18 outubro 2011

INTERNACIONAL

É o social, estúpidos!



Coerentemente com sua incapacidade de explicar o prestígio nacional de Lula – 87% depois de ter deixado de ser presidente -, a direita – tanto a partidária, quanto a midiática – não consegue explicar o prestígio e a mais que segura possibilidade de que Cristina Kirchner triunfe nas eleições do próximo domingo, 23 de outubro, reelegendo-se presidente da Argentina e inaugurando – como no Brasil – o terceiro mandato do ciclo atual de governos pós-neoliberais no país vizinho.

Todos os argumentos foram esgrimidos: o luto pela morte de Nestor Kirchner – ocorrida há mais de um ano, insuficiente para dar conta da contínua subida da popularidade de Cristina; a corrupção, que cooptaria grande quantidade de gente: incapaz de dar conta de um apoio popular generalizado de Cristina; a conjuntura econômica internacional: esta volta a se tornar um condicionante negativo, mas a economia argentina continua a ser a que mais cresce no continente. Resta a idiossincrasia argentina, uma espécie de sentimento de auto-destruição inato dos argentinos, que adorariam acelerar a suposta decadência do seu país.

Em suma, apelou-se para argumentos infra-políticos, antropológicos, psicanalíticos, tangueiros, mas não conseguem entender, menos ainda explicar por que um governo que a mídia brasileira e argentina – irmãs gêmeas – execra, conseguirá se reeleger nas eleições do final deste mês, com mais de 40% de diferença para o segundo colocado.

A razão é que isso seria uma confissão dramática – e quase suicida – para as elites, do óbvio: o Brasil e a Argentina tiveram uma substancial melhoria nas condições de vida da massa da população e este é o “segredo” conhecido por todo o povo, do sucesso dos seus governos atuais.

Enquanto – só para tomar os presidentes depois da restauração da democracia nos dois países – presidentes como Ricardo Alfonsin, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso, Fernando de la Rua – saíram enxotados e repudiados pelo povo, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, terminaram ou terminam seus mandatos com um majoritários apoio popular, apesar da oposição da velha mídia monopolista.

A razão do sucesso desses governos – da mesma forma que dos outros governos progressistas da América Latina – reside nas políticas sociais, no ataque à característica mais marcante historicamente dos países do nosso continente: o de ser a região mais desigual do mundo. Aí reside o “segredo” das transformações levadas a cabo por esses governos e que explicam sua popularidade. Uma situação radicalmente contrária da dos governos que os antecederam e que implementaram ou deram continuidade ao modelo neoliberal.

Até mesmo essa direita reconhece que a distribuição de renda melhorou substancialmente desde o início desses governos, que o poder aquisitivo dos salários cresceu ao longo desses mandatos, que os contratos formais de trabalho aumentaram sempre na década passada, revertendo, em parte, as desigualdades e exclusões sociais dos governos que os antecederam.

A dificuldade para que a direita – de lá e de cá – reconheça esse aspecto – o enorme processo de democratização social em curso nos nossos países – reside em que significaria automaticamente reconhecer que quando governaram – com ditadura ou com democracia -, perpetuaram ou até mesmo pioraram a situação da massa da população. A desigualdade histórica que marca o nosso continente é produto dos governos das elites tradicionais. Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais – partidos e mídia – e, de alguma forma, suicidar-se como consciência social. Daí que estejam condenados a enganar-se e, assim, a impossibilidade de compreensão do que são nossos países e toda a América Latina hoje. Daí a situação de impotência, desconcerto e divisão que afeta a direita nos dois países e em grande parte do continente.

Por Emir Sader, em seu Blog


<O><O><O><O><O>


O desenvolvimento do
                   subdesenvolvimento





Está em curso o processo de subdesenvolvimento do país. As medidas que anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, Famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afetar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar.

Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os super-ricos em melhores condições de responder à emergência nacional?

Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adotadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas – do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador – e terminaram sempre em desobediência e desastre social e econômico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.

Em todos estes países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Por que a cegueira do FMI e por que é que a UE a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que atuam na sombra do FMI. Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP.

O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caiam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.

Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta: que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum? É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados), quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos, contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembléia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar.

 
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
















Nenhum comentário:

Postar um comentário