03 junho 2011

BRASIL - Parte II

A crise e as saídas da crise



Por Emir Sader




Se a crise é um momento de verdade, porque revela limites e contradições, o governo tem muito para refletir sobre sua primeira crise. Depois de surfar tranquilamente os primeiros meses, apoiado na herança positiva recebida, na vitória político-eleitoral e na maioria parlamentar conseguida, a crise de maio condensou problemas pendentes com novas circunstâncias que, se não enfrentadas de forma decidida, faz com que o governo saia enfraquecido dela e, em projeção futura, possa colocar em risco os avanços conquistados ao longo dos 8 anos do governo Lula. Ou pode sair mais forte, como saiu o governo Lula da crise de 2005. Depende da reação do governo diante dos problemas.

Os movimentos iniciais do governo foram os de buscar as adequações – indispensáveis, mas ainda não encontradas – na política econômica, que permitam superar o circulo vicioso entre elevar ainda mais a taxa de juros real mais alta do mundo ou o descontrole inflacionário. E o de dar continuidade na articulação entre a política econômica e as políticas sociais – o maior sucesso do governo anterior e que promete ter desdobramentos ainda maiores neste.

As crises tinham uma dimensão menor. A do Minc, por exemplo, não foi resolvida, o ministério ficou reduzido à intranscendência, até que seja possível reabrir horizontes melhores para as politicas culturais. Mas não tinha afetado o governo como um todo, embora pudesse haver indícios de formas de reação diante de problemas.

Nesta conjuntura, um problema pendente, que se sabia que tinha um potencial de enfrentamentos muito forte – a reforma do Código Florestal -, que requeria propostas concretas alternativas, coordenação política e mobilização social – desembocou numa derrota não apenas do governo, mas também dos movimentos sociais e do conjunto do campo popular. Resta o embate no Senado e o veto presidencial, apenas para diminuir os retrocessos da versão aprovada, com participação de partidos de esquerda, inclusive na emenda do PMDB, que promove a anistia dos desmatamentos. Mas é preciso consciência de parte do governo e das forças populares que foi um revés para as teses da esquerda, que foi perdida não apenas uma votação, mas uma batalha ideológica, que trouxe como uma de suas consequências, a divisão não apenas da base do governo, mas, muito mais importante, da esquerda e até mesmo do PT. Um dano que não demanda soluções administrativas, mas políticas, articulando alternativas de propostas, discussão intensa com os aliados e coordenação política - não demonstrados até aqui.

As acusações a Palocci coincidiram com essa votação e contribuíram para configurar uma situação de crise política para o governo. Ao deter o cargo mais importante no ministério, centralizando a coordenação política e outras funções anexas, as acusações - no mínimo – afetam duramente a capacidade de coordenação do governo e colocam à prova sua forma de reagir a denúncias – mais além dos objetivos desestabilizadores da mídia opositora – que revelam, pelo menos, comportamentos problemáticos por parte de um ministro importante no governo. Ainda que não se prove ilegalidades, restam sempre questionamentos sobre a ética publica de assessorias enquanto se detêm mandato parlamentar, cargo importante em comissão da Câmara e a eventualidade de informações privilegiadas e influências em setores do governo. A não revelação dos clientes, com a alegação de segredos profissionais, agrava a situação, que no seu conjunto paralisa a capacidade de ação politica do governo, justamente quando ele acumula temas graves na sua agenda – Código Florestal, emissão de MPs, entre outros. Porém, mais grave do que tudo isso, reflete que atitude o governo toma diante de situações que envolvem ética pública e podem definir critérios para todo o mandato.

Outros temas se agregaram a esses eixos da crise – dos problemas reiterados no Minc, passando pelos assassinatos no campo, por problemas no MEC, entre outros – para configurar uma mudança de clima e de conjuntura política. O governo perdeu a iniciativa, que detinha até esse momento, graças, principalmente, à excelência dos programas sociais. Passou à situação de defensiva, de responder a iniciativas opositoras ou a circunstâncias nas quais está fragilizado.

A falta de consciência dos problemas acumulados e dos elementos de fraqueza do governo, que permitiram sua irrupção, ou a falta de consciência, com visões redutivas, que não atingem o cerne das questões, é o pior conselheiro. Qualquer atitude que represente esconder a cabeça na areia, como o avestruz, é permitir que as dificuldades atuais se perpetuem e os recuos que o governo está dando, permaneçam no tempo, configurando uma correlação de forças desfavorável para governo e o campo popular.

