13 abril 2011

EDIÇÃO N. 38

O QUÊ HÁ PARA LER


A tragédia no Rio de Janeiro, numa escola no bairro do Realengo, continua viva na nossa
memória, com o sensacionalismo que a nossa mídia "informativa" tanto gosta. Mas,
apresentamos dois artigos com olhares diferentes, para que possamos ir além do acon-
tecido:

Quando escrever dói, de Sulamita Esteliam
Tiros em Realengo: perguntas, mortos e feridos, de Washington Araújo

Paulo Nogueira Batista Jr., economista renomado, analisa as medidas do governo federal
que foram tomadas com o intuito de conter a desvalorização do dólar ante a nossa moeda:
A queda do dólar

A (f)utilidade das sanções, de Celso Amorim, temos o histórico das sanções contra diversos
países, já propostas pela ONU ou OEA,  com suas doses de hipocrisia e futilidade.

Falando em hipocrisia, Beto Almeida (jornalista que integra a Junta Diretiva da Telesur),
direto de Teerã, nos fala sobre a utilização da energia nuclear sob o ponto de vista dos 
países que ainda não detêm tal tecnologia: Energia nuclear para todos.

Mudanças a toque de caixa, de Soraya Aggege, nos conta sobre o andamento da reforma
política em gestação no congresso nacional. Dá pra acreditar que as mudanças propostas
farão efeito positivo no cenário político brasileiro?

Água doce, água para consumo humano, está se tornando, ou melhor, é um bem escasso.
Bilhões de pessoas, no mundo, já têm dificuldades em ter água em condições de uso.
Dal Marcondes, jornalista especializado em sustentabilidade, nos fala das perspectivas
sombrias para as principais cidades brasileiras no que concerne ao consumo desse 
líquido precioso: Os custos econômicos e sociais do desperdício.  




               H U M O R 


por NANI

















       

Dilma volta da China sem o sim para o Brasil na ONU

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Dilma volta da China sem o sim para o Brasil na ONU

TRAGÉDIA EM REALENGO

Estou por demais mexida para escrever com propriedade. Mas a palavra, escrita ou falada, tem sido a minha vida. Não posso fugir à minha sina. Ademais, traçar linhas, mal ou bem, baixa a pressão da alma, alivia o espírito. Assim como cantar e dançar espanta os males, afugenta o cramunhão da amargura, da tristeza que sufoca e anestesia.

Só que hoje, 7 de abril de 2011 – Dia Nacional dos Jornalistas, os amigos que me perdoem – é impossível cantar ou dançar, muito menos comemorar. Resta-me escrever.

A notícia da chacina na escola de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, me chegou em meio ao café da manhã; e ao último telejornal matutino. Eu, que mal ligo a TV – desde que acompanhar o noticiário deixou de ser obrigação profissional -, passei o dia agarrada ao sofá, zapeando as principais emissoras. Olhos e ouvidos incrédulos, atentos, derramados.

Chorei o dia inteiro.

Não há limite para a natureza humana quando ela se aproxima da animalidade.

Sou cada uma das mães e dos pais, irmãs e irmãos, avós e avôs, tias e tios, amigos que se salvaram, de cada uma das crianças vitimadas.

Tenho filha ainda adolescente. Tenho um casal de netos e mais uma sobrinha, todos na faixa de idade, e no período escolar, das crianças-adolescentes escolhidas pelas balas certeiras do desespero. Na cabeça, no tórax e no abdômen. Inconsciente!?

Doze “brasileirinhos”, que tiveram a vida abreviada, como bem lembrou a presidenta Dilma, que também é mãe e avó. E que, por isso, chorou.

Meninas em sua absoluta maioria: dez. Maioria também dentre as dezenas de feridos, dos quais onze permanecem internados, quatro dos quais em estado grave. É o que diz o noticiário da noite.

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Por que meninas-alvos-preferenciais!? O algoz não pode mais responder. Suicidou-se, ao que consta. Barrado em sua regência macabra – por um soldado, destemido ou solidário, que lhe atirou nas pernas. Buscou o beneplácito da morte.

O sargento Alves, travestido em herói, e mais dois colegas foram trazidos por crianças feridas, mas corajosas e determinadas. Instadas pela professora, abençoada, fugiram. Escaparam à fúria assassina. Pediram socorro a uma guarnição militar, em trabalho na redondeza.

Do contrário, Wellington Menezes de Oliveira, um jovem de 23-24 anos, ex-aluno da escola, reservado e sem antecedentes criminais, teria levado outras dezenas de vidas com ele. Tinha munição para muito mais terror.

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Por que alguém invade um escola para matar inocentes? O que o motiva?

Wellington planejou, se armou, treinou, se abasteceu. Esperou o momento certo. Sabia que não seria barrado na confraternização dos 40 anos da escola. Antes de matar, destruiu as provas da premeditação. E escreveu uma carta-testamento. Nela, prevê a própria morte, dá instrução para o funeral; e pede que “os puros” orem para que ele renasça no perdão de Deus.

Louco, obsecado ou reprimido em surto psicótico? Como lidar com isso?

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Chacinas ocorrem no Brasil todos os dias. Nossas metrópoles, de há muito, vivem em guerra civil. Crianças e jovens morrem, cotidianamente, esmagados pela violência urbana. Flagelo de séculos de desigualdade, agregada ao flagelo do tráfico e das drogas, que avançam rumo ao interior e levam nosso futuro. Sempre os mesmos: a maior parte meninos, pobres e negros.

Há ocorrências de rixas entre alunos, de agressões e, até, morte de professores – como aconteceu numa faculdade de Belo Horizonte, em dezembro último. Nada que se compare ao que ocorreu na Escola Municipal Tasso da Silveira.

Massacres no território sagrado da escola, lugar de comunhão de ideias e troca de experiências, de construção de universos próprios e coletivos, são comuns nos Estados Unidos, de cultura armamentista. Em alguns países da Europa e, recentemente, na Ásia, também se registram casos.

No Brasil, que em plebiscito nacional recusou o desarmamento da população, é a primeira vez. Entramos de vez no labirinto da estupidez e da barbárie?



* Sulamita Esteliam é jornalista e escritoraa. Autora dos livros Estação Ferrugem, romance-reportagem que resgata a história da região operária de Belo Horizonte-Contagem, Vozes, 1998; Em Nome da Filha – A História de Mônica e Gercina, sobre violência contra mulher em Pernambuco; e o infantil Para que Serve Um Irmão, os dois últimos ainda inéditos. http://www.atalmineira.wordpress.com //sulamitaesteliam@hotmail.com


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Tiros em Realengo: perguntas, mortos e
feridos




Washington Araújo
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa




Manhã do dia 7 de abril de 2011, uma quinta-feira como outra qualquer na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Zona Oeste do Rio. Passos apressados levam Wellington Menezes de Oliveira, um ex-aluno de 24 anos, a entrar por volta das 8h20m na sala de aula nº 4 do 2º andar dizendo que vai fazer uma palestra. Coloca a bolsa em cima da mesa da professora, saca dois revólveres e dá início a um massacre em escola sem precedentes na História do Brasil. Nos minutos seguintes, a atrocidade deixa 12 adolescentes mortos e 12 feridos.

As 96 palavras que escrevi no parágrafo acima fazem uso de 444 caracteres sem espaço para contar que foram assassinados 12 jovens em Realengo e feridos 190 milhões de brasileiros. O resto da história ficará estampado nos telejornais e nos programas de auditório da televisão. Continuará pendurado nos portais noticiosos e também nos blogues da internet. E será recitado por apresentadores e comentaristas de rádio do Brasil.

