28 junho 2011

IMPRENSA

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa decide tratar, destratar, maltratar ou não tratar assunto que por algum infinitésimo de segundo lhe cause incômodo na esfera política. Refiro-me ao filho adulterino do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a jornalista Miriam Dutra, então funcionária da Rede Globo de Televisão. A vida do inocente filho sempre foi permeada por mistério, muitos silêncios, excessivas pausas e imoderada paciência em levar a público o que já era de conhecimento de meia Brasília política, de meio país dos mexericos e se podiam contar nos dedos os jornalistas desinformados de paternidade tão noticiada nos bastidores do Poder quanto sigilosa nos meios noticiosos de circulação nacional e de maior audiência radiofônica e televisiva.

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa vem, com atraso de 19 anos, dar conta que o filho do experiente político com a renomada jornalista na verdade não é seu filho biológico: dois exames de DNA deram negativo. E o mesmo espanto é estendido à informação de que este filho, mesmo não sendo seu do ponto de vista biológico é assumido plenamente pelo velho patriarca como seu por “laços afetivos e emocionais”. E o assunto somente terá seu capítulo final após sua morte que é quando seus três filhos legítimos com D. Ruth Cardoso irão tratar do sensível tema chamado direito à herança. Até lá, este mais novo desdobramento de uma notícia há tanto tempo vetada de vir à luz pública, não por força de monstruosos sensores, e sim, de decisão editorial envolvendo os principais jornais do eixo Rio-São Paulo, as revistas de maior circulação nacional e as redes de televisão de maior audiência.

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa aceitou ser “furada” por uma revista de modesta circulação nacional e, para completar o contraste do furo, de regularidade mensal – a Caros Amigos. E foi em sua edição nº 37, de abril do ano 2000, que o editor de Caros Amigos Palmério Dória publicou a matéria “Por que a Imprensa esconde o filho de oito anos de FHC com a repórter da Globo?”. A revista questionava o silêncio concedido pela grande imprensa ao assunto, e apontava o grave contraste com o estardalhaço com que esta mesma grande imprensa tratara de filhos ilegítimos de outras personalidades do mundo político como Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, não por acaso, também ex-presidentes da República.

Causa espanto que uma imprensa sempre tão ciosa de ter seu direito à liberdade de expressão cassado, censurado, suprimido, tenha de livre e espontânea vontade (editorial) desistido de divulgar assunto tão mobilizador de corações e mentes. Vale registrar que, à época, não foram poucos os jornalistas que se apressaram a não acusar o golpe – no caso o furo protagonizado por Caros Amigos – e deixando claro que o “filho ilegítimo de FHC” se tratava tão-somente de um “assunto pessoal”, desprovido de qualquer “teor jornalístico” e não oferecendo aqueles características basilares que têm o poder de converter a mera informação de bastidor em “notícia capaz de interessar à opinião pública”.

Causa espanto que o assunto, desde seu nascedouro, no caso, desde o nascimento do pequeno Tomás Dutra Schmidt, o tema já se impunha com todos os ingredientes com que uma informação assume ares e jeito de notícia e mesmo assim foi escanteado para o misterioso arquivos dos “assuntos que são, mas não deviam ser notícia”. Tinha a marca da novidade, relevância, importância (por se tratar de filho do Presidente da República); configurava aspectos de raridade (porque não é comum deixar de noticiar a existência de filho ilegítimo de um Presidente da República), trazia a força capaz de atiçar a curiosidade (porque era filho de famosa jornalista da principal rede de televisão do Brasil, a Globo); era, sobretudo, oportuna (porque na campanha eleitoral de 1989, um dos maiores escândalos era nada menos que a existência da jovem Lurian Cordeiro, igualmente filha ilegítima do segundo candidato mais votado à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em resumo, noticiar a existência de Tomás não poderia ser chancelado, sob qualquer hipótese como “evento pouco significativo, banal ou corriqueiro”. Muito menos ainda vir a ser tratada como notícia destinada a passar ao largo do chamado interesse do público. E, no entanto, assim foi tratada. E não apenas pela Rede Globo de Televisão, como também pelo SBT, pela Record e pela Band. Deixou de ser impressa tanto nas páginas de Estado de São Paulo quanto nas de O Globo e da Folha de S.Paulo. Nenhuma emissora de rádio registrou algum locutor dando conta do assunto. E quando se levanta a tese da existência de personalidades premiadas com a blindagem da imprensa é óbvio que esta não surge do nada, do encontro do vento sudeste com o noroeste, do acaso com a mera coincidência. É que existe blindagem mesmo.