O governo Dilma não sairá o mesmo da crise. Ou sairá mais fraco ou mais fortalecido. Como ocorreu em 2005, que foi o marco decisivo no governo Lula. A atitude que o governo tomar diante da crise atual – seja no Código, seja em relação a Palocci – vai definir um estilo de governo, uma forma de encarar os interesses públicos e a forma de enfrentar problemas da ordem da ética pública, que o marcará por todo o mandato.

Nunca como agora crise significa oportunidade. Será perdida ou ganha: está nas mãos do governo a decisão.





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Aécio Neves é denunciado por ocultar patrimônio e sonegar imposto

 

BRASÍLIA – A Procuradoria Geral da República (PGR) vai anunciar em breve se abrirá inquérito para investigar o enriquecimento do chefe da Casa Civil, ministro Antonio Palocci. Os adversários do governo petista acionaram-na depois da notícia de que Palocci comprou apartamento de mais de R$ 6 milhões em São Paulo, no que seria um sinal de “ostentação”. Pois a PGR também examina se é necessário apurar melhor a vida patrimonial de um outro figurão da República, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), líder máximo da oposição atualmente. O tucano entrou na mira do Ministério Público pelo motivo oposto ao de Palocci, a ocultação de bens, o que revelaria sonegação fiscal.

A denúncia de que o senador esconde patrimônio e, com isso, deixa de pagar impostos foi feita ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no dia 30 de maio, pela bancada inimiga do PSDB na Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

O fundamento da representação é o “estilo de vida” do senador. Com o salário de R$ 10,5 mil mensais que recebeu por sete anos e quatro meses como governador mineiro, diz a representação, Aécio não teria condições de viajar onze vezes para o exterior com a família, andar de jatinho, dar festas com celebridades, frequentar restaurantes caros e comprar os carrões com que desfila em Minas e no Rio, cidades onde tem apartamentos.

Na declaração de renda apresentada à Justiça eleitoral no ano passado, quando disputou e ganhou um cadeira no Senado, Aécio Neves informou ter patrimônio de R$ 617 mil, que os acusadores dele consideram uma ficção.

“Há claramente um abismo entre o Aécio oficial e o Aécio do jet set internacional. Ele está ocultando patrimônio, e isso leva ao cometimento de sonegação fiscal”, afirma o deputado Luiz Sávio de Souza Cruz (PMDB), líder da oposição ao PSDB na Assembléia mineira e um dos signatários da representação.

Linhas de investigação
O documento sugere duas linhas de investigação à PGR na tentativa de provar que o senador estaria escondendo patrimônio para sonegar impostos, num desfiar de novelo que levaria – e isso a representação não diz - à descoberta de desvio de recursos públicos mineiros para a família Neves.

A primeira linha defende botar uma lupa na Radio Arco Íris, da qual o senador virou sócio em dezembro. Até então, a emissora era controlada apenas pela irmã de Aécio, Andrea Neves. Os denunciantes do senador estranham que a emissora tenha uma frota de doze veículos, sendo sete de luxo, e mantenha parte no Rio de Janeiro. Se a radio não produz conteúdo noticioso nem tem uma equipe de jornalistas, para que precisaria de doze veículos, ainda mais num estado em que não atua?

A hipótese levantada pela denúncia é de que se trata de um artifício para fugir de tributos – a despesa com a frota e a própria existência dela permitem pagar menos imposto de renda. Além, é claro, de garantir boa vida ao senador.

Mas há uma desconfiança maior por parte dos adversários de Aécio, não mencionada na representação. “Queremos saber se tem recurso público nessa rádio. Quanto foi que ela recebeu do governo desde 2003?”, diz o líder do PT na Assembléia, Rogério Correia, também autor da representação. “Há muito tempo que a Presidência da Assembléia impede que se vote essa proposta de abrir os repasses oficiais para a radio Arcio Iris.”

Sócia da rádio, Andrea Neves coordenou, durante todo o mandato do irmão, a área do governo de Minas responsável pela verba publicitária.

A outra linha de investigação aponta o dedo para uma das empresas da qual Aécio declarou ao fisco ser sócio, a IM Participações. A sede da empresa em Belo Horizente fica no mesmo endereço do falido banco que os pais do senador administraram no passado, o Bandeirantes. Do grupo Bandeirantes, fazia parte a Banjet Taxi Aéreo. Que vem a ser a proprietária de um jatinho avaliado em R$ 24 milhões que o senador usa com frequencia, e de graça, para viajar.

O problema, dizem os acusadores do senador, é que a Banjet tem como sócio gestor Oswaldo Borges da Costa Filho, cunhado de Aécio e presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais durante o governo do tucano.

