29 junho 2012

POLÍTICA


Aqui e alhures 

O vale-tudo é mundial




Mino Carta, na Revista CartaCapital



Escolha. Quem aqui é mais esperto? Fotos: Valter Campanato/ABr e Jewel Samad/AFP
É do conhecimento até do mundo mineral que a crise mundial é o efeito anunciado de uma nova religião de origem anglo-americana fiel do deus mercado, chamada neoliberalismo, responsável pelo surgimento de uma oligarquia financeira internacional à qual se sujeitam os governos nacionais. Epicentro do sismo Wall Street, com a inegável participação de outras praças satelitares. Mesmo assim, Obama, imperturbável enquanto o resto dos crentes ainda não abjurou, diz que culpada é a Grécia.
Excluída a possibilidade de que o presidente dos Estados Unidos se refira à inestimável contribuição da antiga Hélade à cultura do mundo, permito-me imaginar Obama dedicado à prática do pôquer. Tão logo lhe seja possível, deveria rumar para Monte Carlo, que de longe prefiro a Las Vegas, de sorte a explorar convenientemente seu talento, tão bem representado por suas faces pétreas. Cito Obama como a enésima prova de que o vale-tudo político não é exclusivo do Brasil.
Diante de uma declaração que esticaria o nariz de Pinóquio até o horizonte, prefiro a última fala de Paulo Maluf: “Perto do PT, hoje eu sou comunista”. Bem mais esperto, ou menos ingênuo, que o presidente americano. A respeito da surtida malufista, leiam Mauricio Dias em sua Rosa dos Ventos. Muitos petistas, aliás, para justificar o acordo Lula-Maluf a favor da candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, apressaram-se a lembrar que Fernando Henrique Cardoso já fez algo similar. Não menos que José Serra contra Marta Suplicy. Ora, ora, não seria lógico que os petistas pretendessem diferenciar-se dos tucanos?
Recordo tempos de patrulhamento feroz organizado pelo PT na oposição, ao defender uma pureza que faltava a todos os demais. A questão discutida na semana passada refere-se ao ritual encenado para sacramentar o entendimento. Assim como faz parte do jogo da política nacional a presença do PP de Maluf na base de sustentação do governo Dilma, o apoio a Haddad cabe na norma, por mais indigesta que pareça. A chamada realpolitik admite concessões, resta ver quais são seus limites.
É da norma, digamos, que os governos chamados a combater a crise tomem medidas que antes de mais nada aproveitam à oligarquia financeira? Até o momento, tudo que se fez não passou disso, e no caso a norma prejudica o mundo. Estamos à espera dos resultados da cúpula da União Europeia, onde se desenha o confronto entre Angela Merkel e François Hollande na esperança da mediação de Mario Monti, singular figura a representar com insólita dignidade uma Itália à deriva, até ontem entregue ao vale-tudo comandado por Berlusconi.
A resistência do euro e o abrandamento sensível de uma política toda voltada para a austeridade teriam efeitos benéficos globais. Contra o vale-tudo dominado pela prepotência e pela hipocrisia. O mesmo vale-tudo que no Paraguai pretende apresentar um golpe de Estado como ato legítimo absolutamente constitucional. Aos meus desolados botões pergunto: qual é a norma? Leio as reações da mídia nativa e lá vou com outra pergunta: e qual é, especificamente, a norma do jornalismo pátrio? Se a norma é a do vale-tudo sem limites, então, meu caro, sossegue seu coração, respondem os botões, entre a melancolia e a irritação.
Derrubar um presidente constitucionalmente eleito em nome da Constituição é o que é, e fica dentro da norma de uma América Latina que permanece bananeira. Quanto aos editoriais dos nossos jornalões, vivem uma norma duradoura há um lustro. Quem estiver em idade adequada e conservar a boa memória, haverá de pensar ter voltado atrás no tempo 48 anos exatos ao tropeçar nas análises da mídia nativa sobre a situação paraguaia. Esforço brutal fiz eu, depois de enfrentar alguns destes textos, para ter certeza de que a data não era um dia de março de 1964. Pois é, pasmem os homens de boa vontade, mas por aqui, pelas redações, a norma ainda é aquela. E só Deus sabe, como diria Armando Falcão, amigão e partícipe da tigrada, aonde seriam capazes de chegar.
De muitos pontos de vista continuamos ancorados no passado. Refiro-me, por exemplo, à chamada, absurda lei da anistia. Um torturador emérito como o coronel Brilhante Ustra tem de ser processado no Cível para ser levado a ressarcir a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e assassinado nas masmorras da ditadura. Lembrei-me de um episódio marcante que remonta a 1977, em plena ditadura, quando os advogados Marco Antonio Barbosa e Samuel McDowell com rara coragem e competência processaram o próprio Estado ditatorial e conseguiram para a família o ressarcimento pela morte de Vlado Herzog em ação cível. Lei imposta pela ditadura não tem valor algum se vigora a democracia, mas ainda há quem discuta se a paradoxal lei da anistia permite demandas no Cível. Pois esta dita lei teria de ser letra morta, mesmo que tenha havido quem a aceitou naqueles tempos em nome de um justificável vale tudo. Ou a democracia, no caso, foi aposentada?




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Coalizão em rota de colisão


Maurício Dias, na Revista CartaCapital
As eleições municipais de outubro podem provocar um abalo mais sério, muito além da incompatibilidade conhecida entre PT e PMDB, com reflexo perigoso na aliança política que forma a base governista no Congresso. A disputa botou os dois partidos em rota de choque.
Com quase todos os candidatos definidos nas capitais e nas grandes cidades, o Partido dos Trabalhadores entra mais uma vez na mira. Desta vez não só é alvo dos adversários como também, e principalmente, do PMDB, um aliado controvertido, mas de peso numérico fundamental para a sustentação de Dilma no Congresso. Uma base, aliás, tão expressiva numericamente quanto instável politicamente.
Dados do crescimento do PT
O crescimento numérico do PT, do piso ao topo da pirâmide partidária, inquieta aliados e adversários. Em evolução constante desde que entrou na competição, cresce velozmente o número de petistas nas prefeituras e nas câmaras municipais, nos governos estaduais e nas assembleias legislativas, no Senado e na Câmara Federal.
Na Câmara, o resultado disso está registrado no avanço da bancada de deputados do PT e do PMDB. A primeira cresce e a segunda declina.
Os peemedebistas saíram da eleição de 1986 com 131 representantes e, em 1990, caíram para 109. O PT saltou de 17 deputados naquele ano para 35 na eleição seguinte. Em 2010, o PT elegeu mais deputados: 88 ante
77 do PMDB (tabela).
“O PT desafia a estabilidade adquirida pelo PMDB ao longo dos anos. Sem chances de disputar a Presidência, o partido controla o Congresso a partir das bases municipais e domina parte da máquina administrativa”, analisa Francisco Meira, do instituto Vox Populi.
Para os petistas tudo começou em 1982, um ano após a fundação do partido. Foi um fiasco. A partir daí, o PT iniciou sua marcha para o poder.
Por injunções impostas pelo regime militar, só houve eleição em 1988. A partir desse pleito, os números foram favoráveis nos municípios e nas disputas legislativas.
“Consolidado o governo central, o PT pode dar mais um passo em 2012 e quebrar a longa hegemonia do PSDB em São Paulo”, lembra Meira.
“Temos de barrar o apetite avassalador do PT”, alertou em São Paulo o tucano José Serra, quando foi oficializada a candidatura dele à prefeitura da capital.
Algumas semanas antes, reação semelhante teve o PMDB. A inquietação do partido está exposta no manifesto assinado pela bancada na Câmara. No texto não há meias-palavras: “Estamos vivendo uma encruzilhada, em que o PT se prepara com ampla estrutura governamental para tirar do PMDB o protagonismo municipalista e assumir seu lugar como maior partido com base municipal do País”.
Em 2008, o PMDB ainda conquistou o maior número de votos, porém, perseguido de perto. Obteve mais de 18 milhões de votos e o PT, pouco mais de 16 milhões.
Naquelas eleições, no entanto, os petistas se viram empurrados para o “fundo do País”. Praticamente metade (277) das 559 prefeituras sob controle do partido está em municípios com população abaixo de 10 mil pessoas. Outras 121 ficam em cidades entre 10 mil e 20 mil habitantes.
Assim, o objetivo agora é conquistar prefeituras em cidades com população acima de 100 mil pessoas. Nelas, essencialmente, são montadas as plataformas de vitória nas eleições legislativas e o consequente domínio do Congresso nacional. É o que o PT quer. É o que o PMDB teme.








