14 outubro 2011

BRASIL

Nós, os inimigos


O mentor: Darke Figueiredo e a mulher. O general coordenou a confecção do documento


Em 24 de abril de 2009, sob as barbas do então presidente Lula e com o apoio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, o Exército do Brasil produziu um documento impressionante. Classificado internamente como “reservado” e desconhecido, até agora, de Celso Amorim, que sucedeu a Jobim no ministério, o texto de 162 páginas recebeu o nome Manual de Campanha – Contra-Inteligência. Trata-se de um conjunto de normas e orientações técnicas que reúne, em um só universo, todas as paranoias de segurança herdadas da Guerra Fria e mantidas intocadas, décadas depois da queda do Muro de Berlim, do fim da ditadura e nove anos após a chegada do “temido” PT ao poder.

Há de tudo e um pouco mais no do-cumen-to elaborado pelo Estado Maior do Exército. A começar pelo fato de os generais ainda não terem se despido da prática de espionar a vida dos cidadãos comuns. O manual lista como potenciais inimigos (chamados no texto de “forças/elementos adversos”) praticamente toda a população não fardada do País e os estrangeiros. Citados de forma genérica estão movimentos sociais, ONGs e os demais órgãos governamentais, de “cunho ideológico ou não”. Só não explica como um órgão governamental pode estar incluído nesse conceito, embora seja fácil deduzir que a Secretaria de Direitos Humanos, empenhada em investigar os crimes da ditadura, seja um deles.

O manual foi liberado a setores da tropa por força de uma portaria assinada pelo então chefe do Estado Maior, general Darke Nunes de Figueiredo. Ex-chefe da segurança pessoal do ex-presidente Fernando Collor de Mello, Figueiredo é hoje assessor do senador do PTB de Alagoas. O texto é dividido em sete capítulos, com centenas de itens. O documento confirma oficialmente que o Exército desrespeita frontalmente a Constituição Brasileira. Em um trecho registrado como norma de conhecimento, descreve-se a política de infiltração de agentes de inteligência militar em organizações civis, notadamente movimentos sociais e sindicatos. O expediente, usado à farta na ditadura, está vetado a arapongas militares desde a Carta de 1988, embora nunca tenha, como se vê no documento, deixado de ser usado pela caserna.*


*Leia a íntegra da matéria na edição 668 de CartaCapital, nas bancas nesta sexta-feira 14



Por Eduardo Sales de Lima, no jornal Brasil de Fato

 O jovem punk Johni Raoni Falcão Galanciak foi assassinado na madrugada do dia 4 de setembro. No dia 29 do mesmo mês, a Justiça condenou a 31 anos e 9 meses de prisão, Vinícius Parazatto, um dos skinheads acusados de obrigar dois jovens (que usavam camisetas com nomes de bandas punks), a pular de um trem em movimento, em Mogi das Cruzes, em 2003. Um deles morreu, o outro perdeu um braço. Entretanto, cabe recurso a Vinícius.

Os dois fatos reacendem mais uma vez a luz sobre o crescimento de grupos de extrema direita no país, sobretudo na região metropolitana de São Paulo.

No Brasil, a partir da década de 1980, surgiam os “Carecas do ABC”, em contraposição ao movimento popular e sindical, capitaneado então por Luiz Inácio Lula da Silva.

Anos depois, o contexto atual pode ser explicado, em grande parte, pelo acalorado debate nas eleições presidenciais no ano passado. É o que pensa a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que estuda a questão do neonazismo no Brasil desde 2002. “A questão do preconceito aos nordestinos, que apareceu no ano passado, vem desde as eleições do Lula. Na eleição da Dilma, isso se radicalizou muitíssimo porque foi levantada a questão do aborto, do casamento gay”, lembra Adriana.

Segundo ela, obviamente, por trás de vários tipos de preconceitos existem questões de classe. Mas vai além. Segundo Adriana, no caso do racismo exercido por certos grupos, o que existe não é somente opinião, mas uma emoção “contundente e violenta”.

Ela acrescenta ainda que nas crises, “nos momentos em que a humanidade é chamada a depor”, sobretudo de âmbito econômico, os movimentos fascistas tendem a ganhar mais espaço em parte da juventude .“Por exemplo, quando surgiram as cotas raciais. A gente viu um grande movimento desses grupos contra as cotas”, lembra.

Muita coisa mudou da época dos “Carecas do ABC” para cá. Sobretudo a possibilidade de comunicação entre esses membros de grupos fascistas, com o uso da internet. Adriana identificou impressionantes 150 mil endereços IP (protocolos de internet) de brasileiros que baixaram pelo menos 100 arquivos de páginas neonazistas. O site Valhala88, desativado em 2007, chegou a receber 200 mil visitas diárias no Brasil.

O que leem

Há dois grandes grupos etários de neonazistas no Brasil, de acordo com Adriana. O primeiro tem entre 18 e 25 anos. O outro entre 35 e 45 anos, que seriam os líderes.

Segundo ela, a leitura dos neonazistas é composta por William Patch, Thomas Haden, Miguel Serrano. “Eles acessam muitos fóruns no exterior e leem muita literatura revisionista, que na verdade é negacionista [negação do holocausto]", relata.