Saímos da tragédia para investir com armamento pesado na repercussão. Em um primeiro momento a corrida pela emoção nublava de vez qualquer iniciativa de investigação jornalística. Não importa sabermos que a “objetividade” deve ser perseguida a todo custo, em casos como o de Realengo a própria objetividade se encontra presa de pesares e aflições indizíveis. Havia 10 caminhos a percorrer:

1. Testemunhos dos alunos sobreviventes;

2. Testemunhos do policial militar que cumpriu a missão de sua vida: interromper o massacre matando o autor;

3. Testemunho passivo das câmeras de vigilância da Escola colocadas no corredor do 2º andar;

4. Testemunhos dos pais e parentes das jovens vítimas e também das que se encontram em tratamento intensivo nos hospitais cariocas e testemunhos da professora e de outros funcionários da Escola Municipal Tasso da Silveira;

5. Carta do assassino: sinais de distúrbio mental, sociopatia, fundamentalismo religioso, provável vítima de bullying, angústia sexual;

6. Visita exploratória à casa do assassino: tudo destruído, computador quebrado e destruído por fogo e depoimentos de familiares, vizinhos e conhecidos do alucinado Wellington Menezes de Oliveira;

7. Depoimentos de psicólogos sobre como tratar os sobreviventes da chacina e familiares das vítimas;

8. Depoimentos de defensores da tese do Desarmamento Total com convocação de novo plebiscito;

9. Depoimentos da presidenta Dilma Rousseff, do governador Sergio Cabral e do prefeito Eduardo Paes e decretação de luto oficial por três dias no país, no estado e na cidade do Rio de Janeiro;

10. Homenagens às vítimas nos campos de futebol (minuto de silêncio antes do início de vários jogos pelo Campeonato Brasileiro de Futebol; camisas de jogadores trazendo o nome de cada criança assassinada; balões brancos carregando seus nomes e cobrindo as torcidas; Bono Vox do U2 em show no Morumbi, em São Paulo, pedindo desarmamento e telão passando os nomes das 12 vítimas).

Todos sabem que a diferença entre o veneno e o remédio está na dose com que é ministrado. Observamos uma espécie de campeonato midiático-macabro a reportar o ocorrido em Realengo: cada veículo de comunicação desejava explorar algo ainda não explorado, mostrar todas as cores de sua indignação. É por isso que o Jornal Nacional (Globo) avisou logo: “Trazemos hoje uma edição especial”. Especial porque Fátima Bernardes fez dobradinha com o marido-apresentador do JN William Bonner diretamente da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo. É fato que, em menos de 24 horas, a tragédia de Realengo ganhou verbete na Wikipédia e já no começo da tarde da sexta-feira, 8, no Twitter, as hashtags #realengo e #tragedianorio lideravam a lista de trending topics do Brasil.

Pequenas testemunhas
As principais protagonistas da tragédia foram as crianças (pré-jovens?) sobreviventes. Elas foram “obrigadas” a contar uma a uma o que viram e o que sentiram e também o que pretendiam fazer no futuro. O (ab)uso dessas pequenas vítimas, sempre de forma tão intensa e tão desrespeitosa para com a dor que deviam estar sentindo era de estraçalhar o coração de qualquer um. Quase todos os repórteres pareciam abdicar, logo de partida, qualquer sentimento de sincera solidariedade pelo trauma que ainda estavam vivendo. Seus olhos eram nervosos, as lágrimas que tinham eram logo contidas por uma nova pergunta. Eu me perguntava: “Meu Deus, será que não existe nada no tão celebrado ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que possa proteger as crianças vítimas de violência da sanha predatória de nossa imprensa?” Ainda posso tentar lembrar o tipo de inquirição que elas, uma a uma, tinham que passar:

** A tia mandou que a gente corresse.

** O que eu fiz? Eu corri para ele não me matar antes. Corri, fiz só isso: corri para me salvar.

** O que você sentiu quando o assassino olhou para você?

** Ele me disse: fique quieto gordinho que você não vai morrer.

** Então vi minha amiga Laryssa com um tiro na testa e outro no peito.

** Saí correndo e vi uma menina caída na escada, ainda ajudei um pouco e depois corri.

** Se quero voltar à escola? Não, não quero mais. Se só não quero mais estudar nesta escola? Sim, nesta não.

* Ele me olhou com a cara assim como se estivesse rindo e começou a disparar. Meu amigo foi o primeiro que caiu.

* O que senti naquele momento?

Continuo pensando que os profissionais de imprensa, principalmente os que trabalham para emissoras de tevê, deveriam fazer algum curso para saber se portar com um mínimo de decência, um pouco que fosse de humanidade em uma situação como essa da escola em Realengo. Não preciso fazer cinco anos de faculdade de psicologia para compreender que situação tendo um franco atirador em sala de aula é mais que suficiente para gerar trauma profundo. E sei que ser induzido a desabafar suas emoções ao vivo e em cores, para todo o Brasil, em um, dois ou três diferentes telejornais certamente não faz parte de nenhum curso de primeiros socorros psicológicos para vítimas testemunhais de pesada violência.

Queremos apelar? Vamos lá, então. Se fosse a escola onde estudassem os filhos dos editores, dos apresentadores de telejornais, dos donos de revistas, das repórteres mais reconhecidas por seu talento e profissionalismo... será que seus filhos seriam obrigados a passar por todo aquele batalhão com agendas claramente inquisitoriais? Sei que a resposta é não. Não faltaria quem lhes dissesse algo como: “Não, minha filha não vai dar entrevista coisa nenhuma. Nem vem que não tem. O que ela precisa agora é de descanso, uma viagem, esquecer tudo isso e não lembrar tudo isso!”

E que ninguém tenha dúvida: seriam imediatamente atendidos.

 
Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


(Matérias transcritas do site http://www.cartamaior.com.br/)

 




 

DEBATE ABERTO

Energia nuclear para todos


(Direto de Teerã)




Chegamos ao Aeroporto Internacional Khomeini, em Teerã, às 2 horas da madrugada, após 17 horas e meia de vôo e vimos nos monitores de tv a informação sobre o Dia Internacional da Energia Nuclear, que havia motivado o pronunciamento do presidente Mahmoud Ahmadinejad reafirmando a determinação do Irã de alcançar o pleno uso desta modalidade de energia para uso civil. Como sabemos, esta determinação vem causando controvérsia internacional e já levou as grandes potências atômicas, puxadas pelos EUA, a aprovarem sanções contra o Irã na ONU, revelando, uma vez mais, sua robusta hipocrisia e suas regras de dupla moral, cujo sentido claro é impedir que outras nações emergentes também dominem este fator que representa enorme salto tecnológico e produtivo.

Lembrei-me, imediatamente, da polêmica internacional em torno do tema, envolvendo também o Brasil e a Turquia, que patrocinaram um acordo tripartite com o Irã, que fará um ano em junho próximo. Acordo que o Conselho de Segurança da ONU optou por não construir. A posição assumida pelo Brasil e Turquia revelaram o potencial de diálogo que pode ser aplicado em soluções controvérsias, enquanto a ONU inclinou-se, uma vez mais, pela ruptura, a truculência, a via do porrete, do castigo.