POLÍTICA


Dias de fotos emblemáticas, fatos inesperados e o rosnar de pitibuls, quero dizer, dos analistas políticos do Partido da Imprensa Golpista, para os quais, aliás, o presidente do Equador Rafael Correia, em discurso no encerramento da Rio+20 foi brilhante, ao explicar didaticamente para incautos e incultos o significado da guerra silenciosa entre os que querem um mundo melhor e os indefectíveis defensores da treva enfiados nas redações de jornalões, revistões e televisões.

Guerra dissimulada sim, esta que se trava entre o que resta de dignidade ao mundo atual e os pitibuls da mídia nativa e internacional. Mundo em que tudo se transformou e se transforma em mercadoria, principalmente a opinião desses jornalistas pagos para defender os próprios interesses e também os interesses da imprensa “democrática”, isto é, a sua.

Desmascarar os pitibuls e citar-lhes os nomes já não é preciso. Basta, para aqueles que ainda têm estômago, assistir a alguns telejornais, ler três ou quatro pasquins do Rio de Janeiro e São Paulo e duas revistas semanais e está formada a rede de informação que se transformou em partido político de viés direitista e conservador não registrado (ainda) nos Tribunais Superiores Eleitorais.

Esse mesmo partido que acaba de ajudar a “destituir sumariamente” (novo eufemismo para golpe de estado, segundo nota do governo brasileiro) o presidente paraguaio Fernando Lugo.

Numa fotografia amarelada pelo tempo, mas ainda presente nas paredes das salas de latifundiários, especuladores financeiros, empresários de enriquecimento fácil, empresários midiáticos, algumas casernas, altares empedernidos e políticos venais, pode-se distinguir com razoável nitidez as impressões digitais do tal rito sumário: o governo dos Estados Unidos da America e a Igreja, foram os primeiros a reconhecer e apoiar o novo governo paraguaio.

O golpe de estado é, antes de tudo, um câncer que afeta a democracia. Ensaiado há três anos em Honduras dentro de nova configuração política da América Central e do Sul, já que invoca a própria constituição do país em defesa dos interesses golpistas, volta a ser praticado no vizinho Paraguai.
Início de uma metástase? Se assim for, é preciso cortar o mal pela raiz, já.

Não é nada difícil descobrir na constituição de cada país artigos que possibilitem o impeachment de um presidente da república. Ou presidenta.
Toda indecisão, tibieza, vacilo ou indiferença ante o golpe perpetrado em Assunção poderá significar a retomada de um passado que os povos sul americanos gostariam de ver erradicado para sempre. Em particular indígenas, negros, trabalhadores da cidade e do campo, ainda que disto muitos não tenham a consciência política, mas apenas a necessidade orgânica.

Antecedendo ao golpe de estado no início da semana, mas não menos importante, a aliança política com o grande corrupto e financiador da violenta repressão no Brasil dos anos 60, assinada entre o PT e Paulo Maluf não se justifica, quanto a mim, sob nenhuma hipótese. E não me venham para cá com exemplos de realpolitik ou coisa que o valha, pois admito que, em determinadas circunstâncias políticas, se façam alianças entre adversários políticos e mesmo ideológicos. Mas com um homem que é procurado pela Interpol por prática de altíssimo grau de corrupção é um tapa na cara de milhões de brasileiros.

Paulo Maluf desviou para paraísos fiscais milhões de dólares roubados ao povo brasileiro e ajudou a financiar um dos mais violentos aparelhos repressivos no país, a Operação Bandeirante (Oban), que se tornaria o embrião do Doi-Codi, onde se torturou e matou cidadãos brasileiros que um dia lutaram para derrubar a ditadura e pela volta da democracia ao Brasil.

Coisas do passado, já dizem alguns. Até porque, dizem outros, a direita nesse momento se chama José Serra. São coisas do passado?!... Como?!... Coisas do passado?!... Quer dizer, então, que a Comissão da Verdade é mesmo uma brincadeira? Uma areia nos olhos dos ingênuos como eu? Ela também trata de coisas do passado... Se Maluf é coisa do passado e pode ser “perdoado”, os torturadores também podem, por que não? Coisas do passado, pois foram todos anistiados, dizem os ladinos.

E assim corre a noviça democracia brasileira, movida a eleições de dois em dois anos, cuja engrenagem procura compor alianças – a maioria delas espúrias – em nível municipal, estadual e federal. O que esperar do combate a corrupção se na maior capital do país, num estado também campeão na corrupção com seus rodoaneis, metrôs, varrições e privatarias, o partido da mudança estende a mão a alguém que se sair do país é preso pela Interpol? Penso que uma aliança com o PCC de Marcola poderia também ser útil dentro da propalada realpolitik. Ou ele já está comprometido com o outro candidato?

Esse jeitão de fazer política enfraquece a democracia, pois consolida em milhares de eleitores a certeza de que os políticos são todos ‘farinha do mesmo saco’. E democracias enfraquecidas se tornam um prato cheio para aventuras golpistas. Honduras, Paraguai, nuvens escuras em horizontes bolivianos e a hidra tenta botar a cabeça de fora. Quem paga para ver? A realpolitik?

