo mais retumbante à chacina na redação do Charlie Hebdo e clamava contra mais um atentado contra a liberdade de imprensa e de expressão.
CartaCapital optou por outra visão das coisas da vida e escolheu o assunto que iria inquietar o País nos meses seguintes, dominar a cena política e criar problemas crescentes para o governo recém-empossado de Dilma Rousseff. A mídia, com as habituais exceções, preferiu banalizar a tragédia. Abandonou-se à correnteza, seguiu o exemplo do jornalismo mundial, conforme manda a tradição colonial. Com os resultados almejados: até brasileiros foram em espírito à la place, assim como hoje marcham de corpo presente pelas avenidas aos gritos deforadilma. 
A cretinização é fenômeno mundial e os comportamentos midiáticos contribuem notavelmente para tanto. O massacre cometido na redação do jornal satírico parisiense é crime hediondo. Ganha, porém, uma repercussão que outros fatos tão graves não têm, sem contar as interpretações rasteiras. Vale perguntar aos nossos botões, desde que saibamos ouvi-los, por que não vamos à praça ou à avenida, diante de outros crimes contra a humanidade, perpetrados ou não por grupos islamitas?
Não nos incomodamos, por exemplo, se 250 estudantes são sequestradas pelo Boko Haram e delas nada mais se sabe. Ou com a chacina de cristãos em pontos diversos do mapa africano. E perfeitamente indiferentes recebemos as notícias da espantosa situação dos fugitivos da miséria e da prepotência que atravessam o Mediterrâneo em busca de praias seguras, e que soçobram pelo caminho. Falam de milhares de mortos, entregues à sanha de organizações criminosas e tragados pelas ondas de rotas odisseicas. Vítimas da desigualdade social de um mundo cada vez mais injusto, com o beneplácito da aceitação passiva do neoliberalismo e do silêncio de quem teria condições de reagir.
A tragédia mediterrânea resulta, em primeiro lugar, dos erros seculares, da violência e da arrogância dos poderosos do Ocidente, a decidirem unilateralmente, a partir daqueles que veem como seus exclusivos interesses, os destinos da África e do Oriente Médio. E de todos aqueles que não sabem, ou não querem, ouvir seus botões. 
Aqui na nossa cena, o ataque midiático à razão mira, entre outros alvos, a situação da Petrobras, nossa estatal que Fernando Henrique Cardoso pretendia privatizar. Pois a inegável crise da companhia alegra jornalões e revistões. Os fatos falam claro, mas o primeiro objetivo é atingir o governo e o PT.  Entre os participantes da festa, ninguém, obviamente,  se digna avisar o público a respeito do efeito negativo da queda do preço do petróleo sobre os balanços de todas as companhias petrolíferas do mundo. Transparente, de todo modo, é outra manobra: a tentativa de agarrar pelos cabelos a fugidia oportunidade de reconduzir a Petrobras ao projeto do governo FHC. Não é por acaso que nas páginas da imprensa se aventa como inevitável a venda do pré-sal, a despeito do enérgico desmentido do presidente Bendine.
Certos comportamentos em outros tempos eram definidos como entreguistas. Nada de surpresas. Exemplo: nas mais altas esferas da Fiesp, órgão mais representativo da mentalidade da indústria brasileira, há quem defenda com olhos radiantes a substituição das empreiteiras brasileiras pelas chinesas.
O relato das efetivas condições da Petrobras está na reportagem de capa desta edição, para concluir que a situação é melhor, muito melhor, do que gostaria a mídia nativa.
 
 
 

CADA DIA MAIS UDENISTA

E que diria vovô Tancredo?

