23 outubro 2011

ECONOMIA

Todos juntos contra os juros altos


Paulo Kliass(*)


Para quem está habituado a acompanhar a cena política brasileira, a iniciativa pode até parecer um tanto bizarra. Afinal, o auto intitulado “Movimento por um Brasil com Juros Baixos: mais Produção e Emprego” se constitui de um amplo arco de aliança de forças políticas. A iniciativa coube a várias entidades do movimento sindical (como a CUT, a Força Sindical, entre outras) e do movimento empresarial (como a FIESP, a ABIMAQ, por exemplo), e com o passar dos dias a adesão tem aumentado de forma significativa. [1]

No entanto, tal fato só deve soar estranho para aqueles que carregam consigo um pseudo “principismo” na forma de fazer política e se recusam a qualquer tipo de unidade na ação com parceiros que podem ter diferentes visões de mundo e de projetos para o nosso País. Na verdade, o que mais chama a atenção no caso é a impressionante demora em se ter articulado um movimento de tal envergadura por uma causa que consegue unificar um conjunto vastíssimo de setores sociais aqui no Brasil e no resto do planeta. Há décadas a política monetária levada a cabo pelos sucessivos governos teve a marca da ortodoxia extremada e a manutenção das taxas de juros mais altas em todos os continentes. O sacrifício imposto à grande maioria dos setores da sociedade tem sido imenso.

No discurso, todo mundo se dizia contra tal aberração, com exceção dos representantes do capital financeiro e seus porta-vozes espalhados, de forma estratégica, pelos órgãos da grande imprensa. Cavalgando tranquilamente na trilha hegemônica aberta pelo neoliberalismo, eles conseguiam calar as vozes dissonantes e inviabilizar que propostas alternativas fossem sequer cogitadas de implementação como política econômica. Porém, os empresários do setor produtivo – apesar de serem prejudicados por tal política - não se dispunham a colocar suas forças em ação de forma mais aberta e mobilizadora contra a política monetária, pois talvez se sentissem um tanto incomodados em assumir tal postura perante o governo e a sociedade.

Já uma parte das entidades do movimento sindical se recusava a qualquer forma de mobilização nas ruas contra a política monetária, com a desculpa equivocada de que não poderiam ir contra aspectos da política de um governo de cuja base de apoio faziam parte. E assim foi o longo período do reinado absoluto dos juros altos, provocando a maior transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado de nossa história, sob a forma dos juros e serviços da dívida pública.

E aqui também foi necessário que eclodisse a crise financeira de 2008 e suas recaídas mais recentes para que tais entidades resolvessem tomar atitudes mais ousadas. Pegando carona nos movimentos de revolta como “los indignados” e “occupy Wall Street”, as entidades começam a ensaiar timidamente alguns passos aqui em nossas terras. Mas só assumiram algo mais efetivo depois que o COPOM promoveu a redução da SELIC na reunião de agosto de míseros 0,5%. E agora outra redução quase irrelevante de mais 0,5%, na reunião de outubro, exatamente como previa a pesquisa do Banco Central junto aos operadores do mercado financeiro.. Sem querer desmerecer a importância política do movimento, é importante registrar que até parece terem resolvido assumir uma postura mais ofensiva apenas depois que a Presidenta Dilma deu sinais que desejaria mesmo juros mais baixos.

A primeira manifestação de lançamento do movimento foi carregada de simbolismo. As entidades se dirigiram à sede do Banco Central na Avenida Paulista para demonstrar seu descontentamento com a política monetária de juros tão elevados. No coração da cidade de São Paulo, em meio a edifícios de bancos, de grandes multinacionais e da própria Federação das Indústrias, foi deixado o registro de um movimento que bem representa a amplitude da evidente discordância reinante no interior da sociedade brasileira a respeito dos juros estratosféricos.