Espero, sinceramente, que Fernando Haddad vença as eleições para a prefeitura de São Paulo. Se assim for, com toda a certeza isso não terá sido pela aliança com o PP de Maluf. Esta, a aliança, manchará a biografia do ex-presidente Lula para sempre, queriam ou não os defensores da realpolitik. E não adianta tampar o sol com a peneira.

Repito aqui uma das minhas frases favoritas e que foi enunciada pelo grande Albert Einstein: “a grande diferença entre um estúpido e um gênio, é que o gênio tem seus limites”.



Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.


Fonte: www.cartamaior.com.br 











TSE libera conta suja. E tome porcaria. 


DATAFOLHA: fotos, símbolos e caricaturas


Saul Leblon, na Agência Carta Maior



O Datafolha entregou os números que as manchetes da Folha, sobre a aliança PT/aluf, cuidaram de induzir cuidadosamente durante os sete dias que antecederam a sondagem. O intervalo cobre o período que vai da publicação da polêMmica foto do encontro entre Lula, Haddad e Maluf, selando o apoio do PP ao candidato petista, e a ida à campo dos pesquisadores. Aos resultados: "64% dos petistas rejeitam apoio de Maluf", diz, cheio de gula, o jornal da família Frias, em título de seis colunas, da edição desta 4ª feira. Mas a pesquisa revela também nuances não previstas e pouco destacadas pelo jornal. Em parte, porque sujam a narrativa maniqueísta da 'desilusão petista' mas, sobretudo, pelo que revelam da correnteza submersa, a comprimir o favoristimo quebradiço e engessado de José Serra.

"64% dos petistas rejeitam apoio de Maluf", diz, cheio de gula, o jornal da família Frias, em título de seis colunas, da edição desta 4ª feira. Mas a pesquisa desta seman do Datafolha revela também nuances não previstas e pouco destacadas pelo jornal. Em parte, por certo, porque sujam a narrativa maniqueísta da 'desilusão petista' mas, sobretudo, pelo que revelam da correnteza submersa, a comprimir um favoristimo quebradiço e engessado de José Serra. Por exemplo: a) para 50% dos entrevistados pelo Datafolha, o apoio de Maluf (do qual podem até não gostar) é indiferente ou benéfico a Haddad; b) 36% votariam no candidato indicado por Lula; c) só 21% sabem que esse candidato é Haddad; d) a defasagem de 15 pontos, mais os 6% atribuídos ao petista pelo Dafolha reduzem a 10 pontos a distancia atual entre Haddad e Serra; e) Serra não sai do degrau de 30% de votos, mas evolui com desenvoltura no quesito rejeição --ela já era alta e saltou de 32% para 35%, num intervalo inferior a duas semanas, em julho. A de Haddad, ao contrário, é baixa (12%) e estável
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Fotos, símbolos e caricaturas

Muitos gostariam que a foto polêmica em que Lula e Haddad posam ao lado de Maluf simbolizasse a essência daquilo que o PT, Lula e Maluf representam para a história política brasileira. Uma gigantesca engrenagem foi posta a serviço dessa tese. A pesquisa do Datafolha faz parte desse mutirão. Egos foram atiçados. Durante dois dias seguidos, após a divulgação da polêmica fotografia, martelou-se a sentença irrecorrível: a imagem era o ultra-som de uma degeneração terminal que destruía por dentro o principal partido progressista brasileiro e sua liderança máxima.

Uma técnica usual na mídia consiste em blindar 'denúncias' contra qualquer arguição vitaminando-as através de uma implacável imersão da opinião pública em declarações reiterativas.

No caso da foto, o esforço anestesiante ganhou um reforço imediato de grande impacto: a deputada Luiza Erundina, ela mesma um símbolo de retidão e dignidade na política, reagiu à pressão do rolo compressor renunciando ao posto de vice na candidatura Haddad à prefeitura de São Paulo. Seu gesto e sucessivas declarações a uma mídia sequiosa foram incorporados à espiral condenatória dando-lhe um torque quase irrespondível nas primeiras 48 horas pós 'flagrante fotográfico'.

Aos poucos, porém, surgiram fissuras. O PT e Lula estão presentes na história e no imaginário do país há quatro décadas. Ambos são filhos do capitalismo brasileiro, cuja principal singularidade foi assentar a supremacia de uma elite indigente na mais desigual estrutura de distribuição de renda (e de poder) existente no planeta. O PT decidiu, e conseguiu, assumir o governo dessa sociedade com a promessa de transformá-la.

O compromisso de torná-la mais justa, inclusiva e democrática, dentro dos marcos institucionais disponíveis (o que não o exime de ampliá-los, por exemplo, no acesso à comunicação) levou-o a um mergulho no moedor de carne de concessões e recuos impostos pela exigência da governabilidade, ao preço, entre outros, de um certo grau de desfiguramento orgânico e partidário. Ainda assim, o partido obteve um voto de confiança das grandes maiorias para testar a sua aposta em 2002, 2006 e 2010.

Há resultados eloquentes que explicam a renovação desse pacto eleitoral. São avanços conhecidos; alguns, objeto de controvérsia quanto à consistência estrutural; outros, ainda por demais tímidos para reverter desequilíbrios aterradores, como o acesso e a qualidade da saúde e da escola pública. Mas a percepção vivenciada e majoritária da população concede a Lula e ao PT que o Brasil é hoje, após 10 anos sob seu comando, o país menos desigual da sua história de 500 anos --380 dos quais em regime de senzala e casa-grande. O recuo da taxa de pobreza no país, de fato, foi notável no período: uma redução da ordem de 15 pontos percentuais, caindo de 39% da população, em 1999, no fim do segundo governo tucano, para 23,9%, em 2009, no crepúsculo do ciclo Lula. A renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu 7%ao ano entre 2001 e 2009;entre os 10% mais ricos a taxa foi de 1,5%. Tudo somado, 30 milhões de brasileiros deixaram a pobreza brava nesse meio tempo.


Teve um custo. Não se espere querubins egressos dessa descida ao inferno implícita numa aposta de transformação progressiva da senzala em cidadania, sem ruptura abrupta com a casa-grande. O desfibramento intrínseco da militância a partir dessa experiência, ancorada mais em eleições e acordos de cúpula do que em mobilizações --exceto nos momentos críticos-- produziu um legado de paradoxos de peso histórico ainda não totalmente mensurável. Inclui-se nessa contabilidade de perdas e danos, por exemplo, a esquizofrênica dualidade de um PT que defende a democracia participativa , mas tem dificuldade de vivenciá-la internamente.

Maniqueísmos religiosos ancorados em símbolos fáceis não ajudam, porém, a entender e nem a intervir na história. Nenhum partido de esquerda passou pelo teste do poder impunemente. O desgaste está implícito num aparelho de Estado quem longe de ser 'imparcial', está organizado para dinamitar projetos que afrontem a lógica dominante e premiar, em contrapartida, políticas 'amigáveis e quadros 'complacentes'. Po risso o Banco Central --'independente'-- funciona e as políticas sociais, assim como os investimentos públicos em educação, saneamento, saúde e habitação tem dificuldade para deslanchar. Lula deixou oito anos no comando desse paradoxo com 80% de apoio popular, marca inédita, exceto talvez se comparada à catarse em torno de Vargas, após o suicídio em 1954.

