28 junho 2014

CARA DE PAU

Cinismo da mídia faz gol de placa na
Copa


Do Portal LN
Por Michel Arbache
O Jornal Nacional (1) de quinta-feira (26/06/2014) destacou a má-vontade da mídia internacional em relação a Copa 2014 no Brasil nos dias que antecederam o início do campeonato da FIFA. Na matéria, o apresentador William Bonner diz: "os jornais estrangeiros eram especialmente ácidos nas críticas". A matéria que segue no JN faz o telespectador desavisado ficar com um misto de ironia e revolta em relação a má vontade da mídia estrangeira que desdenhou da capacidade do Brasil de organizar grandes eventos, como a Copa do Mundo. 
O que o Jornal Nacional (e quase toda a mídia brasileira além da Globo, como SBT, Band, Abril, Folha, Estadão etc) "esquece" de dizer é que a imprensa internacional se baseou exatamente na imprensa brasileira para emitir a impressão catastrófica sobre a Copa do Mundo no Brasil. Tal sentimento de derrotismo (ou vira-latice, como diria Nelson Rodrigues) contagiou celebridades nacionais como Ney Matogrosso (que desdenhou o Brasil e a Copa numa TV portuguesa) (2) e Paulo Coelho, que, após usar seu prestígio internacional como lobby para trazer a Copa ao Brasil, escreveu um artigo (3) dizendo-se arrependido e prevendo que a Copa no Brasil seria uma vexame para o país. Sem contar o gol contra de Ronaldo "Fenômeno", escalado para ajudar a organizar a Copa, dizendo-se "envergonhado" com a Copa; ou do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), prevendo em 2013 que a Copa no Brasil traria prejuízos irrecuperáveis ao país (4); e finalmente o ponta-de-lança do jornalismo da Globo, Arnaldo Jabor, prevendo que a "Copa vai revelar ao mundo a nossa incompetência". (5)
Ante todo esse cinismo da mídia brasileira, o escritor Ruy Castro, sem papas na língua, não poupou críticas ao que classificou como "espírito de porco". No programa 'Redação SportTV' (Globo), Ruy lembrou que a "má vontade" da mídia internacional em relação a Copa no Brasil (antes desta começar) era absolutamente normal, pois espelhava o que saía na imprensa do Brasil. Aliás, o próprio programa 'Redação SportTV' fez galhofa com a organização da Copa do Mundo cinco meses antes do início desta. (6)
Fontes:
1- Jornal Nacional do dia 26/06/2014 ironiza imprensa internacional.
 
2- Ney Matogrosso detona o Brasil e a Copa em TV portuguesa.
 
3- "Copa será um desastre" - Premonição do mago da ABL, Paulo Coelho.
 
4-"Copa no Brasil trará legado de prejuízos ao país" - Álvaro Dias.
 
5- "A Copa vai revelar ao mundo a nossa incompetência" - Arnaldo Jabor, da Globo.
 
6- "Imprensa brasileira teve espírito de porco antes da Copa" - Ruy Castro.
 
(Extraído do jornal GGN)
 
 

VALOR CORRETO, SITUAÇÃO ERRADA

O DIREITO FUNDAMENTAL DE JOSÉ GENOINO

Ao negar prisão domiciliar a Genoíno, Supremo usou valor correto em situação errada


 Paulo Moreira Leite, em seu blogue
 
A decisão do Supremo Tribunal Federal de negar a prisão domiciliar a José Genoíno merece uma nova reflexão.
 Ao negar o pedido, o relator Luiz Roberto Barroso afirmou: “Sou solidario a ele. É um sujeito hipertenso, que está em condições adversas do cárcere. Mas ele não está em circunstancias mais graves ou menos piores do que os outros.”
 
