03 junho 2011

CRÔNICA

Sob o céu da ressonância


Quem já esteve sob aquele teto de aço, recebendo vibrações sonoras num volume quase insuportável por um quarto de hora que parece um dia inteiro, sabe o que significa um exame de ressonância magnética. Muitos brasileiros jamais tiveram acesso a esse método de diagnóstico. Não fosse a provação a que ele nos obriga, não estaríamos aqui falando mal da máquina de RM.

Se o paciente não tiver a sorte de precisar pesquisar apenas do joelho para baixo, será introduzido naquele tubo inexorável e inescrutável, e não estacionar apenas nas suas assustadoras bordas. Será obrigado a entrar, atado a uma superfície dura para garantir a imobilidade do corpo e a qualidade da imagem. Quando a cama desliza e lentamente leva a gente para dentro do rocambole é o sinal irreversível do início do turbilhão, desde que termine o pré-pesadelo do vai e volta do ajuste.

Por mais que os auxiliares prestem informações, em geral eles não falam muito, e lhe entreguem uma campainha para se comunicar com os médicos que vão bisbilhotar em tempo real os seus pecados mais intestinais, a situação não é confortável.

Outro detalhe é o glacial da sala, que deve tratar a máquina melhor do que o ser humano – a sociedade tecnológica é assim. O frio intenso leva os assistentes a cobrir o paciente com uma manta, deixando sempre o dedão de fora por mais que se esmerem. Segundos antes do início do exame e de vozes vindas de um aquário perguntarem se “está tudo bem” (como assim, “tudo bem?”), começa, no mínimo, uma coceira no nariz ou em outra parte. E é quase certo que aquela crise de pânico, há muito reclusa, vai dar as caras.

Outra quase certeza é de que, num ataque de fúria, você estragará tudo e pedirá para sair do tubo, mesmo jamais tendo almejado pertencer à elite bopiana do Capitão Nascimento. E isso acontece, dizem relatos. Fora o vexame de um pleito desses num homo sapiens do século XXI, seu médico vai lhe sugerir uma nova tentativa. Ou, azar o seu. Só resta pensar que, sim, você haverá de sair íntegro daquele refrigério.

Especialistas e pesquisadores reconhecem a claustrofobia que a RM provoca na maioria das pessoas. Não sabemos por que ainda não inventaram uma máquina menos opressora, apesar dos avanços obtidos. Já existem poucos aparelhos de diâmetros mais amplos e até modelos abertos nas laterais. Mas pela velha lei de Murphy, este, que faz você se sentir um misto- frio num grill, não deverá ser indicado para o seu caso. Em alguns laboratórios, é possível RM ao som de clássicos num headphone que reduz a angústia do momento e os decibéis em suas várias escalas. Mas o gadget só é admitido se o piloto do aparelho não precisar pedir que o paciente inspire e expire uma centena de vezes.

Depois do lapso existencial dentro do túnel, a voz do além anuncia, enfim, o fim da jornada. Parece que meia hora se passou ou foi a vida inteira? Outro herói na antessala está à espera. Você passa por ele sem coragem de trocar sequer um olhar que alimente sua reserva moral pronta a desmoronar. Naquela impalpável vida intratubo, nada e tanta coisa passaram pelas suas ideias, menos o que os doutos descobririam nos abissais de suas entranhas.

Recomposto, relógio no pulso, novamente senhor do seu tempo, você vê o médico que dirigiu a viagem passar lançando um sorriso confiante. Mas a sua experiência é tão única que de nada adiantará você convencer os amigos o quanto foi um bravo para os seus padrões. Principalmente se, antes de entrar no tubo, você precisou de uma hora e meia para sorver, com asco, oito copos de um contraste com um insuportável gosto artificial de limonada. Quando o resultado da RM chegar, você então começará, ou não, a se preocupar com outras coisas.


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