O problema da política não é
simplesmente a lei
Maria Inês Nassif
Durante toda a sua história, o Brasil foi uma sucessão de períodos autoritários intercalados por fases de redemocratização. A instabilidade institucional, aliada à ideia emprestada dos períodos ditatoriais de que o Estado tudo pode, inclusive mudar costumes e culturas, fazem a sociedade trilhar movimentos curiosos em momentos de crise política. Os aparelhos públicos de coerção – justiça, polícia, ministério público e outros órgãos de controle e punição – apenas são considerados eficientes se apresentam imediatamente um culpado e um castigo, uma exigência que, não raro, induz a erros policiais e judiciários. É a expectativa de que as instituições democráticas e os mecanismos legais ganhem a cerelidade própria dos regimes de exceção e um poder semelhante de decidir sobre a vida das pessoas.
A outra deturpação decorrente do passado autoritário é a ideia de que tudo se resolve com uma nova lei. Uma pena mais rigorosa sempre é a solução para tudo. Se ela não resolver, é porque as instituições de controle e punição não foram suficientemente ágeis. Se, depois de algum tempo, se chegar à conclusão de que esse não é necessariamente o problema, a varinha de condão de novos instrumentos legais é acionada, individual ou coletivamente, e preverá punições mais duras.
Não que inexistam imperfeições legais que devam ser resolvidas; e longe está o momento em que as instituições de controle e punição sejam tão perfeitas que insusceptíveis de críticas. O problema é que esse caldo de cultura, não raro, acaba por inibir qualquer diagnóstico mais profundo sobre os reais problemas da democracia brasileira. A discussão meramente formal sobre a lei, e a ideia de que ela tudo resolve, desde que alterada, pode causar grandes frustrações. Falta também absorver a realidade de que as leis têm lado. Não são panaceia para todos os males, nem curam igualmente doenças que acometem um ou outro lado.
Nas páginas de “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal (uma das mais importantes reflexões sobre as origens políticas do Brasil moderno, escrito em 1946 e, atenção editores, esgotado: encontrá-lo, só em exaustivos périplos ao mundo dos sebos e a alto preço), o autor consegue de tal forma entender o debate enviesado sobre o ovo e a galinha da política brasileira que é um exemplo de método e diagnóstico. O detalhado relato do funcionamento da política brasileira nos rincões do poder municipal não o levam à conclusão precipitada de que, se a política municipal é a base da política de favores que sustenta o poder nacional, a solução é destituir o poder do município.
Nunes Leal relata debates ocorridos, ao longo da história republicana, sobre os poderes locais, que resguardaram, desde a monarquia, sua característica de eletividade. O problema não era a assunção ao poder pelo voto, concluiu ele, quando, na Constituinte de 1946, forças conservadoras defendiam o fim da elegibilidade nos municípios e a transformação desses entes federativos em departamentos técnicos, de nomeação pelos governadores. Para derrubar a tese conservadora, o autor historiou em seu livro como, ao longo dos tempos, a solução “técnica” de intervenção nos municípios serviu politicamente aos senhores do momento de forma mais efetiva do que quando os prefeitos eram eleitos. O desequilíbrio, ensinava Nunes Leal, não era dado pela autonomia dos municípios, mas pela ausência dela. O sistema político representava uma aliança de conveniência entre uma oligarquia rural decadente e o poder estadual, e só se mantinha devido à dependência econômica dos municípios aos Estados e ao governo federal.
O entendimento de que a autonomia municipal seria muito mais eficiente para combater relações deletérias entre agentes politicos acabou prevalecendo nas ciências sociais brasileiras e na Constituinte de 1988, que levou isso tão à risca que hoje as partes demandam soluções novas – e efetivamente técnicas – para áreas conurbadas.
