23 outubro 2011

IMPRENSA

GLOBO & RECORD

Disputa inflaciona mercado de direitos de transmissão



Por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos(*)


Os últimos cinco anos têm sido marcados por uma intensa disputa pelos direitos de transmissão de torneios esportivos por parte das duas principais competidoras no mercado televisivo brasileiro. Trata-se de uma expansão do processo competitivo intenso – que sinaliza a Fase da Multiplicidade da Oferta das comunicações – também para o esporte, especialmente o futebol, de preferência infinitamente superior no país (e em grande parte do mundo). O tripé futebol, telenovela e jornalismo constitui o núcleo de disputa principal da TV nacional, com custos inflacionados por esse interesse dos operadores em torno desses bens.

Hoje parece estranho, mas até o ano de 2006 Globo e Record foram parceiras na televisão brasileira no denominado “Pacote Futebol”, que leva em consideração todos os campeonatos de clubes com participação de times brasileiros (Brasileiro, Paulista, Carioca e Copa Sul-Americana), excetuando-se a Taça Libertadores da América, cuja transmissão sempre foi exclusiva da emissora com sede no Rio de Janeiro. Por conta de restrições da TV das Organizações Globo, caso da obrigação de transmitir a mesma partida no domingo, a Record não renovou o contrato e foi além: passou a concorrer pelos direitos de exibição de torneios esportivos com sua antiga parceira.

A primeira tentativa de comprar diretamente os direitos de transmissão foi para os principais torneios estaduais de futebol do país, casos do Campeonato Carioca e do Campeonato Paulista. Mesmo apresentando propostas financeiras mais altas, a emissora comandada pelo bispo Edir Macedo perdeu a concorrência para a principal rival. Com forte barreira para a aquisição destas competições, a Record optou, nos anos seguintes, por incentivar as afiliadas, e especialmente as filiadas, a participarem dos processos licitatórios pelos direitos dos campeonatos de seus respectivos estados para fidelizar o público local.

Emissora em franca ascensão

Assim, foram comprados estaduais menores, casos de Alagoas, Paraíba e Sergipe, tendo havido ainda a surpresa a grandes afiliadas globais com as aquisições das transmissões dos torneios da Bahia e de Santa Catarina, vencendo a RBS TV (maior grupo de comunicação regional da América Latina) e a Rede Bahia (da família de Antônio Carlos Magalhães), que só retomaram os torneios em 2010 e 2011, respectivamente. A Record passou a ser importante em locais em que os campeonatos nunca foram transmitidos pela televisão, apesar da reconhecida importância deste produto para atrair audiência. Nos estados com larga tradição futebolística, forçou grandes afiliadas da Globo a cobrirem as propostas nos períodos seguintes, gerando uma concorrência (e elevação de preços) até então inexistente.

Quase da mesma forma aconteceu com a transmissão da Liga dos Campeões da Europa, o maior e mais rentável torneio interclubes do mundo. A Liga, que na década de 1990 chegou a ser transmitida pela TV Cultura, também foi alvo desta disputa a partir do momento em que a Record adquiriu os seus direitos de transmissão para as temporadas 2006-2007, 2007-2008 e 2008-2009, que lhe rendiam boas audiências às terças e quartas-feiras à tarde, horário até hoje com problemas para estabelecer uma programação efetivamente atrativa.

Em 2009, a Globo adquiriu esse torneio com o intuito precípuo de tirá-lo da concorrente, pois os horários das partidas poderiam prejudicar a hora das telenovelas. Por conta disso, comprometeu-se a transmitir apenas três jogos por temporada, repassando os direitos sobre as partidas das quartas para a Band. As partidas de terça-feira estão a cargo da TV Esporte Interativo, em franca ascensão no mercado de audiovisual brasileiro e que, a partir de uma concessão em UHF da Rede Eldorado, que pertencia ao Grupo Estado de S. Paulo, transmite para seis emissoras de televisão aberta, sistemas por assinatura e parabólicas.

O crítico mais ferrenho

Para renovar o contrato por mais três anos, em 2011, Globo, Esporte Interativo e ESPN (TV fechada) quadruplicaram o valor oferecido, que ficou na casa dos R$ 20 milhões, para vencer Record, portal Terra e Fox Sports. A Globo exibirá cinco jogos por temporada e tanto TV Esporte Interativo quanto ESPN transmitirão também via internet e plataformas móveis.