Teerã tem aproximadamente 9 milhões de habitantes, é a décima maior cidade do mundo e nela está instalada o principal da economia iraniana, que inclui uma indústria nacional de automóveis, caminhões, motocicletas, aviação, medicamentos, com expressivo desenvolvimento da tecnologia nacional, sobretudo, a partir de uma situação imposta pela guerra Irã-Iraque, com este último país apoiado pelos EUA. O Irã deu um salto produtivo e tecnológico. Hoje fabrica seus próprios submarinos, tem um programa nuclear avançado e prepara-se para lançar, no próximo ano, seu primeiro cosmonauta ao espaço. A média de idade dos cientistas iranianos é de 30 anos. A Revolução Islâmica tem 32 anos e durante este período foram realizadas 30 eleições diretas para os vários níveis de representação do país.

Enquanto Teerã ia surgindo diante de nossos olhos como uma cidade pujante, moderna, bem cuidada, sem favelas, servida de metrô, linhas de ônibus de tecnologia chinesa e movidos a gás, pensava no discurso feito pelo presidente Ahmadinejad perante a Assembléia Geral da ONU, quando ele levou à entidade a proposta de que assumisse, sem mais, sem dupla moral, sem mais hipocrisia em favor das nações super-armadas contra as desarmadas uma linha política clara e equilibrada: “Energia Nuclear para Todos!, Armas Nucleares para Ninguém!”.

Este foi o nosso primeiro contato direto com a Nação e o povo iraniano. Visitamos ainda dois museus organizadíssimos, repletos de jovens e de turistas de vários países. Um deles onde morava o Xá Reza Pahlevi, que dominou o Irã por décadas, sendo colocado no poder por um golpe de estado patrocinado pela Cia e pela Inglaterra, a cujos interesses serviu com odiosa repressão aos movimentos sociais, trabalhadores e intelectuais. E a quem entregou as riquezas nacionais, sobretudo o petróleo. O povo nunca tivera acesso antes a este conjunto de Palácios, agora um museu público, aberto pela Revolução Islâmica de 1979 à visitação de todos.

Também pudemos ter um emocionante contato com um balé popular, bailarinos de regiões desérticas, comunicando sua humanidade, seu vigor, sua arte agregadora e comovente, para um público que lotava os jardins da Casa dos Artistas Iranianos, instituição estatal que promove a diversificada e multifacética expressão artísticas deste povo de cultura milenar. Povo que hoje caminha com suas próprias pernas por uma linha de desenvolvimento soberano e independente, razão das ameaças que sofre das grandes potências acostumadas a imporem submissão e vassalagem. Os iranianos têm cultura e valor próprios para rejeitarem formas de neocolonialismo e para assumir, com galhardia e nobreza, o seu próprio destino histórico.



(*)Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)

P O L Í T I C A

Mudanças a toque de caixa


No debate da reforma política, há interesses difusos. Mesmo com algum amadurecimento democrático, as mudanças eleitorais continuarão a chegar de fora, no caso, do judiciário. Por Soraya Aggege



No debate da reforma política, há interesses difusos em jogo. Mesmo com algum amadurecimento democrático, as mudanças eleitorais continuarão a chegar de fora, no caso, do judiciário.

Na rabeira de sucessivos escândalos de corrupção, da impunidade e do desencanto popular, a Comissão Especial do Senado acelerou a largada da reforma política. Está aberto ao público um complexo cardápio de debates que envolverão o Congresso pelo menos até setembro. Ficaram acertadas mudanças como a estatização completa das campanhas eleitorais, o voto em lista, o fim da reeleição, a ampliação dos mandatos de quatro para cinco anos. Agora essas decisões devem ser transformadas em projetos de lei e emendas constitucionais e ainda passarão por debates e votações no Senado e na Câmara. Será uma extenuante jornada. Até para os pobres ouvidos dos eleitores mais desinteressados. Mas tudo isso valerá mesmo a pena? A reforma vai barrar a corrupção, os balcões de negócios, o caixa 2, o clientelismo, o fisiologismo? Vai ampliar a participação popular na política?

Há um único consenso: como está não pode mais ficar. É preciso reduzir a esperteza e o oportunismo, apregoam até os nobres políticos. Porém, não existe, no mundo, um modelo perfeito de sistema político que o Brasil pudesse simplesmente adotar. As propostas (as encaminhadas ou não pela comissão), geralmente muito técnicas, têm prós e contras. Todas. Nem na literatura da ciência política há consenso sobre as fórmulas, explicam os estudiosos. Com isso, as peças com os interesses próprios de cada partido e de cada político poderão dominar o grande tabuleiro, sem dar lugar para as pedras do jogo que talvez façam mais sentido para a maioria dos brasileiros. É preciso tomar cuidado.

Até agora, não está na pauta nenhuma fórmula capaz de fechar o balcão de negócios da política nacional. Sequer de ampliar as fiscalizações, e, principalmente, as punições à corrupção. Nada disso. O que há são projetos polêmicos, que poderão custar caro e talvez não garantam esses objetos do desejo de boa parte do eleitorado brasileiro.

A unanimidade do PT, do Palácio do Planalto, e até do DEM, é o financiamento público das campanhas atrelado ao voto em lista. Tem como alvo o combate à corrupção eleitoral e suas derivadas. Em tese, o novo sistema acabaria com a relação promíscua, já que as campanhas seriam exclusivamente patrocinadas pela verba dos impostos. Não se veriam mais notícias de grandes doadores de campanha ganhando caríssimas licitações suspeitas. Grupos de grandes pagadores não dominariam mais as ações dos executivos e legislativos. Será?

No mínimo, seria inusitado: o Brasil como o único país do mundo a estatizar completamente suas eleições, frisa o cientista político Jairo Nicolau, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), considerado uma das autoridades nacionais sobre modelos políticos e que tem dado consultorias sobre a reforma. Não só pelo ineditismo, mas a proposta do financiamento público é uma “temeridade”, avalia.

Nicolau defende o atual sistema de co-patrocínio público das campanhas com mudanças profundas: colocar-se-ia fim nas contribuições eleitorais de pessoas jurídicas e um teto para as doações das pessoas físicas. “Acho uma temeridade o financiamento total das campanhas, porque todo o sistema de representação será estatizado e não há nenhuma capacidade de fiscalização desses recursos. Como está hoje, no sistema misto, os TREs já não dão conta da fiscalização. Você vai aos TREs e vê os papéis acumulados, sem fiscalização básica. E não há garantia alguma do fim do caixa 2. Se o dinheiro for suficiente, os partidos o gastarão todo e se não for, buscarão fora, obvio”, avalia.

A estimativa é de que seriam gastos pelo menos mais R$ 1 bilhão a cada dois anos eleitorais, o dobro do atual (R$ 850 milhões em desconto de impostos para rádios e TVs e mais R$ 200 milhões do Fundo Partidário em 2010). O cientista propõe que a reforma poderia até ampliar patrocínios públicos, mas lançar um novo sistema de fiscalização e dar um aperto nas punições: “É incrível, mas o caixa 2 não é punido. Nunca foi. Por isso, quando são flagrados, os políticos dizem: `é dinheiro de campanha`. E não são presos. Fica tudo por isso mesmo”, lembra.

Em suas andanças pelos partidos e pelo Congresso, Nicolau conta que tem ouvido um mesmo mantra: é preciso mudar as regras, porque há muitos defeitos, há descontentamento popular, as técnicas são complexas etc. Mas não há quase entendimento sobre as formas. “Posso dizer que eles têm uma convergência no diagnóstico da doença e uma divergência nas terapias”.