 
Maurício Dias, na Revista CartaCapital
 
 
Aécio Neves, hoje senador (PSDB-MG), não era nascido quando seu avô, Tancredo Neves, figura proeminente do velho e pacífico PSD mineiro, era fustigado implacavelmente no Congresso pelos agressivos integrantes da chamada Banda de Música da UDN. Essas agressões dos udenistas, como o tempo provou, faziam parte da tentativa de alcançar o poder a qualquer preço e, por fim, chegar à transgressão.
Transgressão: por insuficiência de votos os udenistas batiam às portas dos quartéis para incentivar os generais a interromper o processo democrático. Foram, por isso, chamados de vivandeiras. O tempo era outro. 
Tancredo era um político conservador. Nos momentos decisivos, no entanto, defendeu a democracia. Ficou ao lado dos derrotados e, portanto, dos princípios constitucionais e não com os golpistas que derrubaram Getúlio Vargas (1954) e João Goulart (1964).
Da primeira eleição disputada em 1982 até 2005, quando governava Minas Gerais, Aécio Neves seguia a tradição democrática do avô Tancredo, morto em 1985, há exatamente 30 anos.
Embora já fosse destacado integrante do PSDB, versão revista e piorada da UDN, Aécio não cerrou fileiras com os que tentaram derrubar Lula ou, na melhor das hipóteses, de evitar que o insolente metalúrgico disputasse a reeleição em 2006.
Por que teria abandonado agora as lições do avô e virar um ferrabrás? Aécio Neves tentou disputar a Presidência em 2010. Foi impedido pelo rolo compressor dos tucanos paulistas. Engoliu o sapo. Podia esperar outra oportunidade. O radicalismo verbal dele despontou no correr na disputa presidencial de 2014, na qual, embora derrotado, obteve expressiva votação surfando na crise econômica desenhada naquele ano e estabelecida em 2015.
Aécio perdeu. Não digeriu democraticamente essa derrota nas urnas, a exemplo de seus ancestrais políticos, que, após a derrota do brigadeiro Eduardo Gomes imposta por Getúlio em 1950, partiram para o tudo ou nada.
O reflexo disso parece ter provocado um retrocesso no DNA político de Aécio. Os discursos dele passaram a ter muita proximidade com as teorias e as práticas udenistas. Começou, então, a avaliar como “extremamente graves” todas as notícias contra o governo veiculadas na imprensa conservadora oposicionista. Como presidente do PSDB, encomendou ao advogado Miguel Reale Júnior um estudo sobre a possibilidade de sustentar juridicamente o pedido de impea-
chment da presidenta Dilma. Parece ter agido precipitadamente. Reale Júnior recusou. Recuou também o ex-presidente Fernando Henrique. Seguiram essa trilha os senadores José Serra e Aloysio Nunes Ferreira. Os tucanos paulistas tiraram a escada e deixaram o tucano mineiro com a brocha na mão.
Esses movimentos guardam muita intimidade com a disputa dentro do PSDB na perspectiva da eleição presidencial de 2018. Será difícil para Aécio manter o fôlego até lá, principalmente se houver um reaquecimento da economia. Além disso, terá de cavalgar no cavalo desenfreado das manifestações.
É possível pensar, desde já, que a chance de Aécio Neves disputar a Presidência aconteceu em 2014. Parece agora que para ele só resta arrombar a porta do Palácio do Planalto. Com o recurso de um pé de cabra. Ou seja, o impeachment.
 
 