Da mesma forma, é preciso tomar cuidado com alguns debates que decorrem das reiteradas crises políticas vividas pelo país. Existe um diagnóstico comum: o quadro partidário brasileiro é deficiente; é alta a taxa de corrupção não apenas nas instituições públicas, mas na sociedade; a política é pouco atrativa para pessoas que efetivamente têm condições de representar politicamente, e com honestidade, uma parcela da população brasileira; existe pouco vínculo orgânico dos partidos com seus representados; a profusão de legendas obriga a convivência de partidos ideológicos com os partidos de negócios ou de aluguel; o poder econômico prevalece… A lista é longa. Não se pode, contudo, imaginar que leis simplificadoras resolvam, por mágica, toda a nossa penúria política, acumulada em períodos autoritários e alimentada por uma elite versada em manipulação do voto do pobre.
É hora, é certo, de pensar numa reforma política, mas é bom que se evite que ela sirva a outras finalidades que não o aprofundamento da democracia brasileira. É impensável que, num debate como esse, se coloque na mesa o voto majoritário para a escolha de integrantes do Legislativo, sob a justificativa que distritos eleitorais menores podem ajudar os eleitores a fiscalizar os eleitos. O voto proporcional é o único que abre espaço, nas democracias representativas, às minorias partidárias.
Essa é uma qualidade do sistema brasileiro, não um defeito. As regiões onde o voto é concentrado, se o voto distrital for aprovado, privilegiará partidos pouco ideológicos e a extinguirá legendas mais orgânicas, que tendem a ter um voto mais disperso.
No debate sobre a reforma política é, de fato, necessário incluir as fontes de financiamento eleitoral e partidário, para que se elimine essa grave deficiência na representação política brasileira. Outras coisas mais devem ser discutidas. O que não se pode fazer é estreitar o debate para questões meramente eleitorais. As eleições são apenas um capítulo na vida de uma nação. A política é feita todo dia. Por exemplo, nesse debate todo não se pode esquecer que o programa Bolsa Família foi muito mais eficiente, em termos de modernização política dos bolsões de pobreza, do que propriamente uma mudança na lei. O voto eletrônico cumpriu um papel importantíssimo de reduzir a fraude em grotões eleitorais. O voto do analfabeto incluiu um elemento vital na representação eleitoral brasileira.
A expansão de direitos de cidadania – educação, saúde, previdência, renda mínima e o direito sem restrições ao voto – são muito mais eficientes na mudança de qualidade de nossa democracia do que reforçar oligarquias regionais com o voto distrital. O abuso econômico nas eleições não se resolve barateando artificalmente o pleito, como foi feito há quatro anos, ao impedir o uso de propaganda mais variada e formatá-la de forma espartana. Isso apenas torna a política mais chata aos olhos de um eleitor já pouco motivado.
O mesmo ocorre com a Justiça Eleitoral: aparência de rigor não é necessariamente sinal de que a justiça está sendo feita. Mas isso é assunto para outra coluna.
A outra deturpação decorrente do passado autoritário é a ideia de que tudo se resolve com uma nova lei. Uma pena mais rigorosa sempre é a solução para tudo. Se ela não resolver, é porque as instituições de controle e punição não foram suficientemente ágeis. Se, depois de algum tempo, se chegar à conclusão de que esse não é necessariamente o problema, a varinha de condão de novos instrumentos legais é acionada, individual ou coletivamente, e preverá punições mais duras.
Não que inexistam imperfeições legais que devam ser resolvidas; e longe está o momento em que as instituições de controle e punição sejam tão perfeitas que insusceptíveis de críticas. O problema é que esse caldo de cultura, não raro, acaba por inibir qualquer diagnóstico mais profundo sobre os reais problemas da democracia brasileira. A discussão meramente formal sobre a lei, e a ideia de que ela tudo resolve, desde que alterada, pode causar grandes frustrações. Falta também absorver a realidade de que as leis têm lado. Não são panaceia para todos os males, nem curam igualmente doenças que acometem um ou outro lado.