Porém, se o objetivo das entidades é realmente trazer a taxa SELIC para níveis - digamos – mais “razoáveis”, então será necessário avançar ainda bastante na capacidade de mobilização e intervenção na arena política e nas ruas. Parcela significativa dos economistas não comprometidos com a banca já tem se manifestado a respeito da urgência em se estabelecer uma política de juros reais (taxa oficial deduzida a inflação) bem mais reduzida. Hoje ela continua em torno de 6 % ao ano, enquanto a maioria dos países desenvolvidos pratica níveis próximos a zero ou mesmo negativos.

Assim, é necessário aproveitar o momento de crise internacional a nosso favor e dar aquilo que o jargão do financês chama de “paulada” na SELIC, trazendo-a dos 11,5% para algo em torno de 8 ou 9%. Os únicos prejudicados serão os detentores de capital especulativo, que vêm para cá em busca de rentabilidade elevada e segura, sem nenhum compromisso com a economia e a sociedade brasileiras. Todos os demais setores serão beneficiados por tal mudança. O Estado deixará de comprometer volumes criminosos de recursos orçamentários para sustentar o parasistismo, passando a investir mais na saúde, educação e outras áreas prioritárias. A taxa de câmbio sairá desse patamar de valorização do real frente às moedas internacionais, propiciando maior competitividade às nossas exportações de manufaturados e reduzindo o nível absurdo de importações de produtos industrializados. Com isso, poder-se-ia iniciar, de forma efetiva, um processo de reversão da atual tendência à desindustrialização, com a qual perdemos emprego e renda para o resto do mundo.

Se não existem mais tantas barreiras políticas e ideológicas à redução dos juros, cabe à sociedade organizada fazer valer sua voz e seus interesses junto ao governo. E a história recente tem demonstrado que apenas a mobilização objetiva funciona como elemento de pressão. Cada vez mais fica evidente para a população a balela em que se transformou o dogma, até anteontem intocável, da “independência do Banco Central”. Na verdade, esse foi o recurso de retórica utilizado para permitir que a autoridade monetária operasse de forma absolutamente “dependente” do sistema financeiro. E, pior ainda, fazendo com que o conjunto do governo e do sistema político se tornasse refém de seus interesses. Não adianta apontar apenas para o horizonte longínquo de 2012, como chegaram a ensaiar alguns oradores do movimento no dia 18 passado. A mudança é urgente! Caso fiquemos esperando o ritmo de queda de 0,5% a cada 45 dias, aí sim mais uma vez perderemos o bonde da oportunidade histórica de uma queda substantiva. Foi o erro cometido em 2008, fato reconhecido até por integrantes da atual equipe econômica

É necessário ampliar o movimento para focar já na próxima reunião do COPOM de 29 e 30 de novembro, com exigências de níveis bem objetivos de meta de taxa SELIC desejada. Há muito espaço político ainda a ser preenchido com entidades que até agora não demonstraram envolvimento que a causa merece, como UNE, UBES, MST, OAB, CONTAG e tantas outras. Ampliando essa base e sensibilizando a população a se mobilizar a favor da medida, o movimento terá 45 dias para trabalhar o conjunto da sociedade, de forma a convencer a Presidenta e sua equipe de que outro patamar de taxas de juros é possível!

NOTA
[1] Ver: http://www.brasilcomjurosbaixos.com.br/

(*)Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



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Mal social globalizado


Protestos em NY têm cozinha comunitária, biblioteca com gibis do Batman, hippies e visitas de personalidades. Foto: Eduardo Graça


Certamente não é (ainda) o fim do capitalismo a ser anunciado por esse formidável movimento de indignação diante do sofrimento imposto pela falta de controles do sistema financeiro nos Estados Unidos e na Europa. A natureza dessas manifestações talvez possa ser condensada em duas queixas entoadas, respectivamente, em Lisboa: “Essa dívida não é nossa”, e em Nova York: “Nós fomos vendidos, os bancos foram resgatados”.

