18 outubro 2011

ECONOMIA

 

BC decide juro sob pressão e na mira da CVM; 'mercado' prevê corte

Manifesto de sindicalistas, empresários e intelectuais dá apoio político à decisão do governo de enfrentar crise global com corte de juros e cobra do Banco Central nova queda quarta-feira. Texto diz que Selic 'fomenta comportamento rentista e improdutivo'. Em pesquisa do BC, 'mercado' projeta queda de meio ponto. Em agosto, 'mercado' surpreendeu-se com queda mas fizera operações suspeitas que Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está a investigar.

BRASÍLIA – A diretoria do Banco Central (BC) decide sobre a taxa de juros na quarta-feira (19) mais uma vez sob pressão política. Mas, se na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom) a pressão fora comandada por sindicalistas e estudantes, agora, empresários e intelectuais vão ajudar a fazer coro por nova redução da Selic, algo desta vez esperado até pelo 'mercado'.

Em agosto, o 'mercado' fora surpreendido com corte de meio ponto da taxa. Oficialmente, segundo pesquisa semanal do BC, apostava que a Selic ficaria igual. Mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) detectou, às vésperas do Copom anterior, operações atípicas em contratos de juro futuro, as quais tinham a premissa de que a Selic cairia, e abriu uma investigação para descobrir o motivo.

Na pesquisa divulgada pelo BC nesta segunda-feira (17) – o levantamento costuma ouvir de 90 a 100 instituições -, a previsão do 'mercado' é de outra queda de meio ponto, o que baixaria a Selic para 11,5%. Por outro lado, o mesmo “mercado” aumentou um pouco a projeção de inflação para o ano que vem, que já é o centro das preocupações do BC.

De qualquer forma, a repetição do corte da Selic é o que esperam centrais sindicais, empresários do setor produtivo e intelectuais que, nesta terça-feira (18), primeiro dia de reunião do Copom, lançam, durante ato em São Paulo, manifesto contra os juros altos no Brasil.

“Acreditamos que reduções adicionais dos juros darão ao país a oportunidade de iniciar um movimento de combate à crise [global], apoiado na maior competitividade de nossas exportações e no dinamismo de nosso mercado interno”, diz o texto. “Assim, a redução da taxa de básica de juros aliada a uma política industrial ativa e realista são fundamentais para preservarmos postos de trabalho e continuarmos a crescer com mais emprego e renda.”

Até às 11h desta segunda, o manifesto “Movimento por um Brasil com juros baixos: mais emprego e maior produção”, que já está disponível na internet, contava com 380 assinaturas de apoio.

Entre os signatários, estão os presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos, e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Os embaixadores José Viegas, ex-ministro da Defesa, e Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty. Os economistas Luiz Gonzaga Beluzzo, Carlos Lessa e Luiz Carlos Bresser-Pereira. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. E os ex-secretários do ministério da Fazenda Julio Sérgio Gomes de Almeida (Política Econômica) e Ozires Silva (Receita Federal).

O documento reclama de o Brasil ser “um caso único na história econômica de prática de taxa de juros reais de dois dígitos por 16 anos seguidos”. De a Selic atual, mesmo menor, ainda ser capaz de atrair “capitais especulativos” e de fomentar “comportamento rentista e improdutivo”. E de o pagamento de juros drenar “recursos que poderiam atender as enormes carências de infraestrutura, saúde, transporte, telecomunicações, educação, saneamento” do país.

O manifesto endossa o diagnóstico do governo de que a crise mundial afetará o crescimento do país e, assim, ajudará a controlar a inflação. E, sobretudo, dá apoio político à decisão do governo de enfrentar a crise prioritariamente com corte de juro. Essa foi uma opção política do governo, que poderia ter escolhido, como em 2008/2009, dar peso maior à política fiscal – gastos públicos.

O governo acha que a crise pode ser a oportunidade de o Brasil, enfim, colocar sua taxa de juros real em patamar condizente com os praticados pelo mundo.