O PT , sim, o partido desfibrado, burocratizado, espelho da sociedade que representa, cuja vida interna e inquietação intelectual às vezes lembram o eletrocardiograma de um morto, é o preferido por cerca de 1/3 dos brasileiros -- tem 28% das preferências; o PMDB vem em seguida com 6%; o PSDB, apesar da superexposição que a Folha --e o Datafolha-- lhe concede, de forma sempre isenta, obtém ralos 5% da aceitação. Os dados, extraídos de um levantamento recente feito pela Vox Populi, indicam ainda que 70% dos brasileiros enxergam no PT um partido moderno e comprometido com os pobres; 66% veem nele um partido que busca políticas que atendam ao interesse da maioria da população (apenas 16% discordam disso e enxergam no partido a força ultrapassada -- 'degenerada'-- que as perguntas do Datafolha desta 4ª feira buscam induzir e calcificar).

Voltemos à fotografia polêmica. Martelada em 48 horas de bombardeio intenso, a imagem teve o apoio reiterativo da sempre digna deputada e socialista Luiza Erundina, para assumir a dimensão de um testamento ejetado do fundo da cova petista.

A esférica blindagem em torno dessa tese enfrentou, após o desconcerto inicial, uma avalanche de fissuras em blogs e sites progressistas (leia por exemplo a enquete realizada pelo blog do Emir, nesta pág). O que se constatou, então, é que a aliança com o PP, embora questionada na forma --o que foi reafirmado pelo Datafolha-- não fora percebida como uma renúncia ao espaço ocupado pelo PT na história brasileira. Mais que isso. Embora a contragosto, a mídia foi obrigada também a reconhecer certas nuances entre o 'símbolo definitivo' que saboreou com gula inicial e a visão da própria deputada Luiza Erundina. Passado o gesto abrupto, a ex-prefeita de São Paulo tirou uma a uma as escoras da versão que ajudara a construir. Mais atenta ao uso de sua credibilidade, matizou em divergência de forma uma reprovação que não se estendia nem ao candidato,nem a campanha e tampouco à aliança com o PP.

Erundina, a exemplo dos 70% que enxergam no PT e em Lula referências antagônicas às forças e projetos que acompanham Paulo Maluf, sabe que ambos são imiscíveis historicamente, ainda que interações secundárias possam ocorrer no jogo eleitoral. Erundina sabe, ademais, que Lula não trocou a sua história por 90 segundos, como regurgitaram sebosamente os editoriais e colunistas de sempre. Lula foi em busca de um fator essencial a um candidato ainda desconhecido por 55% dos eleitores de São Paulo. E não só para adicionar-lhe 90 segundos de exposição, mas para evitar que esses 90' fossem para o candidato Serra, que ficou irritadíssimo com Alckmin por ter 'deixado escapar o Maluf',como confidenciou ao Terra Magazine um tucano capa preta menos hipócrita.

Lula raciocinou com base na matemática dos confrontos diretos: "tirar 90' do Serra e acrescentar 90' a Haddad significa virar 3 minutos". Foi isso. "Virar 3 minutos" em troca de um cargo subalterno no plano federal, sob o comando rígido de Dilma Rousseff. "Não muda uma vírgula", disse o secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, "na hegemonia da aliança. Tampouco no programa de Haddad para São Paulo". Justiça seja feita, a recíproca é verdadeira;e significativa: a foto não reflete igualmente o presente, o passado ou o futuro do próprio Maluf que --os críticos da aliança afirmam, com razão--, continua sendo quem sempre foi. Seria esse diagnóstico válido apenas
a um dos lados da equação?

A imagem, na verdade, é caricata; acentua aspectos reais do jogo eleitoral ao qual o PT aderiu há mais de três décadas-- com os resultados medidos pela pesquisa Vox Populi. Mas não tem a força simbólica que o dispositivo midiático conservador pretende atribuir-lhe, para jogar a pá de cal da 'desilusão' petista que o Datafolha busca agora colher com o senso de oportunidade de um engajamento conhecido.

A ante-sala do julgamento do chamado 'mensalão' -- empurrado em rítmo paraguaio pela mídia conservadora para coincidir com a campanha municipal deste ano-- explica em boa parte esse esforço de reportagem em torno de uma fotografia de dimensões elásticas. Uma, pouco destacada, é que ela acrescenta ao PT 90 segundos de fôlego para se defender de uma previsível identidade narrativa, a emendar o noticiário do Jornal Nacional sobre o julgamento do 'mensalão' e a campanha tucana na TV. É esse esforço de vida ou morte para não perder São Paulo e não enterrar Serra na urna de mais uma derrota para o partido de Lula, que deu à imagem a densidade de um símbolo de significado incontestável, que ela de fato não tem.