Em apoio ao relator, o decano Celso de Mello lembrou que segundo informações da Vara deExecuções Penais do Distrito Federal, cumprem pena 306 hipertensos, 16 cardiopatas, 10 condenados com câncer, 56 com diabetes e 65 com Aids. Nada justifica o tratamento diferenciado".
A discussão colocada por dois dos mais respeitados e cultos integrante da Corte tem grande relevância. Argumentou-se que, em nome da igualdade de tratamento, seria errado atender ao pedido de José Genoíno. Gostaria de debater o argumento da igualdade.
 Vivemos num país onde a igualdade entre todos os cidadãos se afirma como um valor essencial da democracia e da Constituição. É bom que seja assim. É um caminho para vencer nossa desigualdade estrutural, matriz de grande parte dos problemas brasileiros.
 A Constituição reconhece, também, que os indivíduos têm direitos fundamentais. Um deles é o direito à vida e a à integridade.
 Não é porque ocorrem milhares de assassinatos, todos os dias, que uma pessoa não tenha o direito de cobrar proteção do Estado no momento em que lhe apontam um revólver.  
Da mesma forma, não é porque nossos hospitais publicos se apresentem, muitas vezes, numa situaçao global de calamidade que o cidadão comum não tenha o direito de exigir uma atendimento decente.
E é porque entende que esses direitos fundamentais à vida devem ser respeitados que o judiciário, muitas vezes, obriga o Estado a arcar  a com despesas de tratamentos médicos caríssimos, que nem a rede pública nem  os planos privados – mesmo caríssimos – têm disposição para pagar.
A simples permissão para a venda de planos privados de saúde -- cujos custos são deduzidos do imposto de renda, representando uma forma de subsídio -- é uma forma de reconhecer esse direito fundamental à vida. 
O direito a vida se desdobra, em nossa Constituição, no artigo 6, que diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.
Você já viu aonde quero chegar e é isso mesmo.
O fato de mais de 400 prisioneiros sob guarda do sistema prisional do Distrito Federal padecerem de doenças graves, sendo tratados internamente, nas condições que todos podem imaginar, em nada diminui o direito fundamental de Genoíno a que se assegure o melhor para sua saúde. Não há como negar que o melhor para ele é fazer o tratamento em casa.
Mesmo porque, como lembrou o procurador Rodrigo Janot, na Papuda não existe plantão noturno nem nos finais de semana -- e até uma criança sabe que problemas cardíacos não ocorrem com hora marcada. Se o estresse ajuda a agradar a condição de um cardiopta, é fácil imaginar qual ambiente mais estressante.  
Essa situação em nada diminuia, também, a necessidade do Supremo dar resposta a este caso específico,  que lhe coube analisar na sessão de quarta-feira passada. Embora se posssa considerar possível e até necessário que o STF debatesse, naquela mesma tarde, mesmo em véspera de seu recesso, formas de avaliar o atendimento aos demais 400 presos, todos com os mesmos direitos de Genoíno, havia uma questão específica a ser tratada ali.
Entre todos os adoentados da Papuda, era o único sentenciado pelo STF, o que confere um elemento particular de responsabilidade aos juizes encarregados de julgar se deveria ser mantido na prisão ou se poderia tratar-se em casa. Os outros adoentados da Papuda não são ouvidos no STF. 
 Ao contrário do que se disse durante a maior parte do julgamento, muitos ministros sublinharam a versão de que o pedido de Genoíno se baseava em laudos de médicos particulares, onde se definia sua condição de paciente “grave,” enquanto um documento oficial, de uma junta médica formada por decisão de Joaquim Barbosa, negava essa condição.
Coube a Ricardo Lewandovski, num momento em que a votação já havia ocorrido, lembrar que o Instituto Médico Legal – o único autorizado a atestar a causa da morte de uma pessoa – definiu a cardiopatia de Genoíno como “grave.” O mesmo faz a versão completa da junta médica da Câmara, assinada pelos doutores do Poder Legislativo.
 Ao levantar o argumento da igualdade, empregou-se um valor correto numa situação errada.
 Se tivesse acolhido o pedido, o  STF teria, inclusive, aberto um precedente para que outros casos, de outros prisioneiros, menos iguais do que o ex-deputado, ex-presidente do PT e político de prestígio, recebessem mais atenção. O caso de Genoíno teria servido, assim, para melhorar atendimento a saúde dos prisioneiros, da Papuda e de fora dali. Ao recusar o pedido, a mensagem é oposta. Todos os 306 presos hipertensos, 16 cardiopatas, 10 condenados com câncer, 56 com diabetes e 65 com Aids serão mantidos na situação em que se encontram.
De qual valor estamos falando, mesmo?
Estamos falando de direitos humanos – outro nome de direitos fundamentais.  
Num artigo de 1987, quando os brasileiros começavam a recuperar direitos democráticos, o governador Franco Montoro promoveu, em São Paulo, uma política de defesa de direitos humanos junto a polícia estadual, a PM e a Polícia Civil, num esforço para proibir a sobrevivência de práticas ilegais e vergonhosas. Nem se falava, na época, da necessidade de que tivessem um atendimento médico decente. O debate sobre condições de vida no cárcere era visto como coisa de intelectual da USP. A questão, na época, era tolerar ou proibir a tortura.
Analisando o surgimento de um conservadorismo extremista que se insurgia contra todo esforço para garantir os direitos fundamentais de pessoas encarceradas, o sociologo Antonio Flavio Pierucci escreveu num artigo memorável (“As bases da Nova Direita”) publicado na revista Estudos Ceprab:
“Querer vê-los tendo arrepios é pronunciar as palavras direitos humanos.   ‘O que o senhor ou a senhora acha dos direitos humanos? É uma política com a qual a senhora concorda?” Diante de uma pergunta dessas, eles e elas se inflamam, se enfurecem. É interessante – e decepcionante – que a associação primeira do sintagma direitos humanos seja com a ideia de “mordomia para presos.’
 Entrevistando uma advogada no bairro da Mooca, 40 anos, Pierucci ouviu o seguinte argumento:
  “O pior de tudo é que houve uma inversão de valores. O bandido, hoje em dia, é endeusado, embora seja um assassino, estuprador, seja o diabo. Então ele precisa tomar o banhozinho de sol. A comida não está boa? Precisa de champagne francesa. Quer dizer: ele efetivamente não está sendo punido. Ele está vivendo às nossas custas.”
 