Causa espanto que somente no domingo, 15 de novembro de 2009, reportagem da jornalista Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo, dava conta que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceria oficialmente Tomas Dutra Schmidt como filho. E agregava que “Tomas, que hoje tem 18 anos, nasceu da relação amorosa que FHC teve com a jornalista Mirian Dutra, da TV Globo.”. A jornalista informava ainda que “FHC consultou advogados e viajou na semana passada para Madri -- onde vive a jornalista -- para cuidar do reconhecimento do filho.” Cuidadosa na apuração de suas notícias exclusivas, Mônica Bergamo informava também que “FHC negou a informação e disse que estava na cidade para a reunião do Clube de Madri. Procurada pela Folha, Mirian disse que quem deveria falar do assunto seria ele e a família dele.” Com este punhado de informações parecia que, finalmente, nove anos após a alentada reportagem do jornalista Palmério Dória em Caros Amigos, um dos nossos grandes diários trazia à luz o mais comentado e também o quase-nunca-noticiado segredo da República. Outros veículos de comunicação fizeram o de sempre: repercutiram a notícia sem agregar qualquer nova informação.

É curioso observar como o mexerico, desde o início, recebeu as tintas da autenticidade. Bergamo não deixa margem à dúvidas quanto à paternidade de Tomás: “Tomás, que hoje tem 18 anos, nasceu da relação amorosa que FHC teve com a jornalista Mirian Dutra, da TV Globo.” E escancara nas entrelinhas a quantidade de energia despendida pelo ex-presidente para despistar nossos argutos jornalistas sobre o assunto, quando mesmo há poucos dias de reconhecer oficialmente o filho, na verdade encontrava-se na capital espanhola apenas para atender “a reunião do Clube de Madri”.
Causa espanto, e põe espanto nisso!, as três notas publicadas pela revista Veja (Edição 2223, de 29/6/2011), na coluna Radar, do jornalista Lauro Jardim. São elas:

DNA revelador 1
Dois exames de DNA, o último deles feito no início do ano, deram um desfecho surpreendente a uma história envolta em muita discrição há duas décadas: Tomás, de 19 anos, o rapaz que FHC reconheceu oficialmente como filho em 2009 em um cartório espanhol, não é filho do ex-presidente.

DNA revelador 2
Embora só tenha perfilhado Tomás há dois anos, FHC sempre ajudou a jornalista Miriam Dutra, sua mãe, a sustentá-lo. Como morava entre Portugal e Espanha, para onde Míriam foi enviada pela Globo pouco antes do seu nascimento, Tomás tinha contato com FHC quando o ex-presidente viajava para a Europa - tendo eles se encontrado também várias vezes no Brasil durante a passagem de FHC pela Presidência. A situação, porém, sempre foi envolta em total reserva, quebrada somente com a publicação pela Folha de S.Paulo, em 2009, de uma reportagem sobre o reconhecimento de Tomás.

DNA revelador 3
No ano passado, mesmo sem nenhuma contestação da paternidade, FHC e Tomás, hoje estudando relações internacionais nos EUA, decidiram fazer exames de DNA. Eles foram juntos ao laboratório. Antes, no entanto, FHC disse a Tomás que, qualquer que fosse o resultado, nada mudaria na relação entre os dois. Com o inesperado resultado dos exames em mãos, FHC reafirmou o que dissera. Portanto, nada muda na vida do rapaz no que diz respeito a seu ex-pai biológico.

Nenhuma das notas, com o que agora soa como irônico título “DNA revelador”, revelou algo que capaz de jogar luzes sobre o DNA da nossa grande imprensa: quais os reais motivos para sonegar do público a existência do filho ilegítimo de Fernando Henrique Cardoso? E, se optasse por condensar as três notas em apenas uma, o jornalista poderia ter brindado seus sonolentos leitores com informações como:

(1) Por quê o tratamento desigual concedido aos filhos ilegítimos de outros ex-presidentes da República?

(2) Por quê não buscar alguma declaração de Miriam Dutra sobre a real identidade do pai biológico de Tomás Dutra Schmidt?