A necessidade de uma mudança na política brasileira, a partir de ações do legislativo, é comprovada por um estudo do cientista político Vitor Marchetti, da UFABC (Universidade Federal do ABC). Desde 2002, as mudanças mais profundas do sistema político brasileiro estão acontecendo à margem dos seus principais envolvidos: eleitores e políticos. “O inusitado da política brasileira é que a reforma vem sendo feita pelo Judiciário. Como ela parte de um ator externo, acaba sendo revertida pela correlação de forças do Congresso. Mas que legitimidade pode ter sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral para mudar as regras? Por isso assistimos o parlamento mudar as decisões, muitas vezes pelos interesses próprios”, avalia Marchetti.

Não foram poucas as mudanças promovidas pelo Judiciário: verticalização das coligações, redução do número de vereadores, cláusula de barreira, fidelidade partidária, pertencimento ao mandato parlamentar e, por fim, a Lei da Ficha Limpa. Muitas foram mudadas no Congresso, segundo o interesse das legendas, como o aumento do número de vereadores. Mesmo sendo um projeto de iniciativa popular, que reuniu 1,5 milhão de assinaturas, aprovado depois no Congresso, Marchetti explica que o nascedouro da Ficha Limpa foi o próprio poder judiciário. “Ele nasceu no TRE do Rio de Janeiro, com o caso do Eurico Miranda (sua candidatura foi barrada em 2006). Depois virou bandeira popular. O próprio Joaquim Roriz (DF) renunciou por causa da Ficha Limpa, pois os seus efeitos já eram produzidos”, afirma.

Na análise do cientista, forjado nas pesquisas acerca das mudanças políticas brasileiras, há uma cortina de fumaça em torno da reforma em curso no Congresso. “Da maneira como o debate está colocado, não vingará em ações de mudanças reais. Tudo está sendo aprovado à toque de caixa na Comissão do Senado. É como se novas regras fossem fazer transformações mágicas”, avalia Marchetti. Na prática, com eleições abertas apenas desde 1994, o Brasil está longe de conseguir implantar um sistema mais adequado às suas diferenças sociais, geográficas, culturais.

Não há solução pronta, há interesses difusos em jogo e mesmo depois dos longos debates desta reforma – possivelmente com algum amadurecimento democrático -, as mudanças continuarão a chegar de fora, no caso, do judiciário não eleito popularmente. “Dificilmente teremos tão cedo uma ampla reforma política feita pelo parlamento. Deve ser mantida a sensação de que as regras têm que vir de fora, alimentando o ciclo vicioso de que um parlamento ineficiente depende de ação externa. Por isso, em vez de muitas mudanças, teremos mais benefícios em estabilizar regras que funcionem, sem brechas para a intervenção externa”, aconselha Marchetti.


Foto: José Cruz/Agência Brasil



(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)

MEIO AMBIENTE

Os custos econômicos e sociais do desperdício


Em quatro anos, mais da metade das cidades brasileiras terão problemas sérios de abastecimento de água. Por Dal Marcondes. Foto: Olga Vlahou



Quando a colônia brasileira começou a ser ocupada em 1500, e os europeus começaram a fundar cidades, pequenas fontes de água bastavam para abastecer uns poucos cidadãos e animais. Ficar perto de grandes rios não era parte dos planos de José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. O Colégio dos Jesuí-tas fincou pé num outeiro, lugar apropriado para se defender dos possíveis ataques de índios, mas com muito pouca água. Contudo, dessa vila nasceu São Paulo, metrópole de quase 20 milhões de habitantes que precisam de cerca de 80 litros de água tratada por pessoa, ao dia, para suas necessidades domésticas. Um volume que já não consegue mais ser atendido pelos mananciais próximos, que, pelos critérios da ONU, têm sete vezes menos a capacidade necessária à população que atendem. É preciso ir buscar o líquido cada vez mais longe e tratar águas cada vez mais poluídas, a fim de torná-las próprias para o consumo.

Um levantamento recém-divulgado pela Agência Nacional de Água (ANA) aponta que o problema do abastecimento é generalizado pelo País. Dos 5.565 municípios brasileiros, mais da metade terão problemas de abastecimento até 2015. E para tentar adiar o problema por ao menos uma década será preciso desembolsar 22 bilhões de reais em obras de infraestrutura, construção de sistemas de distribuição, novas estações de tratamento e manutenção de redes muito antigas, que perdem mais de 30% da água tratada antes de chegar à casa dos clientes. E nesse valor não estão incluídos os recursos necessários para resolver o problema do saneamento básico, com a construção de sistemas de coleta de esgoto e estações de tratamento, de forma a proteger os mananciais onde se faz a captação para consumo humano. Para isso, segundo a ANA, serão necessários outros 47,8 bilhões de reais.

Os investimentos não são necessários apenas porque 13% dos brasileiros não têm um banheiro em casa, ou porque mais de 700 mil pessoas entopem os serviços de saúde a cada ano em virtude de doenças provocadas pelo contato com água contaminada por esgotos, ou ainda porque sete crianças morrem por dia vítimas de diarreia, engrossando a estatística de mortes por problemas gastrointestinais (em 2009, elas somaram 2.101 casos). Acredita-se que mais da metade poderiam ter retornado com saúde para suas famílias, ou mesmo nem ter ficado doentes, caso o Brasil estivesse entre as nações que oferecem saneamento básico universal à população.

Para tornar a situação ainda mais dramática, um pesquisador da Universidade do México, Christopher Eppig, concluiu: crianças que enfrentam doenças, principalmente ligadas a diarreia e desidratação, podem ser afetadas em seu desenvolvimento intelectual. Segundo ele, a explicação é simples. Alguns parasitas alimentam-se de partes do corpo humano e a reposição desse dano tem alto custo energético. “Em um recém-nascido, 87% das calorias absorvidas na alimentação vão para o cérebro, porcentagem que cai para 23% na fase adulta. Daí a preocupação em se saber se doenças que “roubam” energia das crianças podem afetar seu desenvolvimento intelectual.”

Especialistas apontam que a questão da água, ao menos no caso brasileiro, está mais ligada a problemas relacionados à gestão do que à escassez propriamente dita. Com 12% da água doce superficial do planeta, grande parte dela na Bacia Amazônica, o País deveria estar tranquilo em relação ao futuro do abastecimento. Mas a distribuição da água pelo território é desigual, principalmente quando comparada à concentração da população. A Região Norte tem 68% da água e apenas 7% da população. O Nordeste e o Sudeste concentram 72% dos habitantes e menos de 10% da água. O cientista José Galizia Tundisi, autor do livro “Água no Século XXI” e especialista nas dinâmicas de rios, lagos e outros mananciais, acredita que uma das primeiras providências a serem tomadas para melhorar a gestão dos recursos hídricos é “realizar a avaliação econômica dos serviços prestados pelos recursos dos ecossistemas aquáticos”. Para ele, instituir um valor para esses serviços é a base para uma governança adequada, essencial para o controle de clima, o abastecimento e a produção de energia e alimentos, entre outras atividades humanas.

Muitas empresas compreenderam o desafio e estão adiantadas na gestão dos usos de água em seus processos produtivos. A indústria de celulose, por exemplo, reduziu em quase 50% suas necessidades de água por tonelada de produto desde a década de 1970. Segundo a associação do setor, a média era de 100 metros cúbicos de água por tonelada de celulose e caiu para apenas 47 metros cúbicos atualmente. Outros setores seguiram a mesma linha, não apenas ao reduzir a quantidade de água necessária por unidade de produto, mas ao implantar sistemas de tratamento de águas industriais que permitem fechar o ciclo entre o uso e o reúso, como é o caso da germânica Basf em suas unidades do ABC Paulista e Guaratinguetá. Nos últimos dez anos, a companhia conseguiu reduzir em 78% o consumo de água por tonelada produzida e em 62% a geração de efluentes de seus processos industriais. São exemplos que poderiam ser difundidos por diferentes setores, pois a água é um insumo fundamental à agricultura e à indústria. Sua gestão não tem relação apenas com o bem-estar da população, mas com a saúde da economia.