Nas páginas de “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal (uma das mais importantes reflexões sobre as origens políticas do Brasil moderno, escrito em 1946 e, atenção editores, esgotado: encontrá-lo, só em exaustivos périplos ao mundo dos sebos e a alto preço), o autor consegue de tal forma entender o debate enviesado sobre o ovo e a galinha da política brasileira que é um exemplo de método e diagnóstico. O detalhado relato do funcionamento da política brasileira nos rincões do poder municipal não o levam à conclusão precipitada de que, se a política municipal é a base da política de favores que sustenta o poder nacional, a solução é destituir o poder do município.
Nunes Leal relata debates ocorridos, ao longo da história republicana, sobre os poderes locais, que resguardaram, desde a monarquia, sua característica de eletividade. O problema não era a assunção ao poder pelo voto, concluiu ele, quando, na Constituinte de 1946, forças conservadoras defendiam o fim da elegibilidade nos municípios e a transformação desses entes federativos em departamentos técnicos, de nomeação pelos governadores. Para derrubar a tese conservadora, o autor historiou em seu livro como, ao longo dos tempos, a solução “técnica” de intervenção nos municípios serviu politicamente aos senhores do momento de forma mais efetiva do que quando os prefeitos eram eleitos. O desequilíbrio, ensinava Nunes Leal, não era dado pela autonomia dos municípios, mas pela ausência dela. O sistema político representava uma aliança de conveniência entre uma oligarquia rural decadente e o poder estadual, e só se mantinha devido à dependência econômica dos municípios aos Estados e ao governo federal.
O entendimento de que a autonomia municipal seria muito mais eficiente para combater relações deletérias entre agentes politicos acabou prevalecendo nas ciências sociais brasileiras e na Constituinte de 1988, que levou isso tão à risca que hoje as partes demandam soluções novas – e efetivamente técnicas – para áreas conurbadas.
Da mesma forma, é preciso tomar cuidado com alguns debates que decorrem das reiteradas crises políticas vividas pelo país. Existe um diagnóstico comum: o quadro partidário brasileiro é deficiente; é alta a taxa de corrupção não apenas nas instituições públicas, mas na sociedade; a política é pouco atrativa para pessoas que efetivamente têm condições de representar politicamente, e com honestidade, uma parcela da população brasileira; existe pouco vínculo orgânico dos partidos com seus representados; a profusão de legendas obriga a convivência de partidos ideológicos com os partidos de negócios ou de aluguel; o poder econômico prevalece… A lista é longa. Não se pode, contudo, imaginar que leis simplificadoras resolvam, por mágica, toda a nossa penúria política, acumulada em períodos autoritários e alimentada por uma elite versada em manipulação do voto do pobre.
É hora, é certo, de pensar numa reforma política, mas é bom que se evite que ela sirva a outras finalidades que não o aprofundamento da democracia brasileira. É impensável que, num debate como esse, se coloque na mesa o voto majoritário para a escolha de integrantes do Legislativo, sob a justificativa que distritos eleitorais menores podem ajudar os eleitores a fiscalizar os eleitos. O voto proporcional é o único que abre espaço, nas democracias representativas, às minorias partidárias.
Essa é uma qualidade do sistema brasileiro, não um defeito. As regiões onde o voto é concentrado, se o voto distrital for aprovado, privilegiará partidos pouco ideológicos e a extinguirá legendas mais orgânicas, que tendem a ter um voto mais disperso.
No debate sobre a reforma política é, de fato, necessário incluir as fontes de financiamento eleitoral e partidário, para que se elimine essa grave deficiência na representação política brasileira. Outras coisas mais devem ser discutidas. O que não se pode fazer é estreitar o debate para questões meramente eleitorais. As eleições são apenas um capítulo na vida de uma nação. A política é feita todo dia. Por exemplo, nesse debate todo não se pode esquecer que o programa Bolsa Família foi muito mais eficiente, em termos de modernização política dos bolsões de pobreza, do que propriamente uma mudança na lei. O voto eletrônico cumpriu um papel importantíssimo de reduzir a fraude em grotões eleitorais. O voto do analfabeto incluiu um elemento vital na representação eleitoral brasileira.