(3) Quanto custou a Fernando Henrique Cardoso o peso de tão longevo silêncio por parte de nossa grande imprensa acerca de suas estripulias extramatrimoniais?;

(4) Por quê a revista Veja desconheceu o furo de Caros Amigos – ocorrido com antecipação de no mínimo 9 anos? - e oferece atestado de paternidade do referido furo ao jornal Folha de S.Paulo, que, a bem da verdade, publicou informações da jornalista Mônica Bergamo, apenas em sua edição de 15/11/2009?

Aberta a temporada de celebrações por ocasião dos 80 anos do pai-afetivo, mas não biológico do jovem Tomás, há que se inferir que seria tremendo mau gosto incluir o exame de DNA tão diligentemente divulgado por Lauro Jardim como... parte das comemorações.

Sem dúvida, o assunto que ainda parece longe de ter seu desfecho, oferece ensejo para alentada reflexão do papel de nossa grande imprensa e sua perigosa opção por continuar se equilibrando entre o bom e o mau jornalismo.

Até o momento, o mau jornalismo parece estar ganhando. E de goleada.

(*)Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com




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UMA PERFEITA TORMENTA DE
ESTUPIDEZ



“O céu alvoroçado revela a dor que sente”.

Estes versos foram escritos por Henry Wadsworth Longfellow, em seu poema “Flocos de Neve”, publicado em 1863 junto a seu célebre poema épico “A cavalgada de Paul Revere”. Grande parte do fuxico informativo da última semana se concentrou no infeliz comentário de Sarah Palin acerca da história da famosa cavalgada de Revere em abril de 1775. Revere estava em uma missão clandestina à meia-noite para alertar os revolucionários estadunidenses sobre um iminente ataque britânico. A versão incorreta de Palin indica que Revere, montado a cavalo, fez soar um sino e disparou uma arma como advertência para que os britânicos se retirassem.

Também é lamentável que os meios de comunicação tenham gastado horas falando de uma série de indiscrições sexuais na internet do congressista de Nova York, Anthony Weiner. Para aumentar o sensacionalismo – e entre comerciais das indústrias de petróleo, gás, carvão e energia nuclear -, se viu uma notícia atrás da outra sobre eventos climáticos extremos. Aqui reside o verdadeiro escândalo: por que os meteorologistas da televisão não acompanham cada notícia acerca de “condições climáticas extremas” com as palavras “mudança climática”. Necessitamos de um Paul Revere do nosso tempo, ecologista, que advirta à população sobre esta iminente ameaça.

Quem melhor para cumprir essa função que Bill McKibben, que tem falado e escrito sobre a mudança climática e impulsionou uma organização em nível mundial para enfrentar esse problema há mais de duas décadas. Perguntei a ele recentemente acerca da vinculação entre as condições climáticas extremas e a mudança climática:

“O que ocorre é que estamos fazendo da Terra um lugar mais dinâmico e violento. Quando falamos de aquecimento global estamos falando essencialmente disso. Temos retido mais energia solar dentro desta delgada capa atmosférica, e isso agora está se manifestando de diferentes maneiras. Não temos a certeza de que certo tornado em particular tenha sido provocado pela mudança climática. Sempre existiram tornados. Mas sabemos, sim, que somos testemunhas de grandes níveis de atividade de tormentas elétricas, inundações, secas, de todas essas coisas sobre as quais os climatólogos vêm nos advertindo’.

McKibben, fundador de 350.org, uma organização que reúne ativistas para enfrentar a crise climática, critica a cobertura feita pelos meios de comunicação sobre os desastres climáticos: “Você viu as fotos de Queensland na Austrália porque em Queensland, Austrália, há muita população branca e câmeras de televisão. Mas não se viram fotos similares do Sri Lanka, do Vietnã, das Filipinas, do noroeste do Rio de Janeiro, no Brasil, e tampouco da Colômbia, lugares que sofreram grandes inundações similares a da Austrália.

Quando McKibben fala da Terra como “um lugar mais dinâmico e violento” está se referindo ao clima. Mas a mudança climática poderia provocar cada vez mais violência política real. Na semana passada, foi realizada em Oslo a Conferência Nansen sobre Mudança Climática e Deslocamento, na qual especialistas de diferentes países se reuniram para trabalhar sobre o crescente problema dos refugiados climáticos. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Antonio Guterres, advertiu para duas ameaças: os desastres de evolução lenta, como as secas e a desertificação, que chegam a “um ponto de inflexão no qual a vida e o sustento das pessoas se encontram seriamente ameaçados a ponto de não terem outra opção que abandonar seus lares”, e “os desastres naturais que arrancam de seus lares grandes quantidades de pessoas em questão de horas”.