24 abril 2015

O VIÉS NEGATIVO

A profecia que devora o profeta


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Jornalistas que foram demitidos da Folha de S. Paulo fazem circular uma carta do jornal, assinada pelo editor-executivo Sérgio Dávila, justificando os cortes ocorridos na semana passada. Como se sabe, o diário paulista vem reduzindo sua força de trabalho desde janeiro. O Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo considera que se trata de uma tática para evitar que se configure uma demissão em massa, caso em que as entidades sindicais precisam ser avisadas com no mínimo 30 dias de antecedência.
Na linguagem peculiar dos momentos de crise, o texto começa assim: “A Folha realizou nos últimos dias ajustes em sua equipe. A redução é efeito da crise econômica que afeta o país e atinge a publicidade”.
Esse é o ponto central a ser discutido neste espaço, mas há outras questões levantadas na mensagem que merecem atenção. Por exemplo, informa-se que equipes serão reagrupadas e outras mudanças deverão ser anunciadas. O executivo chama o adensamento de grupos editoriais menores em equipes maiores – caso de Ciência e Saúde, que se agrega ao caderno Cotidiano – de “mudanças morfológicas”.
O jornal promete que essas futuras movimentações “não envolverão novos ajustes” – expressão que ameniza a dureza das demissões. O objetivo, afirma, “é tornar o jornal mais eficiente para atender as demandas do leitor bem como otimizar o funcionamento da redação”.
O comunicado assegura que a Folha “continua líder em seu segmento, seja em circulação, audiência ou fatia publicitária, faz parte de uma empresa sem dívidas, que integra o segundo maior grupo de mídia do país, e preserva sua capacidade de investimentos editoriais”. Portanto, é de se concluir que se trata de dificuldades circunstanciais.
Na lógica do negócio, quem paga pela circunstância desfavorável é sempre o jornalista, não o executivo que errou na estratégia ou na gestão da empresa. No caso das empresas jornalísticas, pode-se afirmar que um dos elementos mais interessantes desse jogo é o fato de que a imprensa tradicional tem se dedicado, ano após ano, a convencer o leitor de que a economia brasileira está no caminho errado. Quando o anunciante, diante de tanto pessimismo, resolve poupar seu dinheiro, cumpre-se a profecia.
O viés negativo
Há sempre mais de uma maneira de dar uma notícia, como se diz na velha anedota sobre o gato que subiu no telhado. Por exemplo, se o leitor procurar o mesmo assunto em duas fontes distintas, poderá encontrar duas versões diferentes do mesmo fato, apesar da grande homogeneidade que se observa nos principais veículos de comunicação do Brasil. No caso do noticiário econômico, predomina um viés negativo, mas mesmo nesse contexto pode-se fazer interpretações variadas.
Vejamos, seletivamente, como os principais diários de circulação nacional abordam nas edições de sexta-feira (24/4) um mesmo assunto: o índice de emprego. O Globo coloca o tema no rodapé da notícia sobre o projeto de terceirização, com o seguinte subtítulo: “País volta a gerar empregos formais”. O Estado de S. Paulo traz reportagem de tamanho médio, na parte inferior de uma página onde o destaque é também a terceirização. Diz o título: “Economia brasileira cria 19 mil vagas de emprego em março”.
Observe-se, agora, como a Folha de S. Paulo trata os mesmos indicadores. No alto da página, com dois infográficos que mostram a queda da oferta de empregos no trimestre e a recuperação ocorrida no mês de março, o leitor se depara com o título: “Emprego formal tem pior 1º trimestre desde 2002”.
Em termos de comparação, leia-se que o especialista Valor Econômico publica o seguinte título: “Mesmo com março melhor, emprego é negativo no 1º trimestre” – e a reportagem, mais equilibrada, registra uma diversidade maior de interpretações de analistas e autoridades.
Não se está aqui a dizer que a imprensa deve sempre procurar o lado mais otimista dos acontecimentos, porque uma de suas funções é manter a sociedade alerta tanto para oportunidades como para riscos ao seu bem-estar. O que, sim, se pode conjecturar, é que tem razão o ministro do Trabalho, citado nas reportagens, quando afirma que o discurso de que o país está em crise, repetido desde a campanha eleitoral do ano passado, afeta a criação de empregos.
Se o leitor tiver acesso aos três diários de circulação nacional, mais o Valor Econômico, vai entender o seguinte: a oferta de empregos caiu no terceiro trimestre mas se recuperou em março; os contratos para grandes obras estão sendo retomados, o que pode conter os cortes na construção civil; a publicação do balanço da Petrobras é vista pelo mercado com otimismo; o setor de serviços segue em pleno crescimento.
Nas redações, as profecias catastrofistas devoram os profetas.
 