Quase tudo que é produzido no País tem sua cota de água embutida. Os especialistas denominam de “água virtual”. Como exemplo, para se produzir 1 quilo de arroz são necessários 3 mil litros de água, e 1 quilo de carne bovina precisa de 15,5 mil litros. Uma simples xícara de café não gasta menos do que 140 litros de água. Não é que essa água desapareça depois de servido o cafezinho, mas para se chegar aos produtos tão necessários nas mesas das pessoas é preciso que ela esteja não apenas disponível, mas limpa, isenta de contaminações por esgotos ou produtos químicos. E há mais. Para um automóvel chegar à garagem dos brasileiros, o consumo de recursos hídricos chega a 150 mil litros. Ou seja, a economia precisa, e muito, de água de boa qualidade. Isso sem mencionar o fato de que 18% das faltas de trabalhadores ao serviço poderiam ser evitadas com uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos.

Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, o estudo lançado pela ANA é um primeiro passo para um importante debate sobre como o estresse hídrico dos mananciais afeta o abastecimento das principais regiões metropolitanas e piora a situação da água em todos os municípios brasileiros. Para ela, é necessário encarar o fato de que a segurança no abastecimento de água é estratégica e que o recurso é escasso. “Precisamos investir na infraestrutura, mas também mudar a forma de usar esse recurso e coibir os desperdícios”, disse na terça-feira 22, escolhido para ser o Dia Mundial da Água. Segundo a ministra, os investimentos necessários para minimizar os problemas com água, estimados pela ANA em 22 bilhões de reais, já estão sendo feitos em diversas esferas de governo, nas obras do PAC, do governo federal, e por estados e municípios. Ela lembra, porém, que existem fatores que dependem de mudanças de comportamento da sociedade. “Há um grande desperdício de água pelas populações e empresas que têm acesso ao recurso e não o tratam como um bem escasso.”

A questão da gestão dos recursos hídricos passou por uma grande transformação no Brasil no fim do século passado, quando as empresas estaduais de água e saneamento perderam o monopólio do mercado. Muitas foram municipalizadas e outras privatizadas, além de terem continuado a existir companhias estaduais, como o caso da Sabesp, em São Paulo, uma referência para o setor. A Sabesp é a única empresa de saneamento a fazer parte do Índice Dow Jones Sustainability, e do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&F-Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo. Mas o período de mudanças no País não foi tranquilo nem a gestão privada se mostrou um bom negócio em todos os casos. A cidade de Manaus, por exemplo, foi a primeira capital a privatizar os serviços. O abastecimento não deveria, aliás, ser problema para um município que tem quase 10% da água doce do planeta a escorrer à sua porta pelos rios Negro, Solimões e Amazonas. Mas não é bem assim. Em 2000, a gestão foi transferida para a francesa Suez, a mesma que, por sua administração desastrada, quase provocou um golpe de Estado na Bolívia.

Para os franceses, parecia fácil. Havia muita água disponível e uma população de quase 2 milhões de habitantes que deveria pagar por ela. Tradicionalmente, o serviço público de água da cidade era muito ruim, portanto, “bastaria oferecer um bom serviço” para a conta fechar. Ledo engano. Como o serviço público nunca funcionou, a elite urbana da cidade nunca dependeu dele. A maior parte das casas e condomínios abastados tem seu abastecimento garantido por poços artesianos, um serviço que, depois de implementado, é de graça, sem conta mensal. A empresa francesa ficou apenas com a gestão do consumo da população pobre e com a obrigação de recolher o esgoto da cidade, pelo qual também não se pagava, uma vez que a taxa de esgoto está embutida na conta de água. Em 2007, a Suez saiu da sociedade com o grupo brasileiro Solvi e a Águas do Amazonas continua privatizada, mas agora sob a gestão de um grupo nacional que teve de renegociar as condições do contrato de concessão com a prefeitura.

Outro mau exemplo foi a municipalização da empresa de água em Guarulhos, uma das maiores cidades da região metropolitana da São Paulo. Apesar de ter uma rede de esgotos que abrange a maior parte do município, a companhia não trata um litro sequer do esgoto coletado. É de lá que vem a poluição que transformou o rio Tietê em um canal fétido e putrefato.

O esgoto não tratado tem impacto sobre outro setor estratégico da economia, o turismo. Principalmente no Nordeste, a presença de “línguas negras” a cruzar praias que deveriam ser refúgios ambientais assusta os operadores turísticos e preocupa o setor hoteleiro. Mas mesmo regiões do “Sul Maravilha”, como Santa Catarina, muito buscada por turistas sul-americanos, padece da falta de infraestrutura. Florianópolis tem apenas 67% de acesso à rede de esgotos, enquanto o badalado município de Canavieiras tem pouco mais de 40% do esgoto coletado. As duas cidades têm as melhores redes estaduais. A quinta colocada não chega a tratar 3% dos dejetos.

Nos próximos anos, o Brasil vai receber grandes eventos internacionais, a começar pela Cúpula das Nações Unidas Rio+20, que reunirá chefes de Estado e de governo para debater os avanços e as crises ambientais do planeta. Em seguida virão a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Um dos indicadores fundamentais de desenvolvimento é o acesso à água de boa qualidade e a coleta e tratamento universal de esgotos, setores em que o País ainda tem muito a caminhar. Dados de 2007 do IBGE mostravam que 90% dos domicílios têm acesso a redes de água tratada. Na área rural, o número não passa de 50%, enquanto no caso da coleta e tratamento de esgotos os dados são completamente díspares. Vão de 40% a 77% de esgotos coletados. Mas apenas 36% passam efetivamente por uma estação de tratamento antes de serem devolvidos aos cursos d’água.



*Colaborou Naná Prado
**A assessoria de imprensa da Prefeitura de Guarulhos informou que, desde outubro de 2010, trata 15% de todo o esgoto coletado na cidade.

POLÍTICA INTERNACIONAL

A (f)utilidade das sanções


Participei, em Washington, de evento em que o moderador queria conhecer nossa avaliação, um anos depois, sobre a Declaração de Teerã. Por Celso Amorim



Há cerca de dez dias, participei, em Washington, como orador principal de importante evento organizado por reputada instituição norte-americana, a Carnegie Endowment for International Peace. Como se tornou comum em acontecimentos desse tipo, minha exposição foi conduzida pelo moderador George Perkovitch e pelas perguntas da audiência (o vídeo da sessão pode ser visto no seguinte endereço eletrônico: http://newmediamanager2.net/popup/1516).

Embora o tema geral do encontro fosse desarmamento e não proliferação nuclear, a questão inicial do moderador versou sobre a Declaração de Teerã, de 17 de maio de 2010. Queria conhecer a avaliação que fazemos hoje sobre o acordo, à luz da recusa dos proponentes originais da ideia de trocar urânio por combustível. Isso me deu ocasião de expor didaticamente como o governo brasileiro se envolveu na questão, movido inicialmente por um pedido do presidente Obama ao presidente Lula, à margem da reunião do G-8 em L’Aquila, na Itália, em julho de 2009. Esse pedido foi reforçado por gestões específicas de emissários dos Estados Unidos – na linha de telegrama de instruções enviado à embaixada norte-americana em Brasília, revelado pelo WikiLeaks. Pude, diante de um público qualificado, explicar como os pontos centrais do acordo proposto pelo chamado Grupo de Viena (Estados Unidos, França e Rússia) estavam atendidos pela Declaração. Mencionei, a propósito, a opinião de especialistas insuspeitos, como o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed el-Baradei – que havia participado da preparação da proposta original –, para quem o resultado obtido por Brasil e Turquia era um passo significativo (substantial) no sentido de garantir que o programa nuclear iraniano tivesse fins exclusivamente pacíficos.