Uma das principais preocupações é que se negará um refúgio seguro para esses milhões, ou talvez bilhões, que são ou serão deslocadas de suas casas. Como Naomi Klein, uma verdadeira Paula Revere, advertiu recentemente: “A mudança climática é a maior crise de todas, e meu temor é que, se não formos cuidadosos, se não adotarmos uma visão positiva sobre como a mudança climática pode fazer com que nossas economias e nosso mundo sejam mais justos, mais habitável, limpo e equitativo, então essa crise será explorada para militarizar nossas sociedades, para criar continentes fortificados”.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados advertiu também que a maioria dos refugiados climáticos será deslocada em seus próprios países. Basta ir ao Paquistão para ver isso. Há pouco, nos Estados Unidos, as pessoas se viram obrigadas a fugir de tornados no oeste de Massachusetts, de inundações em Iowa e Colorado, e de incêndios florestais no Arizona. Em Washington D.C. e no Texas, os níveis históricos de calor estão ameaçando a vida das pessoas, mesmo que ainda não tenhamos chegado aos meses mais quentes do verão.

Não muito longe de Oslo, em Bonn, Alemanha, mais de 3 mil delegados de 180 países se reuniram para definir um plano de trabalho para a Conferência sobre a Mudança Climática, da ONU, que será realizada em Durban, África do Sul, em dezembro. No discurso que pronunciou no encontro, Tove Ryding, do Greenpeace, disse: “Do que estamos falando aqui é, de fato, de milhões de postos de trabalho ecológicos, de transformar nossas sociedades em sistemas de energia seguros, estáveis e baseados em energia renovável e eficiência energética”.

Essa iniciativa, deixar de depender dos combustíveis fósseis e da energia nuclear para voltar-se á energia renovável, está sendo apoiada por um número de países cada vez maior, especialmente depois do desastre de Fukushima. O Japão acaba de confirmar a fusão dos núcleos de três dos reatores nucleares de Fukushima.

A Suíça e a Alemanha anunciaram que eliminarão progressivamente a energia nuclear. China, Alemanha e Japão, três das cinco economias mais importantes do mundo, estão adiantando-se e investindo na pesquisa e utilização de fontes de energia renováveis. O irrisório financiamento do governo de Obama para pesquisa em energia renovável é obscurecido pelas dezenas de bilhões de dólares em subsídios às indústrias do petróleo, do carvão e da energia nuclear.

O clima mundial está mudando, e os seres humanos são a principal causa. Nós, nos Estados Unidos, o maior contaminador histórico do mundo, levaremos a sério as advertências de nossos Reveres ambientais, ou o céu alvoraçado, como escreveu Longellow, revelará cada vez mais a dor que sente?

Tradução: Katarina Peixoto

 
(*)Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.

 



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Sócrates e a pergunta jornalística


Francisco José Castilhos Karam


Há bem mais de dois mil anos, um filósofo que desconfiava colocou em xeque os discursos unilaterais e os que simulavam a participação de parcela do público de então. O filósofo Sócrates teve de beber cicuta e morrer envenenado por fazer perguntas e discursos incômodos. Dois mil e 400 anos depois, as perguntas incômodas geram processos judiciais em vários pontos do planeta. E jornalistas são condenados, como reparação moral ou financeira e mesmo com detenções ou prisões, a rever ou frear sua forma de atuação e sua arma talvez principal no exercício do ofício: a pergunta.

Quando se fala em Grécia pré e pós-socrática, parece haver uma demarcação que situa diferenças entre um período e outro. Grosso modo, podemos considerar que houve uma mudança de método, e que tal método gerou o fértil campo da desconfiança, embalada pela discussão, pelo debate, por algo que, de forma um pouco exagerada, poderíamos chamar de dialética.

A contraposição socrática aparecia em um mundo rodeado pelos retores. Eram oradores que, por meio de escolas ou de forma autodidata, discursavam sobre o mundo mas não estabeleciam uma espécie de controvérsia. O questionamento, a discussão, a dúvida... a pergunta foram centrais na Grécia pós-socrática. E com ela inaugura-se, no Ocidente, uma forma de lidar com a realidade. Discursar e contrapor. Persuadir e duvidar. Alguns discursam, outros duvidam.