 
 

21 abril 2015

CARA DE PAU

O jabuti de Cunha


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Após botar grande parte do bloco do “baixo clero” da Câmara sob seu sovaco, o deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa, ao sabor do duvidoso objetivo de resgatar a independência do Legislativo, virou vedete da direita escrita, falada, televisada e, assim, estabeleceu como prioridade a velocidade e não a qualidade dos resultados aprovados em plenário.
Não há partido que não se curve aos desígnios dele, até porque, justiça se faça, poucos conhecem como Cunha os labirintos e os mistérios regimentais. Em compensação, depois de três mandatos, a Câmara conhece bem os vícios do atual presidente. Antes de alcançar a presidência era costume dele enxertar nas Medidas Provisórias emendas sem vínculo com o teor das mesmas. Agora, para se resguardar, usa seus sequazes.
Quinta-feira 9, a partir de um bate-boca iniciado às 15h22 em torno da MP 661/2014, relatada pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), escudeiro de Cunha. O qual subjugou aos parlamentares do governo e da oposição para manter o enxerto na MP, que, entre outras causas estranhas, transforma em desastre natural um incêndio no Shopping Nova América, no Rio de Janeiro, domicílio eleitoral de Cunha. Abaixo o diálogo.
Silvio Costa (PSC-PE) - Sr. presidente, uma questão de ordem.
Eduardo Cunha - Qual o artigo?
Costa - Eu vou ler. Tenho cinco minutos.
Cunha - Não tem não. Se não disser o artigo, não tem um minuto.
Costa - É baseada no artigo 95.
Cunha - Não há questão de ordem no artigo 95.
Costa - Eu quero alertar o plenário para uma indecência. O deputado Leonardo Quintão está autorizando o BNDES a conceder 50 milhões de reais para um shopping. Desde quando incêndio é desastre natural? É um jabuti, dos maiores que já vi aqui.
Cunha - Não há questão de ordem. O parecer já foi votado e aprovado na admissibilidade e no mérito.
Esperidião Amin (PP-SC) - É muito triste dar como fato consumado algo tão gritantemente casuístico e descabido.
Costa - Isso é uma imoralidade.
Mendonça Filho (DEM-PE) - Ao longo da minha vida pública, eu nunca vi se aprovar uma lei em que conste um artigo ou um parágrafo que obriga a concessão de empréstimo a uma empresa especificada no diploma legal. Isso é uma coisa que desmoraliza o Parlamento, depõe contra nós. Situação constrangedora.
Roberto Freire (PPS-PE) - Sr. presidente, apenas para...
Cunha - Sou obrigado a conduzir a sessão dentro daquilo que está no regimento.
Costa - Presidente, artigo 96, é uma reclamação.
Cunha - Não existe isso.
Costa - Eu quero fazer a reclamação.
Cunha - Não cabe neste momento.
Costa - Cabe.
Cunha - Não cabe.
Costa - Eu quero fazer!
Cunha - Não cabe.
Depois desse desfecho, sem ter conseguido ser ouvido ao longo do bate-boca, o deputado Roberto Freire dizia nos corredores da Câmara: “Ele é um cara de pau”.
 
 