No caso do Campeonato Brasileiro de Futebol, cuja briga ainda gera efeitos, mesmo que a transmissão continue com a Globo até 2014 – ou 2015, dependendo do contrato com cada clube –, cogita-se que, dos R$ 500 milhões mínimos exigidos na licitação, inicialmente visto como absurdo pela emissora, ela irá gastar, pelo menos, R$ 800 milhões por temporada.

A principal vitória da emissora de Edir Macedo envolve a transmissão, com exclusividade na televisão brasileira (aberta ou fechada), dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, segundo evento do pacote olímpico adquirido pela Rede em 2007, atualmente em realização. No ano de 2010, transmitiu os Jogos Olímpicos de Inverno, com boa audiência, principalmente diante da falta de tradição brasileira naquelas modalidades esportivas, ocupando boa parte do horário vespertino. A emissora conta com 200 profissionais para a cobertura do evento no México. Muitos deles, ex-atletas, já trabalharam na Rede Globo, casos de Róbson Caetano (atletismo) e Oscar Schmidt (basquete).

Contudo, a última contratação da emissora veio depois da apresentação do produto aos anunciantes. O ex-jogador de futebol e atual deputado federal Romário de Souza (PSB-RJ) é comentarista das partidas de futebol do Pan (num caso estranho – pelo menos em termos internacionais – em que uma autoridade pública atua para uma concessionária de serviço público). Vale lembrar que Romário é o crítico mais ferrenho do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, no Congresso Nacional, a quem acredita que passou da hora de dar respostas ao povo brasileiro, inclusive sobre a Copa do Mundo de 2014, que dispenderá muitos recursos públicos, mesmo sendo um evento privado.

Disputa no plano econômico

O clima de “guerra” entre as duas emissoras, no entanto, não é novo. Algumas acusações da Globo à Record – contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) especificamente, que é a financiadora da emissora – processam-se faz mais tempo, incluindo a minissérie Decadência, de 1995, trazendo Edson Celulari no papel de um controvertido pastor que funda sua própria seita. A Record, sempre que pode, acusa a concorrente de práticas oligopolistas ou, num caso mais recente, de não ter pago pela TV Paulista, atual TV Globo São Paulo. Mas em 2011, após a Globo renovar o direito de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol, o ataque da emissora de Edir Macedo acirrou-se, com denúncias contra a emissora da família Marinho, Ricardo Teixeira e os dirigentes de alguns clubes, seus amigos.

Todos sabem das barreiras no mercado impostas pela Globo durante estes mais de 40 anos de liderança, mas nem por isso se deve enaltecer a Record como real alternativa. Pelo contrário, suas ligações com a expressão cultural religiosa representam um problema maior. Mas é inegável que as críticas a determinadas estruturas sociais, que sempre tiveram ampla recepção na líder, geram uma difusão jamais tida num meio de comunicação massivo. É no conflito intra-elites que os problemas sociais podem aparecer. Ainda se está longe de uma situação mais geral, mas, ao menos nos problemas relativos ao futebol, as relações político-institucionais de benefício à Rede Globo de Televisão são mostradas com grande frequência.

Além disso, mesmo sem a entrada de um grande grupo comunicacional transnacional na TV aberta, por ausência de regulamentação atualizada do setor, o crescimento da Record, a partir dos recursos extra-mídia injetados pela Iurd desde a década de 1990, modificou a disputa no mercado. Por não depender diretamente de verba publicitária, ela pode entrar com força em disputas como a dos direitos de transmissão de eventos esportivos. Nessa direção, adquiriu os direitos para transmitir os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, por R$ 60 milhões, valor muito superior aos R$ 12 milhões que a concorrente pagou pelas Olimpíadas de Pequim, em 2008. Onde as barreiras político-institucionais não prevalecem, a disputa vem se dando no plano econômico, no qual a emissora de Edir Macedo apresenta relativa vantagem.


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[Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no mesmo programa]

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com/



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JORNAL NA JUSTIÇA

A Folha se retrata



Por Luciano Martins Costa



O cidadão chamado Nelson Luiz Conegundes de Souza, professor de Educação Física com especialidade em Fisiologia do Treinamento Esportivo, era professor do Colégio Equipe e técnico de basquetebol da AABB – Associação Atlética Banco do Brasil – em São Paulo, no ano de 1998, quando foi entrevistado pela Folha de S.Paulo.

O repórter do jornal paulista queria detalhes do projeto de criação da Liga Paulistana de Basquetebol, da qual ele era um dos coordenadores.

No dia seguinte, 19 de março de 1998, ao abrir o jornal, Nelson foi informado de que estava sendo acusado pela Folha de ser o principal mentor de uma liga “pirata” que tinha como objetivo “fisgar clubes”, supondo-se que um dos propósitos era levar alguma vantagem financeira.