A expansão de direitos de cidadania – educação, saúde, previdência, renda mínima e o direito sem restrições ao voto – são muito mais eficientes na mudança de qualidade de nossa democracia do que reforçar oligarquias regionais com o voto distrital. O abuso econômico nas eleições não se resolve barateando artificalmente o pleito, como foi feito há quatro anos, ao impedir o uso de propaganda mais variada e formatá-la de forma espartana. Isso apenas torna a política mais chata aos olhos de um eleitor já pouco motivado.
O mesmo ocorre com a Justiça Eleitoral: aparência de rigor não é necessariamente sinal de que a justiça está sendo feita. Mas isso é assunto para outra coluna.
(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.
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Uma ofensa a Itamar
Mauro Santayana(*)
Com seu ceticismo habitual, Tancredo Neves dizia que os melhores cemitérios do mundo são os brasileiros. Uma vez aqui sepultado, o morto, quando muito, é lembrado na missa do sétimo dia. E se houver missa de ano, só estarão presentes alguns familiares e os amigos pessoais sobreviventes.
Com Itamar Franco, que teve o corpo cremado, o esquecimento parece ter sido mais rápido. Os criadores do programa do PSDB, que foi ao ar ontem, apropriaram-se, sem qualquer constrangimento, de êxitos do governo do grande mineiro, atribuindo-os ao PSDB. O governo de Itamar foi suprapartidário. Foi tanto do PSDB quanto do PMDB e do PFL, do PDT e do PT - se consideramos a presença de Luíza Erundina no comando da Secretaria de Administração. Exercido sem qualquer vinculação partidária, foi um dos raros momentos da História Brasileira em que houve admirável consenso, com a única restrição do PT. O Partido dos Trabalhadores, em sua disposição de disputar a Presidência, talvez não tivesse alternativa, a não ser buscar o próprio espaço. Os demais compreenderam a necessidade de ajudar o Presidente a administrar cautelosamente o intervalo, antes das eleições presidenciais de 1994.
Quanto à apropriação do Plano Real por parte de Fernando Henrique, já estamos acostumados a esse ilícito ético. Se formos admitir que o Plano é do PSDB, porque Fernando Henrique era ministro da Fazenda quando ele foi elaborado, talvez fosse melhor atribuí-lo ao financista alemão Hjalmar Schacht, que interrompeu a voragem hiperinflacionária da Alemanha, em novembro de 1923, ao criar o “Rettenmark”, cuja formula serviu de modelo ao Real. Não fosse a coragem de Itamar - em assumir o Plano depois de revisá-lo minuciosamente, como bom matemático que foi - e não teríamos debelado a inflação.
Quem deu credibilidade popular ao real foi a autoridade política e ética de Itamar Franco. Mas a subtração não foi apenas a do Plano Real. Não tiveram os autores do programa nenhum pudor de atribuir “ao governo do PSDB”, a introdução dos medicamentos genéricos, uma criação do Ministro Jamil Haddad. Outra corajosa decisão de Itamar, relutantemente adotada pela equipe econômica, e sugerida pelo economista Dércio Garcia Munhoz, foi a de transferir para o Ministério da Saúde, que já não dispunha de recursos mínimos, os elevados lucros do Banco Central naquele exercício.
O grande êxito de Itamar, no entanto, foi de natureza ética. O Presidente não titubeou, um só momento, em corrigir imediatamente os desvios identificados. Demitiu, sumariamente, o Ministro Eliseu Resende, seu amigo pessoal, quando ele não soube explicar o pagamento de diárias de hotel por uma empreiteira, e mandou que outro amigo e Ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, se licenciasse do cargo e fosse responder a uma comissão parlamentar de inquérito. Inocentado pela CPI, Hargreaves retornou ao seu lugar no Planalto.