NA CONTRAMÃO DAS DEMOCRACIAS MADURAS

A reforma política


Marcos Coimbra, na Revista CartaCapital



Enquanto dedicam a maior parte de seu tempo a agravar os problemas nacionais, as oposições, vez por outra, apresentam ideias a respeito da reforma política que em sua avaliação precisaríamos fazer.
Não que se empenhem muito na oferta de sugestões. Para elas, não haveria grande incômodo em manter intocadas as regras de funcionamento de nosso sistema político, desde que consigam assegurar, do modo possível, a eliminação do PT da vida nacional.
Para as oposições políticas, sociais e midiáticas, um único artigo bastaria na lei nascida de uma reforma política: aquele que decretasse o fim do PT e o banimento de suas lideranças. Com isso, tudo voltaria a ser como sempre foi: os de sempre a mandar e os de sempre a obedecer.
É, portanto, com pouco entusiasmo e muita insinceridade que as lideranças e os intelectuais oposicionistas oferecem sua contribuição à discussão da reforma política. Comportam-se de maneira oposta àquela de há alguns anos, quando a ela se dedicaram com afinco por vê-la como fonte de embaraços para o PT.
Hoje é o Partido dos Trabalhadores que quer falar de reforma política, pois precisa deixar claro que as dificuldades atravessadas neste momento decorrem das próprias regras do jogo e não de o partido havê-las unilateralmente deturpado. Propor sua mudança é afirmar a aceitação da crítica por não tê-las alterado, desde que todas as correntes políticas admitam que suas práticas também se pautaram por elas. Em vez de fazer como agora, quando fingem que o problema do sistema político brasileiro está no PT e suas “anomalias”.
Ou alguém com um pouco de inteligência acredita que os “vícios” do PT são exclusivos de seus integrantes, enquanto as oposições são formadas por santinhos?
As principais figuras oposicionistas têm, no entanto, algo a sugerir na hora de falar em reforma política. Nunca a respeito das questões centrais, entre elas o sistema partidário ou o financiamento de campanhas. Dizem querer “aperfeiçoar” o sistema eleitoral, como se nele estivessem raízes relevantes dos impasses atuais. Por razões não muito claras, a oposição escolheu o voto distrital como pedra angular da reforma política. De uns anos para cá, os próceres tucanos e os representantes do novo conservadorismo no Congresso lutam por sua adoção no Brasil.
Como em várias outras questões, essa bandeira, em sua versão contemporânea, foi primeiro içada pelo Instituto Millenium, lugar por excelência de formulação do pensamento da direita no Brasil. Integrado por empresários, banqueiros, alguns intelectuais e muita gente da “mídia”, de donos de veículos a jornalistas, o instituto tem mobilizado, desde 2011, seus muito significativos recursos em campanha pela mudança de nosso sistema eleitoral.
Em razão dessas movimentações, existem hoje manifestações “espontâneas” na sociedade em favor do voto distrital. Abaixo-assinados correram na internet e nas redes sociais, alcançando números expressivos. Nos protestos de rua, veem-se cartazes alusivos. Ninguém admite a existência de uma ação concertada, ainda que tudo sugira haver.
Pode ser simples ignorância, pois é um equívoco acreditar que o voto distrital representaria algum avanço entre nós. Ao contrário, seria um grave retrocesso.
A proposta de adotar o voto distrital no Brasil tem sido reapresentada justo quando, nas democracias maduras, caminha-se na direção inversa. A ideia de que o voto majoritário deve prevalecer nas eleições legislativas perde espaço nos países onde o sistema é tradicional.
O voto proporcional é muito mais favorável à representação das correntes minoritárias, à expressão ideológica e ao fortalecimento dos partidos políticos. Por meio dele, elegem-se parlamentares com plataformas menos paroquiais, com propostas que vão além da defesa dos interesses da localidade onde reside o eleitor.
No fundo, talvez seja contra isso que os defensores do voto distrital se insurgem. Parecem preferir um Legislativo pouco ideológico, com partidos fracos, deputados com orientação localista e onde os pontos de vista das minorias estejam sub-representados.
Não apoiar o voto distrital não significa dizer que não seja possível corrigir alguns problemas do nosso modelo de voto proporcional.
 