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A farsa da Selic



Enquanto a Europa vai afundando na crise e os Estados Unidos amargam uma estagnação com elevado desemprego, aqui o desafio é retomar o crescimento e controlar a inflação.

Os últimos dados apontam para um crescimento tendendo a 3,5% e inflação a 6,5%. O que fazer? Ativar a economia pela ação do governo ou continuar desativando para segurar a inflação?

Essa discussão ganhou força após o Banco Central (BC) reduzir meio pontinho na Selic. O debate se acirrou entre os guardiões da inflação e os desenvolvimentistas. Apesar das fortes divergências os dois lados ainda atribuem à Selic o poder mágico de controlar a inflação e o crescimento. Mas e se ela não servir para isso? Nesse caso se terá dado ao longo de vários anos o remédio errado com sérios prejuízos à saúde do País. Por isso é essa a questão central do debate. Vamos avaliar.

1. Posições - Os guardiões da inflação, liderados pelo mercado financeiro, vêem inflação crescente devido ao que consideram excesso da demanda em relação à oferta interna. Não leva em conta a oferta externa para atender a demanda. É como se a economia fosse fechada para as importações. Então, para combater a inflação advogam a redução da demanda via elevação da Selic. Se o BC não mantiver a Selic em nível elevado, perde a credibilidade e não ancora as expectativas dos formadores de preços.

Para essa corrente o País não pode crescer mais do que 3,5% e a taxa de juros reais (excluída a inflação) cair abaixo de 5%, pois fatalmente seria rompido o teto da meta de inflação de 6,5%.

Os guardiões da inflação sempre usaram a chantagem inflacionária para pressionar o BC a manter a Selic elevada. Não querem perder o comando das decisões do BC, como sempre tiveram, e ainda tem a coragem de afirmar que ele era independente, mas agora com a nova política do governo deixou de sê-lo. São espertos, pois apresentam argumentos de ameaça inflacionária e em seguida a solução milagrosa da Selic.

Essa posição é frágil por não considerar o impacto externo na economia tanto para a inflação quanto para o crescimento, além de atribuir à Selic um poder de alteração na inflação e crescimento que não tem, como será visto à frente.

A outra posição, agora defendida pelo governo, é de que a inflação vai depender dos preços internacionais em queda devido à crise, e a economia está patinando, o que reduz o potencial de demanda. Nessa situação, a Selic pode cair sem maiores problemas para a inflação. Essa corrente defende que é possível manter a inflação dentro do limite da meta, com um crescimento de 5% e defende estímulos à economia.

A falha dessa posição é que a Selic só pode cair se a inflação externa o permitir. O governo só foi acordar recentemente para reduzir a Selic quando viu que a economia estava perdendo força devido à crise em expansão. Poderia ter ativado os investimentos das empresas não elevando a Selic cinco vezes neste ano passando-a de 10,75% para 12,50%. Errou, pois também atribuiu à Selic o poder de controle da inflação e do crescimento. Parece que mudou quanto ao poder mágico da Selic.

2. Inflação - O mercado financeiro e o BC prevêem inflação acima da meta de 4,5% neste e no próximo ano. Usam modelos sofisticados para as previsões, mas como as variáveis desses modelos podem assumir valores imprevisíveis, o resultado pode se afastar da realidade, pois prever a inflação está sujeito a erro crescente quanto maior o período considerado. As falhas ocorrem mesmo para um mês à frente, como se deu de junho a agosto de 2010, quando o mercado financeiro previu inflação de 0,4% em cada mês e ela foi zero. Assim, essas previsões para 2011 e 2012 podem ser puro chute.

A inflação no mundo todo bem como aqui vai depender, em boa medida, do resultado entre a queda dos preços em dólares das commodities e o câmbio que depende da insegurança gerada pela crise. Após a súbita desvalorização cambial, que atingiu nos primeiros dias do mês R$ 1,90, volta agora para R$ 1,70 a R$ 1,75, o que permitirá redução nos preços das commodities em reais e seu impacto na contenção inflacionária.