Voz da dúvida

Porque tal comparação aqui, neste espaço? Porque, dois milênios e pouco depois, o jornalismo, tributário de gregos e romanos, estabelece discursos e tenta propor uma controvérsia; fontes declaram e fontes desmentem; especialistas argumentam e outros desconstroem. Por isso, quando se afirma que Sócrates destruía argumentos, não poderemos dizer, ainda, que ele seria um “pai das perguntas”, um “avô do jornalismo”. Mas podemos dizer que deu contribuição significativa para que, a partir de Platão (seu discípulo) de forma mais sistemática, fosse desenvolvido um método dialético de perguntas e respostas, de discursos e de contra-discursos.

Tal perspectiva, embora não nos detenhamos em tratar das diferentes concepções de dialética de Platão a Hegel e Marx, por exemplo, parece estar no centro da palavra e de sua representação. Embora não sejam especificamente nem discípulos formais da Retórica e da Dialética, os jornalistas atuais são tributários delas. A partir da cobertura e da narração de fatos, dispõem-se a ser retores contemporâneos imediatos.

Mas como nem só de Retórica vive a contemporaneidade – e Sócrates já havia sacudido tal certeza – também os jornalistas atuais tentam corresponder a uma expectativa, a de serem os formuladores de perguntas, e sobretudo de perguntas incômodas que sacodem mais ainda as certezas, expõem contradições e ampliam o universo de percepção imediata de fatos, de relatos e de versões. Por isso, a apuração, ainda no ciberespaço que tanto promete liquidar ou diluir a importância do jornalismo, é central na atividade que exige o tempo inteiro do jornalista, especialmente dos repórteres – e sem eles não há jornalismo – a sucessão de perguntas que geram a percepção sobre os acontecimentos.

A cada perseguição de jornalistas, parece corresponder um mérito, o de desafiar poderes e certeza; o de expor dados ocultos relevantes socialmente...

O problema central é quando o jornalista deixar de expor dados por temor de processos ou por conveniência ou vantagens pessoais. Ou quando deixa de ser a voz da dúvida e passa a ser o porta-voz do poder ou da empresa que quer ocultar dados relevantes.

O centro nevrálgico

Quando o ex-ministro Antônio Palocci cai, perguntas ficam no ar: com ele, cai também a estratégia das empresas particulares de achacar o governo ou de chamar ex-ministros para consultorias pagas a peso de ouro em troca do “caminho das pedras”? Assim, junto com as perguntas incômodas que não são feitas, pesa sobre o profissional as respostas incômodas que não são dadas, às vezes porque o profissional não tem condições pessoais de fazê-las, mas sobretudo porque, em muitas ocasiões, é a própria empresa que o contrata que está de braços dados com os interesses dos anunciantes que consultam ex-ministros. Ou os sucessivos processos judiciais constrangem a liberdade de ofício necessária à pergunta.

E isto gera a pergunta pela metade, um sem resposta vazio que povoa as coberturas incompletas, os discursos unilaterais, a apuração capenga. Quem quer tanto consultoria que já não sabe os caminhos? Quer apenas proximidade com o poder e com os núcleos de decisão para daí retirar vantagens particulares.
Além de antijornalísticas, tais coberturas vão atrás apenas do “corrupto” e deixam de lado o “corruptor”, ou seja, aquele que efetivamente leva vantagens mais gerais e causa danos irreversíveis ao sentido público do governo ou do Estado. Faltando perguntas, fica ainda mais fácil faltar respostas. A meia pergunta não serve.
Por isso, o jornalista Luiz Cláudio Cunha, em seu discurso ao receber o título de Notório Saber pela Universidade de Brasília, em 9 de maio de 2011, publicado no Observatório da Imprensa dois dias depois, inicia dizendo que “O jornalismo de excelência se faz com excelentes perguntas” (ver “Todos temos que lembrar“). Como grande jornalista, Cunha segue o fio socrático, e lembra que “a pergunta desafia, provoca, instiga, ilumina a inteligência, alimenta o pensamento”.

O jornalismo, para continuar relevante no século 21 e no ciberespaço, terá de cultivar sobretudo a apuração, ou o que seria o centro nevrálgico inicial de sua atividade: a pergunta. Ou, melhor dizendo, a pergunta incômoda.

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[Francisco José Castilhos Karam é professor na Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS]







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