 

SINAL SINISTRO

De Mussolini a Eduardo Cunha


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Ao cabo de uma longa temporada de governos ditos de esquerda qual fosse pecado irreparável, a inextinguível direitona nativa terá de admitir que se precipitou na definição caso seja sacramentado o enterro da CLT, cerimônia esta de óbvia qualidade reacionária. Como sabemos, o debate parlamentar a respeito do assunto está em andamento e ainda há espaço para um veto presidencial, invocado em primeiro lugar por Lula.
A história das nossas leis trabalhistas tem seu lado paradoxal. De fato, é bastante peculiar. Getúlio Vargas, ao criar a legislação social brasileira, recorreu à Carta del Lavoroencomendada por Mussolini ao jurista Alfredo Rocco, competente do ponto de vista técnico, além de disponível para qualquer empreitada. Certo é que o código fascista representava, pasmem à vontade, um avanço notável para o Brasil do fim dos anos 30 e começos dos 40. Exemplo, apenas: naquele tempo, empresas de São Paulo usavam máquinas adequadas à altura de meninos de 12 anos e ao braço negro juntavam o branco, do emigrante.
Getúlio, figura imponente da história, capaz de um projeto pioneiro de Brasil, não deixou de se tornar ditador por largo período e de cultivar o chamado peleguismo, assim como Mussolini transformou os sindicatos italianos, de grandes tradições, em corporações sujeitas aos seus desígnios.

Houve figuras respeitáveis mesmo na quadra dominada pelo peleguismo, herdeiros do anarquismo que deflagrou as greves paulistanas nas duas primeiras décadas do século passado, até a deportação de 400 anarquistas por Altino Arantes. Sem condições, os herdeiros, de mudar o rumo que convinha aos donos do poder.
Decisivo, para pôr fim ao peleguismo, o papel de Lula quando presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Negociador hábil, certamente, disposto à composição, mas também ao confronto, se fosse o caso, como se deu nas greves de 1978, 79 e 80. O pico de maior tensão em abril daquele último ano, quando Lula foi preso e enquadrado na chamada, ignóbil, Lei de Segurança Nacional. Melhor, de segurança da casa-grande. Aquele período de três anos precipita no País um sindicalismo contemporâneo e forma futuros eleitores do Partido dos Trabalhadores. E representa a mais eficaz resistência à ditadura civil-militar.
É fácil entender como e por que o projeto da terceirização do trabalho fira profundamente o ex-presidente do Sindicato de São Bernardo e Diadema, e do Brasil todo, diante de quem o deputado Eduardo Cunha se posta como o vilão na encruzilhada deste momento espantoso e insano a caminho do caos. E tanto mais se o enterro da CLT se der em uma situação de impotência de um governo tido de esquerda até ontem, ou anteontem. Por muitos, entre os quais não figuro há bom tempo.

Ser de direita ou de esquerda seria opinável hoje em dia, na crença de que os contornos das ideologias esmaeceram, ou se apagaram de vez. Na qualidade de crente da igualdade, creio que o governo de Lula foi francamente de esquerda ao implementar suas políticas de inclusão social. A caducar a CLT, fenece o impulso que fez brotar o PT, a partir das arengas de Lula do palanque da Vila Euclydes. Recordo que até a Time se comoveu então e dedicou a Lula uma página, em reconhecimento da liderança nascente.
Desolador até os limites extremos é que daquele enredo exaltante, a gerar 22 anos após o governo do próprio líder do movimento, surja hoje quem possa chancelar o fim da CLT velha de guerra. Assim como é sinal sinistro desta fase da nossa história o poder de um Eduardo Cunha (na esteira, Renan Calheiros) a decidir os destinos de todos nós.
 