Itamar criou uma Comissão de Investigações para apurar as denúncias de corrupção no poder executivo, constituída de pessoas estranhas ao governo, e de indiscutível idoneidade moral, como os advogados Modesto Carvalhosa e Cândido Mendes, entre outras. No final de seu mandato, Itamar entregou a Fernando Henrique, no ato da transmissão do cargo, um relatório parcial da equipe. Quando todos esperavam que o novo presidente mantivesse a Comissão, necessária à transparência do governo, ele dissolveu-a como um de seus primeiros atos – e não tomou conhecimento do relatório.
Poderiam ter respeitado o grande morto.
Com Itamar Franco, que teve o corpo cremado, o esquecimento parece ter sido mais rápido. Os criadores do programa do PSDB, que foi ao ar ontem, apropriaram-se, sem qualquer constrangimento, de êxitos do governo do grande mineiro, atribuindo-os ao PSDB. O governo de Itamar foi suprapartidário. Foi tanto do PSDB quanto do PMDB e do PFL, do PDT e do PT - se consideramos a presença de Luíza Erundina no comando da Secretaria de Administração. Exercido sem qualquer vinculação partidária, foi um dos raros momentos da História Brasileira em que houve admirável consenso, com a única restrição do PT. O Partido dos Trabalhadores, em sua disposição de disputar a Presidência, talvez não tivesse alternativa, a não ser buscar o próprio espaço. Os demais compreenderam a necessidade de ajudar o Presidente a administrar cautelosamente o intervalo, antes das eleições presidenciais de 1994.
Quanto à apropriação do Plano Real por parte de Fernando Henrique, já estamos acostumados a esse ilícito ético. Se formos admitir que o Plano é do PSDB, porque Fernando Henrique era ministro da Fazenda quando ele foi elaborado, talvez fosse melhor atribuí-lo ao financista alemão Hjalmar Schacht, que interrompeu a voragem hiperinflacionária da Alemanha, em novembro de 1923, ao criar o “Rettenmark”, cuja formula serviu de modelo ao Real. Não fosse a coragem de Itamar - em assumir o Plano depois de revisá-lo minuciosamente, como bom matemático que foi - e não teríamos debelado a inflação.
Quem deu credibilidade popular ao real foi a autoridade política e ética de Itamar Franco. Mas a subtração não foi apenas a do Plano Real. Não tiveram os autores do programa nenhum pudor de atribuir “ao governo do PSDB”, a introdução dos medicamentos genéricos, uma criação do Ministro Jamil Haddad. Outra corajosa decisão de Itamar, relutantemente adotada pela equipe econômica, e sugerida pelo economista Dércio Garcia Munhoz, foi a de transferir para o Ministério da Saúde, que já não dispunha de recursos mínimos, os elevados lucros do Banco Central naquele exercício.
O grande êxito de Itamar, no entanto, foi de natureza ética. O Presidente não titubeou, um só momento, em corrigir imediatamente os desvios identificados. Demitiu, sumariamente, o Ministro Eliseu Resende, seu amigo pessoal, quando ele não soube explicar o pagamento de diárias de hotel por uma empreiteira, e mandou que outro amigo e Ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, se licenciasse do cargo e fosse responder a uma comissão parlamentar de inquérito. Inocentado pela CPI, Hargreaves retornou ao seu lugar no Planalto.
Itamar criou uma Comissão de Investigações para apurar as denúncias de corrupção no poder executivo, constituída de pessoas estranhas ao governo, e de indiscutível idoneidade moral, como os advogados Modesto Carvalhosa e Cândido Mendes, entre outras. No final de seu mandato, Itamar entregou a Fernando Henrique, no ato da transmissão do cargo, um relatório parcial da equipe. Quando todos esperavam que o novo presidente mantivesse a Comissão, necessária à transparência do governo, ele dissolveu-a como um de seus primeiros atos – e não tomou conhecimento do relatório.
Poderiam ter respeitado o grande morto.