De acordo com Adriana, os neonazistas brasileiros “baixam” muito mais traduções em português, espanhol, e inglês, mas dificilmente em alemão. “A grande maioria nem sequer lê em inglês”, pontua.

Quanto aos autores brasileiros, alguns jovens assistem a seminários promovidos pelo Instituto Plínio Correia de Oliveira (criador da TFP - Tradição, Família e Propriedade) e gostam dos escritos do jornalista Olavo de Carvalho. “Eu não quero dizer que Olavo de Carvalho seja amigo de todos eles por conta disso”, afirma Adriana.

Ainda de acordo com a antropóloga e sem quantificá-los, ela destaca que metade deles [neonazistas] que “estudou” possuem uma visão “cosmo-religiosa”. Adriana explica que uma parte dos neonazistas tenta chamar o nacional-socialismo de nacional-espiritualismo. “É uma tentativa de dar uma camuflagem de opinião ou de religiosidade ao grupo. O nazismo não é uma religião, não é uma opinião. Ele é uma ideologia. Se você entra na questão da opinião e na religião, acaba virando uma desculpa de liberdade de crença. E não é”, pondera.

O que ouvem

“É nítido ver qualquer agressão vinculada a grupos de extrema direita, em locais onde a música é o pano de fundo”, afirma pesquisadora sobre o tema que preferiu não ser identificada.

De acordo com ela, a música exerce um papel primordial sobre os jovens neonazistas. “Colocando a música dentro de um cenário político e com letras que reverenciam o poder, elas podem entrar na consciência de um indivíduo mais do que em qualquer outro ‘meeting político’, por ser mais suave, e por em princípio ser inocente, mas com propriedade densa”, revela.

Como explica a pesquisadora, o tema em geral das músicas neonazistas (no Brasil e no mundo) versa sobre o poder branco, nacionalismo exacerbado, usam indiretamente menções de Hitler e a alguns personagens que fazem parte da história do partido nazista.

Em relação às bandas do Brasil, há o Comando Blindado, a banda Zurzir (o vocalista desta banda recebeu uma intimação judicial e foi preso, pelo teor das letras nas músicas). Defesa Armada e Resistência 88 também figuram na cena musical neonazista.

“Os números 8 e 88 correspondem à oitava letra do alfabeto, que é “H”. Logo, o 88 é HH, iniciais de Heil Hitler. Uma pequena ideia da comunicação entre estes grupos. A música exerce uma força muito grande, da mesma forma que Leni Riefenstahl teve o poder sobre o cinema na propaganda nazista”, lembra.

Prussian Blue

Como alguns exemplos de bandas internacionais, a pesquisadora cita o caso das Prussian Blue. “Elas [duas garotas, Lynx Gaed e Lamb Gaed, gêmeas de 19 anos de idade] começaram em eventos musicais de extrema direita, com bandas da mesma linha. A mãe das meninas é uma racista declarada. Elas não estudaram em escolas, pois a mãe lecionava para elas em casa. Elas não podiam ter nenhum contato com o mundo externo. Há vídeos no Youtube em que as meninas até dançavam em torno da suástica”, conta a pesquisadora.

O álbum alcançou o quarto lugar na lista da revista Billboard.

Segundo a pesquisadora, em todas as letras das duas garotas, há um “entendimento político extremista sério”. “Até que ponto podem ir estes embriões de Hitler, influenciando outras jovens, em formação de opinião?”, questiona a pesquisadora.




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Manifestantes contra a corrupção vêem país pior do que há 10 anos

No início da tarde de 12 de outubro de 2011, comecei a ver na internet notícias de que uma das marchas contra a corrupção que a mídia vinha anunciando havia semanas reunira milhares em Brasília. Apesar disso, não se encontrava notícias de outras capitais. Por volta das 15 horas, então, por morar próximo ao Masp, local de partida da marcha de São Paulo, decidi ir até lá tentar entender esse movimento “apartidário” e “contra a corrupção”.

Todavia, cheguei tarde ao local de partida da “marcha”. Encontrei um grupo de cerca de 50 pessoas. Segundo os presentes, a marcha maior partira rumo ao centro da cidade havia alguns minutos. Os que ficaram no Masp, segundo disseram, romperam com a maioria que decidira marchar pela avenida Paulista, depois pela avenida da Consolação, depois pela rua Xavier de Toledo até chegar à Praça Ramos de Azevedo, diante do Teatro Municipal, onde o ato chegaria ao fim após alguns discursos.


Já no cruzamento da avenida Paulista com a Consolação, vendo que o tráfego continuava engarrafado rumo ao centro, apressei o passo. No caminho, encontro o blogueiro mineiro Tulio Viana e a esposa, a também blogueira Cintia Semiramis, descendo de um táxi em frente a um hotel. Falo com eles rapidamente e continuo caminhando, mas só vejo congestionamento e nada de manifestação.