 

OS PÓLIPOS DA IMPRENSA

A poeira sob o tapete


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Os jornais do fim de semana registram uma mudança na estratégia do governo contra o movimento de partidos oposicionistas, apoiados pela mídia tradicional, que ensaiam um processo de impeachment da presidente da República. No sábado (18/4), ganhou espaço nas primeiras páginas o discurso unificado do Planalto contra a nova incursão do PSDB, que trocou a tentativa de incluir a presidente no centro do caso Petrobras pela tese de que o artifício usado no ano passado para fechar as contas do Tesouro seria uma causa para seu afastamento.
Os petistas respondem que, se a prática de recorrer a bancos públicos para cobrir responsabilidades do Tesouro é ilegal, o Tribunal de Contas da União deve investigar todos os governos que recorreram a ela, para se estabelecer uma jurisprudência sólida. Esse raciocínio colocaria sob investigação as contas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, e poderia levantar de sob os tapetes uma poeira capaz de tapar a luz do sol por muitos dias.
A atitude do ex-presidente, que no domingo (19/4) considerou precipitado o movimento pelo impeachment, parece respaldada por nobres princípios republicanos, mas também pode ser inspirada pelo velho e bom instinto de conservação. Não é uma ironia o fato de que sua declaração tenha sido feita durante o maior festival de vaidades do calendário de homens de negócio e políticos brasileiros: o encontro anual de celebridades na Ilha de Comandatuba (BA).
Muito à vontade entre os emplumados egos em território baiano, Fernando Henrique também exibiu seu espírito republicano ao rejeitar a outra frente do movimento conspiratório de alguns de seus correligionários: o propósito de “extinguir” o Partido dos Trabalhadores.
Apesar de testemunhas terem diagnosticado, na voz e na postura do ex-presidente, o efeito devastador da idade, ele demonstrou ainda ter energia para a polêmica: afinal, se o grupo liderado pelo senador Aécio Neves seguir empurrando a agenda alucinada do terceiro turno eleitoral, é a biografia de FHC que poderá sofrer danos colaterais. E a biografia, como se sabe, é o último bastião no ocaso dos homens públicos.
Os pólipos da imprensa
Mas o noticiário tem muito mais: naufrágio de migrantes no Mediterrâneo, cena que se repete periodicamente, a denunciar o cinismo desumano dos velhos colonizadores; as semifinais regionais de campeonatos de futebol; denúncias requentadas e mais uma chacina em São Paulo – esse modelo de resolução de conflitos que iguala a capital paulista a territórios conflagrados do Oriente Médio e do norte da África, sob o olhar complacente, quando não ativo, das autoridades policiais.
A denúncia que surgiu na Folha de S. Paulo no sábado (18), dando conta de que o governo paulista paga R$ 70 mil reais a um blogueiro para fazer campanha contra o governo federal, ganhou repercussão no Estado de S. Paulo no dia seguinte, mas o assunto morreu imediatamente. Aparentemente, os jornais consideram o caso encerrado com a alegação de que o blogueiro é terceirizado por uma agência de propaganda. E não se fala mais nisso.
No campo das revistas semanais, que, como demonstram os números da última década, sofrem o maior impacto das tecnologias digitais, chama atenção o novo estilo de Época. Não nos referimos ao seu perfil esquálido, resultado da rigorosa dieta de anúncios que afeta o setor, mas à linguagem mais leve e a um aparente esforço para buscar um público mais jovem e arejado, contrapondo-se à escolha de Veja, que prioriza leitores envelhecidos de todas a idades.
Restam poucas alternativas aos executivos chamados para dar algum alento aos meios tradicionais de imprensa. Na capa de Época, dois títulos dão ideia da janela que tenta abrir o novo diretor de redação, um jornalista experiente que é também musicista e escritor de talento reconhecido.
Um deles diz: “Gasparzinho – a incrível história da sociedade entre um líder do PMDB e um defunto”.
O outro anuncia: “Scooby-Doo – o PSDB finalmente começa a latir. Mas será que ele morde?”
A revista Época parece ganhar um pouco de oxigênio, apesar de ainda manter em suas páginas um ou outro foco de um jornalismo raivoso, essa espécie de pólipo que na última década tem proliferado nos intestinos da imprensa brasileira.
Sua vantagem sobre a concorrência é pertencer ao maior grupo empresarial de comunicação do país. Seu risco é a possibilidade de que bons textos já não sejam suficientes para reverter a decadência da imprensa brasileira.