(*)Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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A corrupção e os privilégios
Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
Elementar, nuclear, primal – a corrupção é o problema dos problemas, ponto de partida de todos os nossos vícios e malefícios. É a disfunção genética do Estado brasileiro que desvirtua, avilta, deteriora e perverte as melhores leis, instituições, costumes e intenções.
Os entraves que impedem o nosso progresso em todos os campos estão diretamente relacionados com a corrupção e a impunidade. Todos. Da indústria das emendas orçamentárias oriundas do Legislativo à indecente troca de cargos por votos, das nomeações de notórios incompetentes aos conflitos de interesses enquistados nos desvãos do poder público, do abuso do álcool ao volante (responsável pelas 50 mil mortes no ano passado) ao crescimento exponencial do narcotráfico e das milícias, das falhas da Defesa Civil às agressões ao meio-ambiente, da inoperância dos sistemas de fiscalização de serviços públicos às trapaças das licitações para concessões, tudo tem a mesma matriz e o mesmo DNA – a complacência com a imoralidade. A prevaricação é tamanha que chega a deturpar o próprio sentido das palavras e dos valores que representam.
Duas legiões
Lutar contra a imoralidade tornou-se opção arcaica, burguesa, reacionária, oposta à noção de modernidade e eficácia. E isso a tal ponto que dos 28 partidos políticos registrados até 27 de setembro último nenhum ousou desfraldar de forma ostensiva, inequívoca, a bandeira da luta contra a corrupção.
A 29ª agremiação legalizada, o Partido Social Democrático (PSD), engendrado pelo prefeito paulistanoGilberto Kassab, ofereceu como prova de sua universalidade – ou inapetência para compromissos – a promessa de que não será de esquerda, de direita ou de centro, porém não se manifestou a respeito da maior aspiração da sociedade brasileira: o império da decência.
Nem poderia, porque o próprio nome da sigla é uma tremenda fraude histórica, seu nome de batismo foi afanado, caso clássico de apropriação indébita. Sequestro clássico: a social-democracia – com ou sem hífen – ostenta um passado de conquistas sociais, humanas, políticas e éticas sem paralelo no mundo, sobretudo na Europa, com sólidas ramificações na América Latina, Oriente Médio, Ásia e Oceania.
Deturpar o passado, desvirtuar significados e assumir ostensivamente um comportamento enganoso, mesmo no plano imaterial, é indecoroso; a probidade deve valer em todas as esferas. Mesmo com o louvável intuito de confrontar esta excrescência política chamada PMDB, o logro recém lançado no mercado dos votos com o nome de PSD é injustificável. Só servirá para consagrar a promiscuidade e a galinhagem eleitoral cujo destino final é, sabidamente, a corrupção e sua dileta cria, a impunidade.
Os 20 mil indignados e idealistas brasilienses que na quarta-feira (12/10) esqueceram o feriado e manifestaram-se contra os corruptos e seus beneficiários não precisam ostentar propostas concretas ou programas definidos. Acreditam na primavera brasileira e isto é o bastante. Tal como os seus co-irmãos norte-americanos (principalmente novaiorquinos) que investem contra Wall Street, mas na realidade estão resistindo à anarquia do Tea Party. Acima e abaixo do Rio Grande, as duas legiões defendem o Estado decente, justo, isonômico.
As diferenças
Os grandes clamores populares que mudaram os rumos da humanidade nos últimos 500 anos não obedeciam a plataformas rígidas, arrumadas. Foram explosões de insatisfação que hoje podem ser canalizadas através das redes ditas “sociais” e da mídia tradicional. E se estas se mantêm acríticas, perplexas, aparvalhadas – como tem acontecido – convoque-se o magnata Warren Buffet que acaba de divulgar ruidosamente a sua declaração de rendimentos: pagou apenas 17,4 % de imposto, enquanto que, para seus empregados, a alíquota foi de 30%.
O magnata e social-democrata alemão Walter Rathenau, um dos pilares da falecida República de Weimar, também favorecia o imposto sobre fortunas. Foi assassinado pelos precursores do nazismo.