O grito “Ocupem Wall Street”, antes de ser um protesto contra a economia de mercado, exprime o profundo sentimento de injustiça social derivado da incapacidade dos governos que permitiram a destruição do emprego e do patrimônio de milhões de honestos cidadãos assaltados, de forma imoral, por um sistema financeiro desinibido com suas inovações. São os trabalhadores desempregados as grandes vítimas do contágio desse mal social.

O homem, ao construir o mundo com o seu trabalho, exerce uma pressão seletiva no sentido de aumentar a sua liberdade de expressão. Há uma evolução civilizatória e quase biológica que amplia o altruísmo e a solidariedade social, exatamente porque a cooperação é mais produtiva e libera mais tempo para a expressão criativa do homem.

Uma das construções mais impressionantes de Marx é a sua leitura do papel do trabalho nos Manuscritos de 1844, antes de ele ter sido seduzido pela leitura de David Ricardo. O trabalho é o processo pelo qual o homem se produz e projeta fora dele as condições de sua existência e a sua capacidade de transformar o mundo.

Com as políticas sociais, o Estado do Bem-Estar Social transformou (transitoriamente!) o sistema salarial alienante de Marx no símbolo da segurança do trabalho. Ele dá a garantia para o funcionamento das instituições, particularmente os mercados e a propriedade privada.

Os economistas precisam incorporar, como dizia o etnólogo Marcel Mauss (Sociologie et Anthropologie, 1950), que o trabalho é o “fato global”. O desemprego involuntário é o impedimento insuperável do cidadão de se incorporar à sociedade. Por motivos que independem de sua vontade, ele não pode sustentar honestamente a si e à sua família. O desemprego involuntário é o “mal social global”! Não importam filosofia ou ideologia. No estágio evolutivo da organização social que o homem continua procurando, para fazer florescer plenamente a sua humanidade, são a natureza e a qualidade do seu trabalho que o colocam na sua posição social e econômica, afetam sua situação física e emocional e determinam o nível do seu bem-estar.
É com esse sentido do papel do trabalho, com o qual o homem se constrói e produz um mundo onde tenta se acomodar em uma estrutura social conveniente que devemos entender os protestos dos enragées, que se intensificam na Europa e nos EUA. Não se trata de excluídos sociais (talvez alguns deles o sejam), mas de cidadãos honestos, educados, que até há bem pouco tempo tinham a oportunidade de ganhar o sustento de sua família, educar seus filhos, comprar sua casa, enfim, viver a vida dignamente com o fruto de seu trabalho.
É verdade que nos EUA alguns deles já estão na terceira geração vivendo à custa dos outros, graças à miopia e inércia de um Estado do Bem-Estar distraído. Mas a renda média do americano não cresce desde 1996 e a distribuição de renda tem piorado sistematicamente. A reação do povo será medida nas eleições de novembro de 2012. O desconforto é enorme. O presidente Obama referiu-se a ele ligeira e quase temerosamente. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, empurrou a culpa para o sistema financeiro, que “aumentou as tarifas bancárias em resposta aos novos controles de Wall Street, ampliando a irritação popular contra ele”. E o presidente do FED, Bernanke, com aquela figura de Papai Noel arrependido, limitou-se a afirmar que “as pessoas estão descontentes com o estado da economia. Elas reprovam – e não sem razão – o setor financeiro pela situação em que nos encontramos e estão descontentes com a resposta das autoridades”. Que autoridades? Obama, Geithner e Bernanke!

Quando se trata de entender o verdadeiro papel do trabalho, os economistas do mainstream saem muito mal na foto: tratam-no apenas como um fator de produção, sujeito às leis da oferta e da procura. Por definição, não há desemprego involuntário. Como disse um economista que viria a ser premiado com o Nobel, o desemprego em massa é apenas uma manifestação de “vagabundagem da classe trabalhadora”.
Nesse tom, comovido, o velho Karl agradece o incentivo…


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

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