É digno de nota o continuado interesse de personalidades influentes nos Estados Unidos em discutir o tema. A meu ver, o desejo de esmiuçar os diversos aspectos da questão é revelador de que alguma dúvida terá ficado no espírito de muitos analistas sobre o acerto da atitude negativa, tomada na ocasião pelos EUA e seus aliados (que, no caso, além dos outros membros ocidentais do Conselho de Segurança, França e Reino Unido, incluiu a Alemanha e – o que não é tão comum – Rússia e China).

O moderador levantou outra questão muito relevante para o momento atual. Referindo-se ao nosso voto contrário às sanções contra o Irã, em junho de 2010, perguntou-me se o Brasil não admitia que sanções poderiam ser o caminho indicado, quando um país viola sistematicamente suas obrigações. Mencionou, então, a Líbia, o que me levou a recordar-lhe que, já no atual governo, o Brasil votou, acertadamente, em favor de sanções contra Kaddafi e a liderança líbia, em face do uso indiscriminado da força contra civis. Mas, corretamente, absteve-se na resolução que concedeu à coalizão a faculdade de usar “todas as medidas necessárias” (eufemismo para uso da força no jargão da ONU) para tornar efetiva a zona de exclusão aérea e proteger (sic) a população civil.

Sem desconhecer que sanções ou, principalmente, a ameaça delas pode ter alguma utilidade em influenciar o comportamento de determinado governo, assinalei que, na maioria das vezes, as sanções atingem, principalmente, os setores mais vulneráveis da população. Em segundo lugar, muito frequentemente, provocam efeito contrário ao desejado no que se refere à concentração do poder nas mãos de um líder autocrático ou ditatorial. A experiência no Iraque, no período que antecedeu a segunda guerra do Golfo, fornece ampla prova disso.

A própria Líbia é ilustrativa desse aparente paradoxo. Durante cerca de uma década, o país esteve sob sanções do Conselho de Segurança, o que apenas reforçou o poder de Kaddafi. Foi apenas quando as relações da Líbia com grande número de países, inclusive ocidentais, se distenderam, permitindo que mais informações chegassem a parcela importante da população é que impulsos de mudança se fizeram sentir – estimulados pelos êxitos no Egito e na Tunísia.

O uso da força pela coalizão coloca outras questões. Além da proporcionalidade entre meios e fins, é muito difícil traçar uma linha clara entre o que constituiria efetivamente a proteção de civis e o que é o apoio a um dos lados de uma guerra civil. Este é um dilema que a aliança que se constituiu sob a liderança dos Estados Unidos terá de enfrentar. Outro dilema é saber de que civis se trata: afinal, também há civis que, voluntariamente ou não, podem encontrar-se próximos às forças leais a Kaddafi. Sobre esse e outros aspectos, os relatos que nos chegam, muitas vezes filtrados, pelas agências de notícias, não são tranquilizadores. Um analista político norte-americano recordava, falando do Oriente Médio em geral – mas com evidente aplicação ao caso da Líbia e, mais amplamente, a sanções e ao uso da força –, que o dever principal de quem deseja ajudar e proteger é seguir a máxima de Hipócrates, pai da medicina: “Em primeiro lugar, não cause dano”.



Foto: Atta Kenare/AFP


(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)  

E C O N O M I A


O governo brasileiro está preocupado com a acentuada valorização do real. A moeda brasileira está entre as que mais subiram em relação ao dólar no passado recente. E a moeda forte pode trazer problemas sérios para a economia do país.

O problema transcende as fronteiras brasileiras, como se sabe. Uma das suas principais causas – talvez a principal – é a situação econômico-financeira do país que emite a moeda hegemônica: os Estados Unidos. O dólar dos EUA está caindo em relação à grande maioria das principais moedas, segundo levantamento publicado pela revista “The Economist”. Num grupo de 34 moedas de países desenvolvidos e em desenvolvimento, apenas quatro ficaram estáveis em relação ao dólar nos últimos doze meses em termos nominais (as moedas de China, Hong-Kong, Arábia Saudita e México) e apenas quatro sofreram desvalorização nominal (as de Rússia, Argentina, Venezuela e Paquistão).

Por trás da fraqueza do dólar, está a crise da economia americana. O déficit e a dívida pública cresceram de forma astronômica nos EUA. O sistema financeiro do país atravessou, e ainda atravessa, dificuldades extraordinárias. O Federal Reserve vem mantendo a taxa básica de juro próxima de zero e injetando liquidez de forma maciça. Em outras palavras: há uma superabundância de dólares, oferecidos a baixo custo, o que tende a enfraquecer a moeda. Surgiu, assim, um imensa carry-trade em dólares, isto é, operações financeiras que consistem basicamente em assumir obrigações em dólares (uma moeda em processo de desvalorização e com taxas de juro próximas de zero) para aplicar sobretudo nas moedas de países que oferecem juros mais altos e perspectivas atraentes de rendimento.

Os EUA não o dizem abertamente, mas têm interesse nessa depreciação do dólar – desde que ela seja relativamente ordenada. A queda do dólar, além de ajudar a diminuir o desequilíbrio externo da economia em conta corrente, reduz o valor real das dívidas externas dos EUA (que são denominadas majoritariamente em dólares) e estimula a atividade econômica. Ora, os EUA estão desesperados para consolidar a recuperação da atividade econômica e impedir que o desemprego, que já está em nível muito alto, continue aumentando. O dólar fraco aumenta a competitividade das exportações dos EUA e encarece as importações, ou seja, tende a ampliar o componente externo da demanda agregada (as exportações de bens e serviços) e a redirecionar a demanda interna das importações para a produção nacional.

O cerne do problema está, portanto, nos EUA. Mas há dificuldades adicionais. Alguns países de grande porte, notadamente a China, relutam muito em aceitar a apreciação das suas moedas. O yuan mantém uma taxa fixa em relação ao dólar desde meados de 2008. Só nesta semana, o Banco Central chinês finalmente deu um sinal de que poderá permitir alguma apreciação da sua moeda. Se um país grande como a China se recusa a absorver uma parte expressiva da depreciação do dólar, o ônus recai sobre os países com moeda flutuante – especialmente aqueles que mantêm juros altos e oferecem boas perspectivas para investimentos estrangeiros.

O Brasil é um desses países. Não por acaso, o real foi das moedas que mais subiram em relação ao dólar nos últimos doze meses. De 11 de novembro de 2008 até 11 de novembro de 2009, o dólar caiu quase 25% em relação ao real em termos nominais. No acima referido conjunto de 34 moedas, a moeda americana só registrou queda mais pronunciada em relação ao dólar australiano (30,3%) e ao rand sul-africano (29,7%).

O Brasil precisa se cuidar, portanto. O IOF sobre certas entradas de capital foi um passo na direção correta. Outras medidas, de menor impacto, também foram tomadas. Mas será provavelmente necessário considerar providências adicionais, incluindo a diminuição dos juros, a acumulação de mais reservas internacionais e novos instrumentos prudenciais e de controle sobre os movimentos especulativos de capital.
Não podemos nos dar ao luxo de aguardar que o problema seja resolvido no plano internacional, no âmbito do G20 ou do FMI.





PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.


(Transcrito do blog http://www.tijolaco.com/ )

09 abril 2011

EDIÇÃO N. 37

O QUÊ HÁ PARA LER


NOSSO MUNDO

O exemplo de Juliano Mer-Khamis - Amira Hass
Inconformismo e criatividade - Boaventura de Souza Santos
Jogando com o planeta - Joseph Stiglitz

MEIO AMBIENTE

Clima: negociações em Bangcoc começam em tom de
urgência - Fabiano Ávila

ECONOMIA

O Brasil está mudando... - Paulo Daniel
A hora é agora - até o FMI está a favor! - Paulo Kliass

POLÍTICA

Cerimônia do adeus? - Maurício Dias

A OPINIÃO DE MINO CARTA

Grande e feliz corruptor - Mino Carta

HUMOR

por NANI


Charge com loura


PENSAMENTOS

 

"Se você é capaz de sorrir quando tudo deu errado,

é porque já descobriu em quem pôr a culpa."

             - Thomas Jones -


"É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que

você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida."

          - Abraham Lincoln -



   

A OPINIÃO DE MINO CARTA

Grande e feliz corruptor

O relatório da Polícia Federal mostra como e por quê. Trata-se, obviamente, do orelhudo. Editorial da edição 641 de CartaCapital. Por Mino Carta
Editorial da edição 641 de CartaCapital



Na festa de Carta-Capital do ano passado, realizada entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial para celebrar o aniversário da revista e entregar os troféus das Empresas Mais Admiradas no Brasil, na minha fala de boas-vindas aos convidados me atrevi a confrontar os governos Lula e FHC. E me coube constatar a verdade factual: o mensalão, como propina mensal a parlamentares variados, não foi provado. Um murmúrio estrondoso de desaprovação elevou-se da plateia e algumas pessoas deixaram precipitadamente o recinto.

Leitores, telespectadores e ouvintes da mídia nativa acreditam cegamente no mensalão na versão apresentada por editorialistas, colunistas e perdigueiros da informação. Não percebem que o crime cometido no episódio por larga porção do PT é tão grave quanto o seria o mensalão conforme a pretensa denúncia de Roberto Jef-ferson. Não é que este enredo chamusque apenas o partido, ustiona-o no grau mais elevado e deixa uma cicatriz irreversível.

Quem se entrega às fantasias do jornalismo pátrio não se dá conta de outro logro, sem falar de má-fé de muitos, inclusive alguns que se dizem de esquerda: o mensalão é um biombo desdobrado para encobrir a ação, continuada e infelizmente eficaz, do grande corruptor, o banqueiro Daniel Dantas.

Pergunto aos meus céticos botões por que a revista Época decidiu dissertar a respeito do relatório da Polícia Federal sobre o valerioduto e suas consequências. Gargalham sinistramente ao registrar o esforço insano da semanal da Globo para colocar na ribalta o chamado mensalão pretendido por seis anos a fio e para relegar a um brumoso bastidor a figura do banqueiro orelhudo do Opportunity.

Com quanta desfaçatez a mídia nativa manipule o noticiário é do conhecimento até do mundo mineral. A verdade factual é outra (e CartaCapital em vão a apresenta desde 2005) e soletra a seguinte situação: o dinheiro do Opportunity irriga a horta petista por intermédio do valerioduto sem que isto implique pagamentos mensais a parlamentares.

Dantas sempre soube quais as hortas a serem regadas, daí ter começado pela tucana à sombra de FHC, para ser premiado na hora das privatizações. Ao se concluir, o enredo encena um jantar com o presidente e príncipe dos sociólogos em 2002, destinado a traçar os caminhos do futuro. O banqueiro acabava de regressar de Cayman, onde guarda e põe a fermentar as contas secretas de inúmeros graúdos. No dia seguinte, FHC trocou as diretorias dos fundos de pensão, que até então eram entrave poderoso aos negócios dantescos.

O tucanato foi bom parceiro também no plano regional. O ensaio do caso nacional levantado pelas acusações de Jefferson deu-se, como se sabe, em Minas Gerais, quando do governo Azeredo. A bandalheira foi provinciana, contudo opulenta. De todo modo, há jantares e jantares. Significativo aquele de cardápio árabe servido na residência brasiliense do então senador do DEM Heráclito Fortes, em plena crise do mensalão. Confraternizaram no quibe e no charuto de uva Daniel Dantas, grande amigo do anfitrião, e o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, acompanhado pelos organizadores da tertúlia, os deputados José Eduardo Cardozo e Sigmaringa Seixas.

Mas quem se incomoda com isso? Quem se aventura a ilações aparentemente obrigatórias? E quem abre os olhos diante de uma estranha operação que levou Marcos Valério e, em oportunidades distintas, outras figuras do PT e do PTB, inclusive Delúbio Soares, a Lisboa quando Dantas quis vender a Telemig à Portugal Telecom? E quem se indigna se Gilmar Mendes solta no espaço de 24 horas dois habeas corpus para pôr em liberdade o banqueiro preso por obra da Satiagraha, e logo secundado pelo ministro Nelson Jobim, exige do presidente Lula, “chamado às falas”, o afastamento imediato do delegado Paulo Lacerda- da direção da Abin? Réu por ter colaborado com o delegado Protógenes para suprir a falta de apoio da própria PF entregue ao seu sucessor, Luiz Fernando Corrêa. E quem se surpreendeu ao saber que o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi à Itália como advogado de Dantas ainda no seu tempo de parlamentar para contribuir à tentativa, fracassada, de provar que quem iniciou a guerra dos grampos foi a Telecom Italia?

Intermináveis perguntas se escancaram em busca de esclarecimentos a respeito de outras tantas situações suspeitas, para usar um adjetivo brando. Mas, se há jantares e jantares, há ministros e ministros. O da Justiça à época da Satiagraha, Tarso Genro, telefonou no dia da primeira prisão de Dantas, logo de manhã para me dizer eufórico: “Viu o que a gente fez, prendemos o Dantas”. Aquela ligação até hoje me deixa boquiaberto. Talvez Genro estivesse a navegar na névoa, como um barco escocês ao largo de Aberdeen, em uma madrugada invernal, e sem apito. Sobra a evidência clamorosa: Dantas conhece a fundo os podres da República, e isso o torna, por ora pelo menos, invulnerável.


 

Mino Carta

Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br

(Transcrito do site www.cartacapital.com.br) 

BRASIL HOJE

Emir Sader: Os brasileirinhos

09/04/2011
Blog do Emir Sader


Os brasileirinhos. Aqueles que partiram cedo demais desta vida. Aqueles para os quais deveríamos estar construindo uma sociedade de paz. Aqueles que deveriam ter escolas seguras, com professores bem formados e com bons salários, com computadores e bons espaços para arte e esporte.

Aqueles brasileirinhos que choram seus irmãos, seus colegas, sem entenderem bem por que acontecem coisas como essas, por que se usa impunemente armas para entrar nas escolas. Os brasileirinhos que ouviram falar que a educação é fundamental, que eles são o futuro do Brasil. Aqueles brasileirinhos que sonhavam em ser jogadores de futebol, engenheiros, artistas, presidentes da república.

Os brasileirinhos que se foram cedo demais, sem saber que se tenta construir um mundo melhor para eles, mas que o velho mundo pesa duramente sobre tudo e sobre todos. Principalmente sobre eles, sobre seus pais e suas mães, sobre seus colegas, seus professores e seus irmãos.