ECONOMIA E JORNALISMO







O CHABU DE EIKE BATISTA


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa





O inferno astral do empresário Eike Batista foi estampado nas primeiras páginas dos jornais brasileiros de sexta-feira (29/6). Suas empresas perderam cerca de R$ 23 bilhões em valor de mercado em um ano, e passam por uma grave crise por conta de notícias frustrantes sobre o potencial de produção do primeiro campo de petróleo da OGX, uma das estrelas de sua constelação de empreendimentos ousados.
Alguns analistas se questionam se Batista estaria sendo punido justamente por sua ousadia, mas tudo indica que ele está mesmo é sendo fustigado pela realidade. Os jornais se referem a uma “crise de confiança” que teria devastado a posição da OGX no mercado de ações, provocando uma desvalorização de mais de R$ 13 bilhões em apenas dois dias. Mas não há comentários (pelo menos até onde este observador pode verificar) sobre as expectativas que se criaram ao longo do tempo em torno de suas iniciativas de negócio.
Nos primeiros testes de produção do campo de Tubarão Azul, na Bacia de Campos, sob sua concessão, a OGX anunciou a possibilidade de vazão de 20 mil barris diários de petróleo. Naquela ocasião, cinco meses atrás, a notícia foi recebida como mais uma proeza pessoal de Eike Batista. Atrás do foguetório da imprensa, o entusiasmo dos investidores inflou o valor das ações.
Perdas bilionárias
Nesta semana, quando saíram os resultados do teste de longa duração, a direção da empresa se viu obrigada a rever essas perspectivas, frustrando o mercado. O resultado foi um movimento contrário da manada, que derrubou a confiança e levou os investidores, em massa, a tentar se livrar dos papéis.
Eike Batista demitiu imediatamente toda a direção da OGX, embora se saiba que os executivos não tinham outra alternativa a não ser divulgar os números corretos, sob pena de serem responsabilizados legalmente.
O campo de Tubarão Azul é o único entre os empreendimentos de Batista que produz petróleo – comentaristas maldosos dizem que os demais produzem notícias – e seus resultados iniciais representavam o ponto de apoio para a manutenção do bom ânimo diante das iniciativas do empresário.
Mas em vez dos 20 mil barris diários, os poços verteram apenas a média de 5 mil barris por dia. Por contaminação, o pessimismo afetou todas as demais empresas de Eike Batista, que são conhecidas por apresentar sempre a letra X em suas siglas, aumentando uma bola de neve que vinha rolando ladeira abaixo há quase um ano.
No total, segundo uma consultoria citada pela imprensa, o conjunto dos empreendimentos de Batista listados em bolsa de valores já perdeu R$ 23 bilhões em um ano. Somente em um dia, na quinta-feira (28/6), Eike Batista perdeu quase R$ 5 bilhões de seu patrimônio pessoal avaliado em R$ 44,3 bilhões, caindo do 21º lugar para o posto de número 28 na lista dos homens mais ricos do mundo, segundo a agência Bloomberg.
O “X” da questão
Não é uma questão de causar pena. Trata-se, na verdade, de um caso exemplar em que o noticiário sobre negócios contribui para produzir um cenário de fantasia em torno dos heróis do capitalismo nacional.
O Brasil sempre precisou de porta-bandeiras, como se a nacionalidade tivesse que se exibir em um desfile permanente de triunfos. Das conquistas nos esportes ao recente desempenho na economia, o orgulho brasileiro necessita de ícones, e a imprensa sempre esteve disponível para expô-los em manchetes. Seja Eike Batista ou Romarinho, o novo herói do futebol, estamos sempre em busca de um campeão.
Mas o mercado não pode viver eternamente de boas notícias, reais ou manipuladas por assessores de imprensa competentes. Em algum momento, as promessas têm que virar lucro que possa ser demonstrado nos balanços. No momento de entregar resultados concretos, a realidade cobra seu preço com os juros produzidos pela expectativa.
A demissão da diretoria da OGX, ação tomada imediatamente por Batista para tentar conter a onda de pessimismo, soa como o costume atribuído a antigos imperadores, de matar o mensageiro que porta más notícias.
Mas para o serviço ficar completo, seria preciso cortar também as cabeças de tantos colunistas e articulistas que até aqui vinham tratando Eike Batista como uma espécie de rei Midas, portador de um misterioso mapa de jazidas cuja origem ninguém tem coragem de esclarecer.













POLÍTICA

AMÉRICA DO SUL







Mercodilemas, mercosurpresas

A reunião de chanceleres do Mercosul começou com um um fato previsível e uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para registrar a repulsa sulamericana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante do Mercosul. Guimarães vinha, há algum tempo, expressando seu descontentamento com a consistência do Mercosul. O bloco sulamericano enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise do Paraguai mostra com toda sua crueza. O artigo é de Martín Granovsky.

(*) Leia aqui o relatório final de Samuel Pinheiro Guimarães ao Conselho de Ministros do Mercosul, apresentado em Mendoza, em 27 de junho de 2012.

Buenos Aires - A cúpula que reuniu os chanceleres do Mercosul começou com um fato previsível e uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para registrar a repulsa sulamericana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante do Mercosul (chefe máximo com missões de negociação). Diplomata de carreira e filiado ao Partido dos Trabalhadores, Pinheiro Guimarães foi vice-chanceler e Secretário de Assuntos Estratégicos, com status de ministro, durante os oito anos do governo Lula.

O seu descontentamento pela escassa consistência do Mercosul não é novo. Ele havia manifestado isso na forma que o faz um diplomata, ou seja, dizendo que seria bom incorporar um maior nível de intercâmbio social e político, assinalando assim que a coesão não era o forte do mercado comum. Também comentou a falta de políticas específicas para os dois países menores do bloco, Paraguai e Uruguai.

Segundo o que o Página/12 conseguiu levantar, a oportunidade escolhida por este diplomata com peso intelectual próprio não entusiasmou nem ao governo brasileiro nem ao argentino. No caso brasileiro, aliás, não simétricas as expectativas de Pinheiro e as do governo liderado por Dilma Rousseff sobre os planos concretos e a autonomia prática do alto representante. De todo modo, considerado inclusive a crise menor dentro da crise maior, a renúncia dentro da interrupção da ordem institucional em um dos quatros membros, serve para uma reavaliação geral do tabuleiro.

Em 1991, a constituição do Mercosul em meio a regimes neoliberais diluiu a coordenação política prévia entre a Argentina e o Brasil e deu uma ênfase comercial a uma relação econômica que se baseava na integração administrada de setores produtivos. A coordenação dos tempos de Raúl Alfonsin e José Sarney voltou com Lula e Néstor Kirchner, e prossegue. Brasil e Argentina, apesar de terem hoje uma disparidade em tamanho relativo maior do que a que havia em 1985, apresentam uma sintonia política muito fina sobre a América do Sul e sobre o mundo e o volume de seu comércio é hoje três vezes maior do que em 1991.

Por outro lado, não conseguiram resolver a situação do Uruguai e do Paraguai, países que não têm semelhanças políticas, econômicas e institucionais. Por exemplo, o Uruguai é uma democracia consolidada e o Paraguai nunca terminou de estabilizar o regime constitucional que começou com a derrubada de Alfredo Stroessner pelo general Andrés Rodríguez em 1989. O establishment paraguaio agita esse tema agora com picardia. Dirigentes brancos e colorados sustentam que não importa que o Mercosul castigue o Paraguai pois isso acontece desde sempre.

A picardia consiste em basear um argumento com fundamentos em partes reais para encobrir a estratégia de que não ocorreu nada de mais. É um modo de reagir ao isolamento político do governo de Federico Franco, após a destituição relâmpago de Lugo. Relâmpago nas formas finais, é claro, porque antes 23 tentativas de impeachment, que se tornavam mais frequentes quanto maior era a debilidade político do ex-bispo.

É improvável que o Mercosul decida por um bloqueio econômico e comercial. Primeiro, porque os vizinhos, Argentina incluída, disseram que descartam essa possibilidade. E segundo porque, se quisessem, não poderiam fazê-lo. Como seria possível bloquear uma economia porosa onde pesa o contrabando? Como desconectar um país de onde vem 15% da energia elétrica argentina e 20% da brasileira?

O Mercosul enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise do Paraguai mostra com toda sua crueza. Neste ponto, crescem as chances de ingresso como membro pleno da Venezuela, como informou o Página/12, ainda que não se saiba de por via da suspensão de direitos do Paraguai, cujo Senado vinha trancando a entrada, ou mediante uma mudança no regulamento de incorporação de novos membros, mecanismo já acordado por sugestão feita na cúpula anterior pelo presidente uruguaio José “Pepe” Mujica.