   

REFORMA PRIORITÁRIA

A democratização da mídia, a mãe de todas as reformas


Emir Sader, na Agência Carta Maior



A maior disputa política na sociedade brasileira se dá no processo de formação da opinião pública. Atualmente se dá entre o governo e a mídia privada – assumida como partido político da oposição.

O Brasil retomou a democracia política no final da ditadura e passa por um processo de profunda democratização social desde o começo do governo Lula. Mas esse processo não chegou aos meios de comunicação, que seguem controlados pelos mesmos grupos monopolistas da época da ditadura. E não haverá democracia no Brasil enquanto não houver democratização dos meios de comunicação, enquanto não houver um processo democrático e pluralista de formação da opinião publica.

Não houvesse essa ação anti-democratica da mídia privada, a disputa eleitoral teria um desenlace abertamente favorável ao governo, de tal forma as realizações dos três mandatos do PT superam amplamente as dos governos tucanos. Mas as pessoas decidem pela opinião que se formam e a mídia influencia, pelo menos a amplos setores da classe média.

O Brasil tem que quebrar a hegemonia do capital financeiro no plano econômico, baixando muito as taxas de juros, ao invés de aumentá-las, o que atrai o capital especulativo e freia o crescimento econômico. Para isso precisa, também, estabelecer a taxação da livre circulação do capital financeiro.

É fundamental fortalecer a autossuficiência alimentar e a pequena e media propriedade no campo, que é quem produz alimentos pro mercado interno e gera empregos. 

A reforma política é condição de que as representações politica não sejam determinadas  diretamente pelo poder do dinheiro. 