Vou andando e vejo gente vestida a caráter para uma manifestação daquela natureza. Estavam indo na mesma direção ou voltando em sentido contrário. Alguns com caras pintadas de verde e amarelo, outros até portando cartazes e bandeiras do Brasil. Paro um casal em suas bicicletas, identifico-me como blogueiro político e pergunto se me poderiam dar uma rápida entrevista.

Ali começo a fazer a série de perguntas que faria nas outras 26 entrevistas durante as cerca de duas horas seguintes.  Pergunto, basicamente, o seguinte:

1 – Como você tomou conhecimento da manifestação?
2 – Por que você decidiu participar dessa manifestação?
3 – Você lê a revista Veja, a Folha de São Paulo ou o Estadão?
4 – Você acha que hoje há mais corrupção no Brasil do que há dez anos?
5 – Você acha que hoje o Brasil é um país pior, igual ou melhor do que há dez anos?
6 – Quantas pessoas você acha que há nessa manifestação?

A bela e esguia jovem de pele bem branca e cabelos lisos, negros e bem cuidados, vestindo roupa de malha dessas que se usam em academias e um short jeans, e o rapaz forte, alto, vestindo short e camiseta, a quem ela chamou de “amor”, não desceram das suas bicicletas para me dar entrevista, apesar de terem sido simpáticos e receptivos. Eis as suas respostas consensuais:

1 – Souberam da manifestação pelo Facebook
2 – Foram se manifestar devido ao aumento da corrupção
3 – Lêem Folha e Veja
4 – Disseram que hoje há muito mais corrupção do que há dez anos
5 – Disseram que hoje o Brasil é um país muito pior do que há dez anos
6 – Estimaram que a manifestação reuniu em torno de três mil pessoas.

Consigo encontrar a marcha só quando chego ao limiar da rua Xavier de Toledo, a algumas quadras do teatro da Praça Ramos de Azevedo.  Correra por quarteirões e já estava pondo os bofes para fora e suando em bica.  Continuo caminhando, agora, mas meus passos ainda são mais rápidos do que os da marcha.

Vou parando os policiais, no caminho, e pedindo estimativa do número de manifestantes. Alguns falam em quatrocentos, outros falam em quinhentos, outros falam oitocentos. Quando encontro o oficial da PM responsável pela operação que acompanhou a manifestação, porém, o número muda: o capitão, um simpático oriental de óculos, diz que a PM estima o público em “três mil pessoas”.

Decido ultrapassar a marcha quando vislumbro o Teatro Municipal ao fim da Xavier de Toledo. Começo a correr. Chego ao Teatro e subo a escadaria. Começo uma contagem. Contei umas setecentas pessoas. Parecia mais porque a rua estava cheia de transeuntes. Mas como os manifestantes caminhavam pela via dos veículos, deixando a calçada para os transeuntes, consegui fazer uma contagem que julgo bem razoável.


Começo, então, a me esgueirar entre a multidão a fim de fazer aquela série de perguntas mencionada mais acima. As únicas divergências para o casal de ciclistas que obtive foram no que diz respeito a quem lê Folha, Veja e Estadão, quanto ao número de manifestantes e quanto à forma como essas pessoas ficaram sabendo da manifestação.

A maioria, em 19 entrevistas, lê algum desses veículos, seja em papel ou pela internet, e os números que os entrevistados diziam haver de manifestantes iam de quinhentos a dez mil. Quanto à forma pela qual tomaram conhecimento da manifestação, citaram e-mails, jornais, revistas, boca a boca, blogs e sites, Twitter e Facebook.

Das 27 entrevistas, em 26 ouvi das pessoas que estavam lá por acharem que há muita corrupção. Essa maioria esmagadora afirma que há mais corrupção hoje no Brasil do que há dez anos e que hoje o país está muito pior do que há dez anos até na economia. Ou, como ouvi muito, “O país está pior em todos os sentidos”.



Na maioria das entrevistas, as pessoas acabaram atacando o PT, Lula, Dilma ou todos juntos. Quase todos disseram que a culpa pela corrupção é desse partido. O mais xingado foi, de longe, Lula. Um casal, inclusive, falou em impeachment de Dilma caso “a coisa continue a piorar”. Só um casal jovem que estava lá porque passava pelo local disse que hoje a corrupção aparece mais porque há mais informação e que o país está muito melhor hoje do que há dez anos.

Entre os organizadores do ato, descobri que estavam movimentos como o “Defenda São Paulo”, muitos alunos da universidade Mackenzie (havia até um professor contando, ao microfone, como ajudou a recrutá-los em sala de aula), a “juventude do PSDB” e o grupo Anonymous. Uma das entrevistadas se disse “militante do partido”, mas quando perguntei de que partido ela desconversou e passou a me ignorar, não mais respondendo as perguntas. E sumiu em seguida.


Por volta das 17 horas, fiz a última entrevista. Escolhi o que quase não se via na manifestação: um negro. Fiz a série de perguntas e ele, que se identificou como “Tiago”, estudante de Direito da universidade Unip, leitor da Veja e do Estadão, concordou com os outros que hoje há mais corrupção e que o país está pior do que nunca. Mas disse não entender por que não havia mais negros, ali. E arrematou: “É uma manifestação branca”.
















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