A hipótese levantada na representação é de que teria havido uma “triangulação de patrimônio”. Aécio controlaria a Banjet por meio da IM Participação de Administração. “São essas empresas de participação quem administram inteiras fortunas, para acobertar patrimônio de particulares, que não tem como justificar contabilmente a aquisição de ativos”, afirma o texto.

Neste caso, a representação de novo não diz, mas é outra desconfiança dos denunciantes do senador, também teria havido desvio de recursos públicos mineiros, por meio da Companhia de Desenvolvimento Econômico, para a família Neves.

Minas: 'estado de exceção'
Os adversários do senador tentam emplacar uma investigação federal contra Aécio – e por isso se apegam a questões fiscais – para contornar supostos silêncio e omissão de instituições mineiras, que estariam sob controle total do ex-governador.

“Aqui no estado nós vivemos num regime de exceção. A imprensa, o tribunal de contas, a Assembléia Legislativa são todos controlados pelo Aécio”, diz Rogério Correia. “Esse Aécio que aparece sorrindo em Brasília é o 'Aécio ternura'. Mas aqui em Minas tem um 'Aécio malvadeza'”, afirma Savio Cruz, usando expressões que no passado referiam-se ao falecido senador Antonio Carlos Magalhães.

Aécio Neves foi procurado, por meio da assessoria de imprensa, para comentar a denúncia, mas não havia respondido até o fechamento da reportagem. A Procuradoria informou, também por meio da assessoria, que não há prazo para o procurador Roberto Gurgel decidir se abre ou não a investigação contra o senador.






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O Custo do caso Palocci

“Convicções são um luxo, meu caro.
Reservado para aqueles que não
participam do jogo”


A frase em epígrafe é de Marcílio Andrade Xavier, diplomata brasileiro que se projetou no Itamaraty nos últimos 40 anos. Max, apelido que soma as iniciais do nome dele, é um personagem que vai muito além dos limites da sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Ele é a síntese daqueles que, em qualquer dos Três Poderes da República, assimilam e usufruem dos vícios das funções de mando. Max é, porém um personagem de ficção capturado da realidade pelo envolvente romance, recém-lançado, O Punho e a Renda (Ed. Record), do- -embaixador Edgard Telles Ribeiro.

Só aparentemente, no entanto, trata-se de uma figura meramente literária. Se fosse assim não cuspiria verdade tão nauseantemente real como aquela que, por acaso, dá sustentação à resposta do ministro Antonio Palocci, da Casa Civil, ao tentar apagar o rastro de suspeitas deixado pelo faturamento que teve, em tempo recorde, graças a um controvertido trabalho de consultoria empresarial.

Eis um trecho da resposta anunciada por ele no calor da hora: “No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais do mercado. Não por outra razão muitos se tornaram, em poucos anos, banqueiros como (…) Pérsio Arida e André Lara Rezende (…), Pedro Malan ou (…) Maílson da Nóbrega”, diz a nota que distribuiu.

Tudo aparentemente simples e legal. A resposta é, no entanto, reveladora. O argumento expõe, com falsa naturalidade, as relações condenavelmente íntimas entre governo e mercado. Todos os citados, na nota oficial do ministro, são iguais perante a falta de lei. Um universo onde as convicções são consideradas “um luxo” só possível para quem não está no jogo, como judiciosamente pondera o cínico Max.

O governo enfrenta um incêndio que talvez ainda possa ser apagado. Contam, para isso, duas circunstâncias: a oposição é fraca numericamente e politicamente inconsistente. Além disso, Palocci, supervisor da distribuição dos cargos entre os aliados, tem o poder de nomear os fiéis e demitir os hereges.

Inevitável o estouro da boiada na base governista, se surgir um fato novo e contundente. Ou, ainda, se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidir por algum procedimento administrativo em torno do caso.

A soma das dúvidas favorece as especulações. Eis uma delas: por que a contabilidade da empresa Projeto, de Palocci, registra verbas polpudas recebidas em pleno processo eleitoral? Teria sido ele, com o trânsito fácil entre os empresários paulistas, um captador informal de recursos para a campanha do PT em 2010?

O poder não dá passagem a procissões virtuosas. Mas tudo isso se choca com decisões da presidenta Dilma nos primeiros dias de administração. Ela emitiu sinais de que pretendia, em nome da probidade, fazer escolhas mais cuidadosas para a administração, como fez, por exemplo, em Furnas.

A dificuldade política quem sabe possa ser superada. Não há mais como, no entanto, sair moralmente ileso do jogo. Nem Palocci, e se ele ficar, nem o governo.







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