Também neste ponto se entendem melhor os motivos da construção da Unasul, uma forma de integração política em primeiro lugar a partir dos chefes de Estado, que não abriga só os simpáticos a Lugo, mas, em geral, os afins às regras da democracia. Lugo é um espelho no qual nenhum presidente, de Hugo Chávez e Sebastian Piñera, desejaria se enxergar.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


Fonte: www.cartamaior.com.br 




INTERNACIONAL

NA ZONA DO EURO









NA MESMA NOITE, DUAS DERROTAS
DA ALEMANHA


Flávio Aguiar, de Berlim





Berlim - Enquanto a hiper-confiante equipe da Alemanha, comandada por Joachim Löw, naufragava perante a hiper-sagaz equipe italiana, em Varsóvia, na Eurocopa 2012, uma outra hiper-confiante equipe alemã começava a naufragar perante uma outra equipe, também capitaneada por um italiano, a 1160 km. de distância, em Bruxelas. Tratava-se da equipe do governo alemão capitaneada pela chanceler Angela Merkel.

A idéia de Merkel e sua equipe era sair da cúpula da União Européia com a aprovação do chamado “pacote de crescimento” acordado na sexta-feira da semana anterior em Roma (logo antes da chanceler ir à Polônia assisitir a vitória da Alemanha sobre a Grécia por 4 x 2), de 130 bilhões de euros, entre ela, François Hollande, Mario Monti e Mariano Rajoy, sem fazer mais concessões quanto ao tipo de ajuda e a natureza dos empréstimos.

Entretanto Mario Monti, o tecnocrata posto em Roma depois da deposição de Berlusconi pelo comando da União Européia e a artilharia da Zona do Euro, bloqueou o movimento. E foi secundado por Mariano Rajoy, ambos em revolta contra a posição fechada da chanceler alemã. Os motivos desta eram óbvios: no dia seguinte, sexta à tarde, ela deveria comparecer perante o Bundestag, em Berlim, para comandar a aprovação dos pacotes fiscal e de ajuda acordados meses antes, sob sua liderança férrea e ferrenha. Queria fazer isso apresentando a mesma imagem de força que vem caracterizando sua atuação na União Européia e na Zona do Euro.

Mas Monti declarou – e foi apoiado por Rajoy – que só aprovaria o novo pacote se houvesse garantia da mudança nas regras dos novos empréstimos, a saber, permitir que o Banco Central Europeu empreste dinheiro diretamente aos bancos naufragados ou adernados, sem passar pelos governos envolvidos. Esse movimento envolve uma mudança nos poderes da chamada Troika (Banco Central Europeu, Comissão Européia e FMI), pois com o empréstimo direto aos bancos evita-se que ela monitore a adoção de medidas mais draconianas, restritivas e recessivas pelos governos dos países envolvidos. Outra mudança exigida por Monti era a de flexibilização dessas medidas ditas de “austeridade”, sufocantes de governos, orçamentos, países e povos, além da promessa de atuação mais efetiva do BCE no sentido de baixar os juros das rolagens da dívida pública italiana, e, por tabela, da espanhola também.

Merkel se mantinha firme na negativa, enquanto estava previsto que pelas 10:30 (hora em que a equipe alemã agonizava em Varsóvia) Hermann van Rampuy, o presidente do Conselho Europeu ali reunido, daria uma entrevista coletiva sobre o andamento das negociações. Segundo a Spiegel International, nessa altura, Merkel sugeriu que Rampuy anunciasse que havia acordo quanto ao “pacote de crescimento”, sem fazer referência ao resto. Neste momento, François Hollande, que também favorecia a posição de Monti, se interpôs e aconselhou Rampuy a dizer “a verdade”. Este assim procedeu, anotando o primeiro gol contra a meta de Markel, anunciando que havia a oposição condicionada de “dois países” quanto à aprovação do dito pacote, sem mencionar quais eram.

A discussão prosseguiu, num tom acre, segundo os relatos. Tão acre, parece, que lá pela meia-noite, enquanto havia comemorações em Roma e lágrimas em Berlim, os demais países da UE, que não pertencem à Zona do Euro, se retiraram, indo seus representantes para os respectivos hotéis ou delegações. Com o círculo reduzido, ele se apertou mais em torno da chanceler, que começou a dar sinais de capitulação, mas esta ainda era contida por membros de sua equipe, que insistiam na necessidade de não ceder. Compreende-se a preocupação destes: com novas condições aprovadas para Itália e Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal vão insistir mais ainda na revisão das suas.

Por fim, lá pelas 4 da manhã (11h da noite em Brasília) veio a já esperada capitulação, e Rampuy pode então fazer o anúncio de que o pacote fora aprovado conjuntamente com a adoção de novas regras para o socorro ao euro. Também houve a aprovação de um controle fiscal maior de Bruxelas, Estrasburgo (sede do Parlamento Europeu) e Frankfurt-am-Main (sede do B CE) sobre os bancos europeus, cujas regras deverão ser definidas até o final do ano.

No momento em que escrevo este relato, ainda não se sabe como a chanceler vai sar dessa, nem o que fará, exatamente, perante o Bundestag. Mas se sabe que as coisas não serão mais exatamente como estavam previstas para ser. Nem em Bruxelas, nem em Roma, nem em Berlim. Nem na Eurocopa tampouco.



Fonte: www.cartamaior.com.br 










ECONOMIA

A economia não é de Marte e nem a
política é de Vênus





(*) Publicado originalmente no Jornal do Conselho Regional de Economia – RJ

Em 1º. de setembro de 2011, o Banco Central brasileiro iniciou uma trajetória de queda da taxa básica de juros (Selic), após cinco aumentos nos meses anteriores. O indicador havia batido os 12,5% ao ano e veio baixando até atingir 8,5% no último dia 30 de maio. Descontada a inflação, temos uma taxa real de 2,8%, a mais baixa das últimas décadas, mas a terceira maior do mundo.

A fixação da taxa de juros no Brasil não é decisão da esfera econômico-financeira e muito menos uma medida técnica. Trata-se, acima de tudo, de uma diretriz política, própria da disputa de ganhos e perdas na sociedade.
Historicamente os juros são altos no Brasil. Depois da criação do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no final de junho de 1996, o país já conviveu taxas de 45% ao ano, deliberada na reunião de 4 de março de 1999.

Estávamos no clímax da crise que quebrou o padrão inicial do Plano Real, baseado na âncora cambial.

As deliberações do Comitê sobre o percentual das taxas nunca estiveram confinadas na seara técnico-administrativa. A política sempre dominou tais decisões, muito embora essa característica não se expresse claramente. É o caso do auge da propalada autonomia do Banco Central, diretriz que tinha como fim único e exclusivo a busca pela estabilidade de preços, desvinculada da variável do crescimento econômico. Este último estaria ancorado na economia real, no âmbito da produção (oferta e demanda) e de possíveis incentivos fiscais e iniciativas compensatórias.

Ou seja, na prática a idéia pressupõe a completa separação entre economia e política. A primeira regularia fundamentalmente a moeda e a segunda o desenvolvimento.