Porém, nenhum desses objetivos poderá ser conseguido se não se conseguir conquistar mentes e corações das pessoas, se não se democratizar os meios de comunicação, para que todos os pontos de vista tenham espaços de maneira equilibrada.

Por exemplo, no debate sobre financiamento público de campanha, já sabemos, por colunistas da velha mídia, que vai tratar de desvirtuar o debate com a interpelação: vocês querem que o tem imposto financie a campanha dos políticos e dos partidos? 

Por isso a democratização dos meios de comunicação é a mãe de todas as reformas, porque só através dela é possível alterar a luta das ideias, convencer a maioria da sociedade de que é preciso democratizar radicalmente a nossa sociedade, superando a preponderância do poder do dinheiro, existente hoje. O governo tem um substancial apoio popular, especialmente por suas politicas sociais. Mas para que se consiga hegemonia é indispensável construí-la através do convencimento, da persuasão, da consciência das pessoas, o que só se consegue mediante espaços democratização de informação e de debate.


O LIXO CATASTROFISTA

O Brasil que não rende manchete


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O Brasil que dá certo é o título de um livro do contabilista e administrador de empresas Stephen Charles Kanitz, cuja primeira edição saiu em 1994, e também uma frase que inspira muitas iniciativas editoriais e eventos sobre economia, desenvolvimento e responsabilidade social empresarial. É também a mais recente iniciativa da Folha de S.Paulo, que publica nesta semana caderno especiais, patrocinados, com reportagens sobre histórias de sucesso nos negócios.
Na edição de quinta-feira (26/6), o tema é a região Sudeste. Ao longo da semana, desde segunda-feira, o jornal já produziu perfis da região Centro-Oeste (23/6), do Nordeste (24/6), e da região Norte (25/6). Além do governo federal, que contribuiu com meia página apenas na edição que inaugurou a série, a iniciativa é bancada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela empreiteira Camargo Corrêa.
Não se trata, portanto, de um produto capaz de encher os cofres do jornal, mas também não deve dar prejuízo, principalmente porque é realizado a baixo custo por jornalistasfreelancers e articulistas não remunerados. Esse tipo de iniciativa tem sido explorado à exaustão pela mídia impressa, e funciona como fonte de recursos valiosos para fazer frente ao volumoso custo das redações. No entanto, também representa um ponto crítico a ser administrado com cautela, porque em geral traz conteúdos de interesse exclusivo de algum setor da economia, de governantes ou de grupos específicos de empresas.
Nas redações, o núcleo encarregado de produzir essa fonte de receita pode ser malvisto pelos profissionais que só se dedicam ao chamado jornalismo “puro e duro”. Para funcionar bem, esse tipo de suplemento precisa assegurar que a pauta tenha potencial para atrair anunciantes, o que costuma gerar tensões quanto à suposta independência do jornalismo.
No Estado de S. Paulo, um ex-editor de Economia coordena as publicações desse tipo, e sua principal função é evitar que o interesse das agências que negociam a inserção de anúncios nesses cadernos híbridos contamine o núcleo editorial. A grande vantagem é que esse editor não precisa fazer plantões de fim de semana e feriados.
O lixo catastrofista
Com isso, pode-se dizer que não há exatamente uma novidade na série que a Folha de S.Paulo batizou de “O Brasil que dá certo”. A não ser o fato de que, ao ler cuidadosamente seu conteúdo, o leitor pode chegar à conclusão de que os editores do jornal paulista entraram em surto esquizofrênico agudo.
Pois não é que o jornal que se considera o mais crítico do Brasil, aquele para quem supostamente não há “vacas sagradas”, anda produzindo textos megaelogiosos sobre o estado da economia nacional?
Vejamos, por exemplo, o primeiro caderno da série, que traz um perfil da situação econômica do Centro-Oeste: ali se pode ler que a soja e o algodão impulsionaram o parque agroindustrial de Mato Grosso, fazendo com que o estado tivesse uma alta de 73% em seu Produto Interno Bruto nos últimos dez anos. Além disso, há textos sobre negócios de sucesso no setor de franquias e uma reportagem sobre a transformação de um antigo polo de pirataria em novo centro de indústrias regulares de confecção, que geram nada menos do que 17 mil empregos formais.
Na edição seguinte, sobre o Nordeste, o destaque vai para os R$ 37,4 bilhões investidos em dez parques de energia eólica, que devem gerar 125 mil empregos e contribuir para tornar ainda mais limpa a matriz energética do Brasil. O mapa que acompanha a reportagem principal mostra um surpreendente processo de transformação da economia regional, que deixou de ser uma fonte de emigrantes pobres para se tornar um polo atrativo de trabalhadores qualificados.
Na edição de quinta-feira (26/6), o caderno especial da Folha fala da força e da capacidade inovadora da indústria instalada em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde se encontra a melhor qualidade de vida do país e onde podem ser constatados números surpreendentes, como os 724% de crescimento do PIB no município fluminense de Porto Real.
Com toda certeza, o caderno de sexta-feira (27/6), sobre a região Sul, vai trazer belos indicadores sobre a pujança da economia no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Então, o leitor e a leitora atentos poderá se perguntar: se o Brasil que dá certo naqueles cadernos especiais é o Brasil inteiro, de onde os jornais tiram o lixo catastrofista com que entopem os olhos do leitor nas primeiras páginas todo santo dia?
 