Está claro: o mundo clama pelo fim dos privilégios. A corrupção quer mantê-los.
Os entraves que impedem o nosso progresso em todos os campos estão diretamente relacionados com a corrupção e a impunidade. Todos. Da indústria das emendas orçamentárias oriundas do Legislativo à indecente troca de cargos por votos, das nomeações de notórios incompetentes aos conflitos de interesses enquistados nos desvãos do poder público, do abuso do álcool ao volante (responsável pelas 50 mil mortes no ano passado) ao crescimento exponencial do narcotráfico e das milícias, das falhas da Defesa Civil às agressões ao meio-ambiente, da inoperância dos sistemas de fiscalização de serviços públicos às trapaças das licitações para concessões, tudo tem a mesma matriz e o mesmo DNA – a complacência com a imoralidade. A prevaricação é tamanha que chega a deturpar o próprio sentido das palavras e dos valores que representam.
Duas legiões
Lutar contra a imoralidade tornou-se opção arcaica, burguesa, reacionária, oposta à noção de modernidade e eficácia. E isso a tal ponto que dos 28 partidos políticos registrados até 27 de setembro último nenhum ousou desfraldar de forma ostensiva, inequívoca, a bandeira da luta contra a corrupção.
A 29ª agremiação legalizada, o Partido Social Democrático (PSD), engendrado pelo prefeito paulistanoGilberto Kassab, ofereceu como prova de sua universalidade – ou inapetência para compromissos – a promessa de que não será de esquerda, de direita ou de centro, porém não se manifestou a respeito da maior aspiração da sociedade brasileira: o império da decência.
Nem poderia, porque o próprio nome da sigla é uma tremenda fraude histórica, seu nome de batismo foi afanado, caso clássico de apropriação indébita. Sequestro clássico: a social-democracia – com ou sem hífen – ostenta um passado de conquistas sociais, humanas, políticas e éticas sem paralelo no mundo, sobretudo na Europa, com sólidas ramificações na América Latina, Oriente Médio, Ásia e Oceania.
Deturpar o passado, desvirtuar significados e assumir ostensivamente um comportamento enganoso, mesmo no plano imaterial, é indecoroso; a probidade deve valer em todas as esferas. Mesmo com o louvável intuito de confrontar esta excrescência política chamada PMDB, o logro recém lançado no mercado dos votos com o nome de PSD é injustificável. Só servirá para consagrar a promiscuidade e a galinhagem eleitoral cujo destino final é, sabidamente, a corrupção e sua dileta cria, a impunidade.
Os 20 mil indignados e idealistas brasilienses que na quarta-feira (12/10) esqueceram o feriado e manifestaram-se contra os corruptos e seus beneficiários não precisam ostentar propostas concretas ou programas definidos. Acreditam na primavera brasileira e isto é o bastante. Tal como os seus co-irmãos norte-americanos (principalmente novaiorquinos) que investem contra Wall Street, mas na realidade estão resistindo à anarquia do Tea Party. Acima e abaixo do Rio Grande, as duas legiões defendem o Estado decente, justo, isonômico.
As diferenças
Os grandes clamores populares que mudaram os rumos da humanidade nos últimos 500 anos não obedeciam a plataformas rígidas, arrumadas. Foram explosões de insatisfação que hoje podem ser canalizadas através das redes ditas “sociais” e da mídia tradicional. E se estas se mantêm acríticas, perplexas, aparvalhadas – como tem acontecido – convoque-se o magnata Warren Buffet que acaba de divulgar ruidosamente a sua declaração de rendimentos: pagou apenas 17,4 % de imposto, enquanto que, para seus empregados, a alíquota foi de 30%.
O magnata e social-democrata alemão Walter Rathenau, um dos pilares da falecida República de Weimar, também favorecia o imposto sobre fortunas. Foi assassinado pelos precursores do nazismo.
Está claro: o mundo clama pelo fim dos privilégios. A corrupção quer mantê-los.
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