Aquelas mães e pais dos brasileirinhos, que faziam todo o esforço para tê-los acordados cedinho, com café com leite, pão e manteiga, uniforme e mochila, para chegarem a tempo na escola. Aquelas mães e pais dos brasileirinhos que faziam todo o esforço e o sacrifício para que eles pudessem ter o diploma profissional que eles não puderam ter.

Aqueles brasileirinhos que brincavam, estudavam, jogavam futebol, cantavam, sonhavam. Aqueles brasileirinhos que queriam ver a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Rio. Que queriam ver as favelas pacíficas, as escolas tranquilas, seus pais empregados, seus irmãos entrando na universidade.

Os brasileirinhos que se foram tão cedo. Que não puderam esperar pelo futuro que se supõe estamos construindo para eles. Que não tiveram oportunidade de se tornar jovens, adultos, de viver a plenitude da vida.

Os brasileirinhos que são a maioria da infância e da juventude do Brasil, mas não são centralmente contemplados pela mídia, discriminados e invisibilizados, salvo quando acontecem tragédias.

Enquanto todos nós não nos sentirmos brasileirinhos, com suas esperanças e suas fragilidades, com suas vontades e suas frustrações, seus sonhos e seus pesadelos, e lutarmos, junto com todos eles, brasileirinhos serão apenas os meninos pobres, despossuídos, carentes. Um Brasil para todos tem que ser, antes de tudo, um Brasil de todos os brasileirinhos.


Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.

(Transcrito do blog viomundo.com) 

P O L Í T I C A

Cerimônia do adeus?

Governistas e oposicionistas aplaudem Aécio no Senado e tentam soterrar as ambições de Serra para 2014. Por Maurício Dias. Foto: Alan Marques/Folhapress



Há muito tempo um discurso não criava tamanha expectativa no Congresso como criou a fala inaugural de Aécio Neves na tribuna do Senado. O ex-governador mineiro, 51 anos, tornou-se a esperança de criação de um ponto aglutinador para a oposição. Aécio foi brindado com elogios protocolarmente inexpressivos dos aliados oposicionistas e dos adversários governistas.

Mas esse coro de congratulações traduziu mais rejeição ao tucano paulista José Serra do que propriamente uma adesão ao comando de Aécio. Mesmo assim, a longa sessão transmitida na íntegra pela TV Senado e replicada nos telejornais da noite de quarta-feira 6 ganhou o sabor de cerimônia de adeus às pretensões do ex-governador paulista em relação às ambições que ele guarda pelas eleições presidenciais de 2014. Se puder, fará uma terceira tentativa apoiado no argumento, discutível, de que puxou 45 milhões de votos no segundo turno.

Serra, por sinal, estava presente à sessão. Fingiu-se de morto e pôde conferir de perto quem se apresentou naquele pretendido enterro político dele. Ficou o tempo todo cochichando com o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, de São Paulo. Foi citado duas vezes por Aécio, que ganhou um elogio do petista Lindberg Farias, envolvido em aparte de sutil ironia: “Vossa Excelência é o futuro. Vai liderar essa oposição… Por muitos anos”.

A insinuação, embora inteligente, é precipitada. Serra, como qualquer político, não se aposenta voluntariamente. Getúlio foi tirado do poder em 1945 pelos militares. Voltou cinco anos depois como presidente eleito pelo voto popular. Jânio Quadros renunciou à Presidência e, posteriormente, se elegeu prefeito de São Paulo derrotando Fernando Henrique Cardoso. Um resultado que levou muita gente a prenunciar a morte política de FHC. Alckmin parecia carta fora do baralho com a derrota para a Presidência em 2006. E, por fim, Lula perdeu a disputa para a Presidência por três vezes. Após a segunda derrota houve setores do PT que pretenderam lançar Tarso Genro. Lula perdeu na terceira e ganhou na quarta tentativa.
A política, no caso de Serra, é vocação essencialmente. Embora tenha sofrido uma segunda derrota na disputa para a Presidência, ele transita pela política e ambiciona disputar a presidência do PSDB contra Sérgio Guerra, que quer ficar no posto. Continua a travar uma luta interna com Aécio Neves.

Aécio vive, no momento, um apogeu. Ele permaneceu na tribuna por mais de cinco horas em razão das dezenas de apartes que concedeu. O discurso dele teve, exatamente, 3.321 palavras e, como anotou o publicitário carioca Hayle Gadelha, a palavra que mais usou foi “oposição”: 11 vezes. Seguiram-se “ética” (sete vezes) e “Minas” e “mineiro” (cinco vezes). Citou oito políticos e, como lembrou Gadelha, cometeu um erro capital nas homenagens que prestou: não fez menção ao mineiro José Alencar, ex-vice-presidente da República, falecido recentemente.

O discurso de Aécio consolida dois pontos. De um lado fica provado que ele se apresentou como novo líder da oposição e, para isso, exibiu seus dotes de bom articulador político.

Por outro lado, a fala dele mostra que a oratória parece ser mesmo uma arte agonizante. Dificilmente um discurso lido, como fez Aécio, empolga os ouvintes. E, como ensinam os manuais, ele pecou pela falta de emoção.



E C O N O M I A

O Brasil está mudando…

Não enfrentamos uma inflação de demanda, mas sim com fortes características de custos. Portanto, aumentar juros não necessariamente reduzirá inflação
A Revista Brasileiros , neste mês de abril, iniciou um ciclo de palestras visando discutir o futuro do desenvolvimento econômico e social brasileiro, com a presença do Ministro da economia Guido Mantega, bem como empresários e acadêmicos (www.seminariosbrasileiros.com.br).
Os eixos principais deste primeiro seminário, estabeleceu-se de forma conjuntural e não estrutural, particularmente inflação brasileira e mundial, valorização do Real e crescimento econômico brasileiro.
No que diz respeito a inflação brasileira, está centrada em alimentos e outras commodities, conforme apresentou o Ministro Mantega; nos últimos 12 meses o preço dessas mercadorias elevaram-se em 40%.
Portanto, nossos produtores preferem exportar, “importando” inflação aos consumidores brasileiros. Neste sentido, não enfrentamos uma inflação de demanda, mas sim, com fortes características de custos, portanto, aumentar juros não necessariamente reduzirá inflação.
Quanto a valorização do real, é relativamente óbvia, há uma abundância de dólares no mercado internacional, atrelado a isso, o Brasil oferece uma taxa de juros real próxima de 6%, por isso, atraí dólares do mercado mundial ao nosso país, valorizando o Real. A nossa balança comercial esta de certa forma equilibrada devido a alta do preço dos alimentos.
Sobre o crescimento econômico, há várias divergências, desde o volume de crescimento até a sua qualidade, como por exemplo, alguns afirmaram que não podemos crescer mais do que 5% e, ao mesmo tempo, o consumo não poder ser sustentador deste crescimento, este cenário está mudando principalmente a partir de 2007.
Em 2010, o país fechou seu ciclo de investimento ao comparar-se com o PIB, na ordem de 21%, entretanto, pouco se debateu sobre o desenvolvimento brasileiro, ou seja, que economia quereremos no futuro? Continuaremos tendo como nossa base de exportação “baixa tecnologia” e “importando” alta tecnologia?
A excelente notícia para o nosso país é que visivelmente estamos em um novo ciclo econômico, basta lembrar as décadas de 80 e 90; discutíamos como combater a inflação. Atualmente estamos debatendo crescimento econômico e sua qualidade. O Brasil está mudando…



Publicado originalmente no blog Além de Economia