 
 

TRAIÇÃO ANUNCIADA, TRAIÇÃO CONSUMADA

A presidenta traída



Maurício Dias, na Revista CartaCapital




Traição anunciada, traição consumada. O ex-governador Sérgio Cabral e o ex-vice dele Luiz Fernando Pezão, este em busca de um mandato completo de quatro anos, tornaram difícil, talvez impossível, as viagens de Dilma Rousseff ao Rio de Janeiro, para fazer campanha eleitoral em palanque armado pelo PMDB, partido com o qual o PT tem instável aliança nacional.
Nos últimos dias, Cabral e Pezão selaram desconcertantes acordos políticos com o PSDB, o PPS e o DEM no plano estadual. Esse grupo inspira o uso daquele velho jogo de palavras. É um trio partidário capaz... de tudo. Têm, agora, a missão de carrear votos para Pezão e também para o presidenciável tucano Aécio Neves. Um reforço inesperado para a oposição no terceiro maior colégio eleitoral do País com um contingente de 12 milhões de eleitores.
Para o PMDB, o racha resulta da rebelião local do PT. Após sete anos e três meses a serviço dos peemedebistas, por imposição da direção nacional, os petistas fluminenses decidiram lançar candidato próprio ao governo estadual. Lindbergh Farias, um ex-cara-pintada que emergiu da eleição de 2010 com histórica votação para o Senado. Foram 4,2 milhões de votos. Mais de um terço do total do estado.
Com a força dessa votação e apoio do ex-presidente Lula, lançou-se como pré-candidato ao governo do estado. Dilma e o PT estão diante de um caso clássico de traição. Há rompimentos em outros estados. No Rio, entretanto, há rastro de traição. Tem um gosto mais amargo. Além de substancial ajuda material do governo federal, a relação política era alimentada por juras públicas de amor sincero e lealdade política.  Sérgio Cabral não digeriu o sapo. Tentou bloquear a candidatura de Lindbergh. Fracassou quando foi chorar no ombro da presidenta. Ele mesmo divulgou a resposta dela: “Isso é coisa do Lula”.
Lula, de fato, tem um projeto de dominar politicamente o Sudeste, onde está quase 50% do total de eleitores brasileiros. Isso faz parte de uma virada no discurso dele. Ficou visível na recente convenção do PT, onde ele apareceu com uma camisa branca com a sigla “PT” sob o blazer preto desabotoado. Franca exibição. Desta vez, o ex-presidente temperou a necessidade de alcançar o objetivo nacional, a reeleição de Dilma, com ênfase na eleição de governadores, senadores e deputados petistas.  Sérgio Cabral pagou com a mesma moeda a resposta que ouviu de Dilma. Mas a moeda dele tinha cara e coroa. Refundida virou um punhal.