Liberal conservador
A separação entre as duas matérias é uma das teses mais caras ao pensamento liberal conservador. Sua primeira formulação é creditada ao economista francês, Jean-Baptiste Say (1767-1832). Na obra Tratado de Economia Política, escrita em 1803, Say colocou no papel teses repetidas à exaustão nos séculos seguintes:

“Durante muito tempo, confundiu-se a Política propriamente dita, a ciência da organização das sociedades, com a Economia Política, que ensina como se constituem, se distribuem e se consomem as riquezas que satisfazem as necessidades das sociedades. Entretanto, as riquezas são essencialmente independentes da organização política. Desde que bem administrado, um Estado pode prosperar sob qualquer forma de governo”.

A noção de que seria possível dissociar economia e política alcançaria seu melhor momento no início dos anos 1990, através de um best-seller internacional que apresentava ares de grande Ciência. Trata-se do conhecido O fim da história e o último homem, do sociólogo norteamericano Francis Fukuyama. Sua tese principal é a de que o capitalismo e a democracia liberal representariam o ápice da história humana. Não haveria espaço para qualquer alternativa, tanto no terreno da política, quanto no da economia. Possíveis mudanças sociais seriam, dali por diante, gradativas e sem sobressaltos qualitativos. O poder político deveria se voltar para atributos como eficiência, qualidade de gestão e métodos administrativos enquanto a área econômica correria por conta do livre mercado.

Autonomia do BC
Quando o governo brasileiro radicalizou a busca pela estabilidade monetária, a partir da crise de 1999, com a adoção do regime de metas de inflação, a decorrência lógica da medida foi conceder a mais ampla independência às ações da autoridade monetária. A solução institucional encontrada foi a “autonomia operacional” do Banco Central, saudada em prosa e verso como a oitava maravilha do mundo.

Formalmente o Brasil não adota tal diretriz. Mas na prática – e em especial nos dois mandatos do ex-presidente Lula – a instituição conheceu uma autonomia quase completa em relação ao poder executivo. Na prática isso representa sacramentar o divórcio entre gestão política e econômica no âmbito governamental

É bom ressaltar que, no jogo bruto das pressões e contra pressões sociais, não existe autonomia pura. Ou o BC é dependente do governo ou do mercado. A autonomia ou independência tão em voga representa na prática privatizar a autoridade monetária. Apesar de isso tudo, a dissociação entre política e economia não se realiza. É algo impossível de se obter, pois toda ação governamental – ou que afete toda a sociedade – é, por definição, política. Entregar a gestão do BC ao mercado é uma opção de política econômica.

Para que serve então o discurso da cisão entre as duas áreas? Serve para tirar a economia do horizonte da disputa social. Assim, mesmo que uma força ou partido político diverso daquele que está no poder seja eleito, as mudanças pretendidas não devem alcançar o mundo da economia. A política seria o território das paixões, do populismo, das negociatas e de toda sorte de falcatruas. A economia aparece assim como a seara limpa da responsabilidade e deve ser dirigida por homens que não sejam vulneráveis às pressões de momento. Ela demandaria conhecimento especializado e um saber técnico que escapa à maioria das pessoas.

Se as medidas são técnicas, não há ganhadores ou perdedores com sua adoção. Elas seriam estéreis politicamente e não caberia discuti-las.

Com isso, busca-se retirar o debate econômico – e no caso atual, aquele sobre as taxas de juros – da esfera pública e confiná-lo ao círculo restrito dos agentes do mercado. Em outras palavras, a “tecnicização” do debate econômico serve essencialmente para não democratizá-lo.

Esvaziar discussão
Assim, os ganhos reais obtidos pelo mercado financeiro e pelos setores rentistas com as altas taxas de juros e com os brutais spreads bancários verificados no Brasil não teriam razão aparente. Esvazia-se a discussão sobre o caráter de transferência de renda assumido pela taxa de juros e o alto grau de subjetividade que baliza as reuniões do Compom, mesmo quando se levam em conta variáveis empíricas.

Naturaliza-se a existência de um capitalismo sem riscos. O sistema bancário brasileiro tem sua rentabilidade assegurada pela compra de títulos da dívida pública (cujo patamar básico é a Selic), nos altos spreads cobrados na concessão de crédito e nas tarifas abusivas.

Se nos fixarmos no pagamento de juros da dívida pública, vale citar uma cifra conhecida. Somente no ano passado, foram transferidos dos cofres públicos cerca de R$ 235 bilhões destinados à remuneração dos detentores de títulos da dívida pública.

Assim, não surpreende que os bancos apresentem aqui lucros recordes, mesmo durante a crise de 2008-2009. O montante drenado anualmente pelo Estado ao sistema financeiro equivale a quase dozes vezes o que o governo FHC destinou a esses mesmos setores sob a rubrica do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), entre 1995 e 1999. O programa injetou cerca de R$ 20 bilhões, a preços da época, em bancos em dificuldades. A oposição à época fez vivo escândalo sobre o tema.

Taxas em queda
A queda da taxa de juros dos últimos meses foi possível porque o governo federal decidiu reduzir – também de maneira informal – a autonomia operacional do BC. Agora a instituição subordina-se mais claramente às diretrizes oficiais de matriz anticíclica que envolvem desonerações tributárias, expansão creditícia e aumento do salário mínimo. O objetivo é tentar evitar que os efeitos da crise sejam danosos à economia nacional. A volta da inflação, propagada pelo mercado financeiro e seus repetidores na mídia, não aconteceu.

O governo tenta minorar seus próprios estragos, após ter tentado – e conseguido – desacelerar a economia durante os primeiros oito meses de 2011. Como se recorda, além dos já mencionados aumentos dos juros em 2011, foi realizado um corte orçamentário de cerca de R$ 50 bilhões, repetido no início de 2012.

A queda mais efetiva e prolongada dos juros para patamares reais abaixo de 1% só acontecerá com a construção de uma vontade nacional nessa direção, que se transforme em força social. Isso passa por retirar o debate de sua torre de marfim técnica e colocá-la em seu devido lugar, no terreno da política, sob os holofotes e a compreensão da opinião pública.



Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).