Nos dias subsequentes, Nelson foi demitido da AABB e estigmatizado no seu meio profissional, tendo seu nome associado àquilo que os brasileiros conhecem como “picaretagem”.

Passou a ser vítima de chacotas de colegas, evitado pelos amigos e teve sua entrada proibida na sede do clube ao qual havia prestado serviços durante os 13 anos anteriores.

Ele entrou na Justiça com uma ação por reparação de danos, exigindo antes de mais nada a publicação do direito de resposta, no mesmo espaço e com o mesmo destaque dado à reportagem que o havia prejudicado.

Pois bem: nesta quinta-feira, dia 20 de outubro de 2011, treze anos após produzido o dano, a ação judicial que tramitava na 29ª Vara Cível do Fórum João Mendes foi finalmente julgada e executada.

A Folha de S.Paulo foi condenada a ceder a ele o espaço para que se defendesse da acusação.
Nem precisava, porque nesse período a tal liga que a Folha considerou “pirata” não apenas se consolidou como uma entidade representativa do esporte em São Paulo como se tornou atuante na capital paulista e região metropolitana, no Vale do Paraiba, Baixada Santista e algumas cidades do interior do estado.

Como sua área de atuação foi ampliada, acabou mudando o nome, de Liga Paulistana para Liga Paulista de Basquetebol, e está filiada à Federação Paulista de Basquetebol.

De tudo isso os leitores da Folha puderam tomar conhecimento apenas porque a decisão judicial mandou que o jornal publicasse a defesa de Nelson Luiz Conegundes de Souza.

Em todo esse tempo, a Folha nunca se preocupou em corrigir o erro por sua própria iniciativa, ou sequer verificar se o teor daquela reportagem de março de 1998 estava correta.

Para obter o direito de ver sua versão publicada, o cidadão teve que levar seus recursos à última instância da Justiça, o Supremo Tribunal Federal.

Arrogância e má-fé

Mais do que qualquer manifesto da Associação Nacional de Jornais, o pequeno texto publicado nesta quinta-feira no caderno de Esporte da Folha de S.Paulo diz muito sobre a necessidade ou a conveniência de alguma regulamentação da imprensa.

O caso é uma comprovação bizarra de que, se depender de sua própria vontade, a imprensa brasileira não haverá de reconhecer o mais comezinho direito do cidadão que se sente ou é efetivamente prejudicado pela atividade jornalística.

Se depender do Judiciário, o cidadão pode até ver atendida sua queixa, mas terá que esperar por mais de uma década para isso.

O que se pode ler sobre o assunto, além do texto que a Justiça obrigou a Folha a publicar, é apenas meia dúzia de reproduções em blogs e alguns registros de sites de monitores jurídicos.

Este observador não teve condições de constatar se a retratação foi feita espontaneamente pela Folha antes da publicação da sentença definitiva e o jornal, aparentemente, não tem interesse em esclarecer isso aos seus leitores.

Há alguma controvérsia entre juristas sobre a hipótese de a publicação espontânea da retratação, em lugar do direito de resposta, impediria ou dificultaria ao queixoso obter indenização por danos morais e materiais.
Se for esse o caso, era de se questionar o valor moral de tal atitude, principalmente levando-se em conta que quem defende o jornal é a advogada Taís Gasparian, que tem sido também porta-voz do movimento contra qualquer proposta de normatização da imprensa.

Não se há de levantar aqui a bandeira do controle da atividade jornalística ou de mesmo remotamente defender qualquer proposta que cheire a censura.

No entanto, o cidadão Nelson Luiz Conegundes de Souza bem merecia da Folha de S.Paulo mais do que o acanhado texto que lhe foi concedido. Afinal, os fatos demonstram que a reportagem maliciosa de 1998 estava errada e apenas a má-fé e a arrogância podem explicar o uso de todos os recursos judiciais, até a Suprema Corte, para tentar evitar esse ato de Justiça.



Fonte; http://www.observatoriodaimprensa.com.br/





Nota: Este artigo acima, A Folha se retrata, antes que algum leitor,
se houver algum, pergunte o por quê, esclareço (talvez eu esteja
sendo condescendente): é apenas para exemplificar como funciona
a nossa "grande" imprensa. Com sua arrogância, não tá nem aí para
a honra alheia. Mente, distorce e manipula as informações. Os pre-
judicados que provem que são inocentes, e aguardem dez ou mais
anos para que o Judiciário, com sua celeridade conhecida, faça justiça.
(AB) 

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