A arma branca estava preparada desde que emergiu um movimento chamado “Aezão” (Aécio mais Pezão), aparentemente comandado por Jorge Picciani, milionário político interiorano, presidente do PMDB fluminense e extremamente ligado a Cabral.  Diante dos afagos de Cabral e Pezão, a reação, naquele momento, parecia uma ovelha desgarrada do rebanho.
Logo após o momento em que as pesquisas começaram a indicar uma possibilidade de Dilma não ganhar no primeiro turno, armou-se a cena final de violação do acordo. Ou seja, a traição. Cabral e Pezão não são movidos pelas razões que levaram Brutus e Cássio a apunhalar César. Cabe, porém, lembrar Marco Antônio: segundo Shakespeare, diante do corpo sangrado  do cônsul abatido  aos pés da estátua de Pompeu, diz: “A ambição torna as pessoas duras e sem compaixão”.
Ambição, seu nome é política.
 
 

26 junho 2014

COMEMORAR COM MODERAÇÃO

DERROTA DE UMA VERGONHA

Vitória de Dirceu deve ser comemorada mas derrota de Genoíno mostra que não é preciso exagerar nos festejos

 
 
Paulo Moreira Leite, em seu blogue

 
   Deve-se comorar a  votação de 9 a 1 que garantiu a José Dirceu o direito de trabalhar fora da Papuda. Quem ainda não perdeu a capacidade de reconhecer o valor da liberdade e a importância da Justiça, deve sentir-se um pouco mais feliz desde ontem. Respire: há  oxigênio no ar.
    Não se deve exagerar nos festejos, porém. Basta recordar a derrota de José Genoíno em seu pedido de prisão domiciliar para compreender isso. 
    Ontem, o STF garantiu o acesso de Dirceu – e de outros presos em situação semelhante – a uma jurisprudência firmada há quinze anos pelo Judiciário brasileiro. Tem garoto que poderá votar em outubro e era um bebê de colo e mamadeira quando isso já funcionava.
    Os ministros não definiram uma nova garantia, nem esclareceram uma dúvida. Nada inventaram. Nada descobriram. Corrigiram uma situação vergonhosa, que estava diante do nariz do país inteiro desde 15 de novembro, quando um avião da Polícia Federal levou os prisioneiros para Brasília.
    Troféu da AP 470, Dirceu ficou trancafiado na Papuda por sete meses  quando tinha, desde o primeiro dia, direito a regime semi-aberto, definido no momento em que sua sentença transitou em julgado. Esse direito até foi confirmado em fevereiro, mais tarde,  quando o STF concluiu que não havia provas para sustentar a condenação por quadrilha. E mesmo assim Dirceu só teve o direito assegurado ontem. Deve começar a trabalhar na segunda-feira. 
     Terá tranquilidade quando sair à rua? Irá enfrentar repórteres hostis, cidadãos insuflados, a turma do VTNC? Vamos ver. A prisão injusta, o desrespeito aos direitos de um cidadão não constiituem fatos isolados. Criam  intolerâncias, estimulam posturas inadequadas e mesmo violentas. A historiadora Lynn Hunt explica que o espírito democrático e o respeito dos direitos humanos são uma invenção belíssima do seculo XVIII. Mas  só funciona em sociedades onde homens e mulheres são ensinados a respeitar os direitos do outro, a sentir empatia – que é diferente de concordância – por eles.
     Ministro do governo Lula, um dos principais arquitetos do Partido dos Trabalhadores, adversário da ditadura desde os tempos de estudante da PUC paulista,  Dirceu passou sete meses na condição de perseguido político.
     Como foi demonstrado por Ricardo Lewandowski, e admitido de viva voz pelo presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, Dirceu fez parte da lista de réus que teve a pena agravada artificialmente e assim foi  trancafiado, como um pária, um marginal, um criminoso que representa perigo para a sociedade. Condenado  por chefiar uma ex-quadrilha,  foi o alvo principal das grandes aberrações do julgamento. Também era a motivação maior para denúncias que seriam risíveis, se não fossem trágicas, de contar com privilégios e regalias na cadeia.   