FUTEBOL E RACISMO


Jogador negro é comparado a King Kong



Gianni Carta, na Revista CartaCapital 

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Balotelli (à dir.) disputa lance com Ashley Cole, da Inglaterra. Foto: Damien Meyer / AFP
Balotelli (à dir.) disputa lance com Ashley Cole, da Inglaterra. Foto: Damien Meyer / AFP
Em cima do Big Ben jaz Mario Balotelli, o atacante da equipe italiana de futebol. Ele não desfere bofetadas em aviões como King Kong no topo do arranha-céu novaiorquino Empire State Building, mas chuta bolas de futebol.
É o que vemos na inoportuna caricatura de Valerio Marini na edição de terça-feira do diário italiano Gazetta dello Sport.
Segundo Marini, a ideia era mostrar Balotelli, que joga pelo Manchester City, a dominar a equipe inglesa nas quartas de final da Eurocopa, ou Copa da UEFA, a competição entre clubes europeus. Isso no domingo, em Kiev, quando os italianos venceram os ingleses nos pênaltis.
Marini não convence.
E nem os editores do Gazetta dello Sport, diário de maior tiragem da Bota. Eles publicaram as seguintes linhas: “Nesses tempos precisamos ser mais cautelosos e moderados, mas sempre lutamos contra o racismo, sempre julgamos inaceitável quando Balotelli é vaiado”.
No entanto, Marini e o diário sequer pediram desculpas a Balotelli pela infeliz caricatura.
Balotelli, nascido em Palermo e adotado aos dois anos por uma família italiana, é o primeiro jogador negro da equipe nacional italiana. Costuma provocar controvérsia por onde passa, mas ao mesmo tempo esse filho de pais biológicos ganenses é sempre vítima de ataques racistas.
Na primeira vez em que adentrou o campo com uma camisa da equipe nacional italiana num jogo contra a Romênia leu numa faixa: “Não para um time multiétnico”.
Na Eurocopa torcedores espanhóis e croatas fizeram imitações de macaco ao ver Balotelli. Um croata jogou uma banana em campo.
Balotelli avisou antes do evento que sairia de campo se fosse vítima de ataques racistas. Michel Platini, presidente da União das Federações Europeias de Futebol (UEFA, na sigla em inglês), retrucou: “Se ele fizer isso receberá cartão amarelo”.
Platini deixou transparente que o racismo não será erradicado do futebol europeu.



22 junho 2012

POLÍTICA


Lamentáveis peculiaridades



Mino Carta, na Revista CartaCapital

Raro exemplo. Erundina, honrada e coerente. Foto: André Dusek/AE
Se Paulo Maluf fosse de outra terra, já estaria há tempo na cadeia, ou teria sido trucidado pela turba enfurecida, ou teria sido pendurado de cabeça para baixo em uma bomba de gasolina. Ou teria sofrido, na melhor das hipóteses para ele, o ostracismo político. Paulo Maluf é, porém, brasileiro. E de cadeia para ricos e de turba enfurecida, nem sombra.
O Brasil é bastante peculiar, como alguns sabem, outros fingem não saber e outros mais simplesmente ignoram porque vivem no Limbo. A sociedade nativa não prima pelo caráter e não cultiva a memória. Refiro-me aos brasileiros que poderiam e deveriam ter a consciência da cidadania. O Brasil é o país onde uma Lei da Anistia imposta manu militari pela ditadura continua em vigor, embora acreditemos usufruir de uma democracia plena.
É apenas um exemplo do nosso atraso político, cívico, cultural, moral. O Brasil é o país onde um oligarca como José Sarney, feudatário do estado mais infeliz da Federação, pode tornar-se presidente da República. E é o país onde, diante da indiferença geral, 50 mil conterrâneos são assassinados anualmente e 64% da população não conta com saneamento básico. E é o país onde a casa-grande e a senzala ainda estão de pé e, embora dono do sexto PIB do mundo, ombreia-se com as mais miseráveis nações africanas em matéria de péssima distribuição de renda.
O Brasil é também o país onde pululam os políticos corruptos, prontos a entender que o poder lhes entrega o bem público qual fosse privado, e onde os partidos nunca deixaram de ser clubes recreativos de grupelhos de senhores dispostos a funcionar como bandeirolas. Houve, por algum tempo, uma exceção, o Partido dos Trabalhadores, nascido à sombra do sindicalismo liderado por um certo Luiz Inácio da Silva, dito Lula. Partia de uma plataforma radical e seu ideólogo chamava-se, pasmem, Francisco Weffort.
Até aqui, coisas do Brasil. Peculiaridades. A situação evoluiu. Enquanto Weffort aderia à sua verdadeira natureza e alegremente tucanava, o PT ganhava contornos mais contemporâneos para assumir a linha de um partido de esquerda afinado com os tempos. Depois de três tentativas frustradas de chegar à Presidência, Lula, enfim no sobrenome, emplacou a quarta. O PT, contudo, revelou outra face e no poder portou-se como os demais que o precederam. Nos últimos dez anos, o Brasil deu importantes passos à frente, tanto do ponto de vista social quanto na independência da sua política exterior, mas não os devemos ao PT e sim a Lula e agora a Dilma Rousseff.
Nada de surpresas. A atuação de um líder no Brasil sempre foi mais determinante do que a de um partido ou de uma ideologia. De resto, a população está acostumada a votar naqueles, autênticos ou falsos, em lugar deste e muito menos desta. Peculiaridades. Grandes e tradicionais partidos, obviamente estrangeiros, cuidaram sempre de manter constante contato com os eleitores para convencê-los, tempo adentro, da qualidade das suas propostas e da validade da sua linha política. Setores da Igreja Católica realizaram esse gênero de aproximação em tempos da ditadura e mostraram em vão o caminho, sem imaginar que viria João Paulo II. Hoje contamos com a ação capilar e exitosa das confissões evangélicas, visceralmente desinteressadas em doutrinação política. Muito bem-sucedidas, no entanto. Nada parecido o PT soube ou quis realizar.
Isso tudo explica inclusive como e por que o Brasil é ingovernável sem que alianças de ocasiões sejam seladas ao sabor do oportunismo contingente. As agremiações políticas lembram-se dos eleitores somente às vésperas do pleito e a combinação que resulta está longe do ideal, infinitamente longe. Observem o comportamento mais recente da bandeirola Maluf. Apoiou Marta Suplicy contra José Serra em 2004 na eleição à prefeitura paulistana. Apoiou Serra em 2010 contra Dilma na eleição presidencial e logo bandeou seu PP para a base de sustentação do governo. Agora posta-se ao lado do candidato Fernando Haddad depois de ter ameaçado apoiar novamente Serra.
Nefandas peculiaridades, tradicionais. Parece, no entanto, que outra está em xeque, aquela que periodicamente conclama à chamada “conciliação das elites”. Claro está que Lula enxerga no pleito municipal da maior cidade do País um embate decisivo para os destinos da guerra contra a reação, tão bem representada pela candidatura de José Serra e pela mídia nativa. Neste sentido, tranca-se a porta da conciliação, e Lula e Dilma confirmam escapar à regra.
No confronto paulistano, CartaCapital escolhe Haddad. Entende e louva, entretanto, a atitude de Luiza Erundina, honrada, coerente, rara personagem em meio às peculiaridades, assim como lamenta o aperto de mão de Lula com Maluf à sombra da coleção de porcelana da Companhia das Índias que decora a mansão (esta sim, mansão, prezados perdigueiros da informação) do único político brasileiro procurado pela Interpol, com lugar de honra no hall of fame da corrupção, organizado pelo Banco Mundial.
Resta ver qual é o limite do pragmatismo desta nossa peculiar realpolitik. No caso, dói engoli-la.










Lula e Maluf