      Ao longo da AP 470, Dirceu foi o protagonista do teatro do mensalão sem que se pudesse demonstrar – juridicamente – seu papel no enredo. A teoria do domínio do fato entrou na denúncia para que pudesse ser condenado. O fatiamento da denúncia serviu para que a acusação pudesse ligar Dirceu a cada um dos réus.  O desmembramento não podia ser aceito porque iria permitir a Dirceu ser julgado de acordo com a Constituição: como um réu comum, sem privilégios que, usados de forma perversa, permitiram que fosse condenado sem recurso. (Quando não foi impedido de recorrer, ganhou).
     Ao recusar o direito de José Genoíno cumprir sua pena sob regime domiciliar, o STF tomou uma decisão política. Poucos ministros, ao longo do processo, deixaram de  pronunciar palavras bonitas para homenagear Genoíno – o que ajuda a lembrar que a Justiça não precisa de sentimentalismo, nem de frases grandioloquentes, mas de firmeza em relação a princípios e direitos.  
    Num processo de corrupção, o sobrado onde Genoíno mora com a família, comprado a prestações na Caixa Economica, é a contra-prova de uma existência dedicada à luta honesta por suas convicções. A tentativa de criminalizar empréstimos tomados pelo PT, que ele assinou na condição de presidente da legenda, ficou desmoralizada quando a própria Polícia Federal provou que eram empréstimos autênticos, que sairam do banco para pagar despesas do partido.
     Se foi absurdo condenar Genoíno, em 2012, a maioria formada para negar seu pedido de prisão domiciliar, ontem, não faz bem ao STF. Mostrou que, mesmo ausente do plenário, a caminho da aposentadoria, Joaquim Barbosa e aquilo que  representa -- o apoio incondicional dos  meios de comunicação -- tem seu lugar no tribunal. 
     Os sucessivos laudos assinados depois que Genoíno foi preso mostram que os médicos estão divididos e, sem pretender apostar na avaliação de X, Y ou Z, a prudência e o espírito de Justiça recomendam que, em dúvida, decide-se a favor do réu. Juizes tomam partido num debate médico?
     Confesso que é natural ouvir juizes falarem de legislação e jurisprudência. Explicarem a constituição, a lei ordinária. Mesmo assim, não é fácil. 
     O próprio barroquismo da linguagem da maioria dos atestados mostra o tamanho da dúvida dos próprios doutores.
     Os médicos da Câmara de Deputados produziram dois laudos. Um resumido, ótimo para ser lido na TV, desfavorável a Genoíno. Outro, completo, com ponderações que favoreciam o regime domicilar. Até  a primeira junta médica montada por Joaquim Barbosa, para responder ao  médico particular que examinou  o prisoneiro após sua chegada a Papuda,  também fez diversas ressalvas.
     Arte e ciencia da vida de todos nós, a medicina não costuma ficar melhor quando é atingida por pressões políticas – como recordam estudiosos do ciclo militar, quando doutores eram convocados para assinar falsos atestados de óbito e até para examinar as condições de um prisioneiro depois da tortura.
      Não. Estamos muito longe disso. O país vive outro tempo.
      Mas cabe uma lição. Neste regime democrático construído pela luta de homens e mulheres  -- como Dirceu e Genoíno – também é preciso manter os princípios, defender direitos e entender que nenhuma conquista está assegurada por antecipação e nenhuma vitória é para sempre.