Em setembro o índice CRB, que mede os preços das commodities, caiu 10,7%, o maior tombo desde outubro de 2008, ápice da crise financeira com a quebra do Lehman Brothers. A recessão na Europa e EUA pode pôr fim a um ciclo de demanda aquecida e preços estratosféricos. Tudo dependerá em grande parte da China, que já dá sinais de desaceleração na atividade econômica devido às restrições do mercado externo.

Caso a inflação média mensal de outubro a dezembro fique em 0,49%, não será rompido o teto da meta de 6,5%. Existe essa possibilidade. Embora o IPCA de setembro tenha sido de 0,53%, o IPC Fipe registrou inflação de 0,25% e a cesta básica ficou mais barata.

Outro fato é que a inflação traz consigo poderoso antídoto para a redução do consumo, pois atua diariamente corroendo o poder aquisitivo, que só poderá se recuperar parcialmente mais à frente. Os fracos resultados da atividade econômica registrados nos últimos meses já captam os efeitos da perda do poder aquisitivo para manter o consumo em nível elevado. E nada disso é devido à Selic.

3. Farsa da Selic – As duas posições atribuem à Selic o poder milagroso de controlar a inflação e o crescimento, mas não é o que ocorre, pois ela não altera o preço dos alimentos, transportes, habitação, preços internacionais, serviços, oferta de crédito e valor das prestações, que explicam a evolução do IPCA. Serve, no entanto, para desestimular os investimentos das empresas, o custo do capital de giro, reduzindo a oferta presente e futura. Assim, em vez de atenuar a inflação a Selic a agrava.

Os guardiões da inflação são mestres para usar a farsa da milagreira Selic. Para isso procuram espertamente confundir para a opinião pública a Selic com a taxa de juros da economia. É mais uma farsa grotesca, pois a distância entre elas é significativa. A taxa de juros à pessoa física estava em 46,2% em agosto e a Selic em 12,5%, ou seja, 33,7 pontos acima. No caso do cheque especial, muito usado para ampliar o consumo, estava em 188% ou 15 (!) vezes a Selic.

Outra farsa usada pelos guardiões da inflação está no uso do conceito ultrapassado de taxa de juros neutra (?) como sendo a mínima necessária para conter a inflação. Esse conceito usa a Selic como sendo a taxa de juros da economia e o Brasil uma economia fechada, sem sofrer a influência dos preços internacionais. Nada mais irreal.

Dada a distância entre a Selic e a taxa de juros do mercado, cada uma segue o seu curso, inclusive em sentidos opostos, como em 2010. Enquanto a Selic subiu dois pontos passando de 8,75% para 10,75%, a taxa de juros da pessoa física caiu 2,4 pontos passando de 43,0% para 40,6%.

Internacionalmente a taxa de juros básica real (excluída a inflação) é negativa em 0,5% e 1,0%, respectivamente para os países emergentes e países desenvolvidos. E a taxa de juros da economia é da ordem de 3% acima da básica. Assim, quando a taxa básica é alterada há o reflexo na taxa de juros da economia. Na China, por exemplo, a taxa básica é de 3% e a taxa de juros da economia de 6%, a mesma da inflação.

4. Mudança - Parece que o governo felizmente percebeu que a inflação e o crescimento não dependem da Selic, portanto, o uso dela é desnecessário. Em seu lugar poderá voltar a usar as medidas macroprudenciais – abandonadas neste ano em prol da Selic - para regular o consumo ao nível da expansão da massa salarial. Assim pode pilotar com eficácia uma das pernas do consumo, que é o crédito, agindo sobre a inflação e o crescimento econômico.

A Selic deverá iniciar uma gradual redução até chegar ao nível dos emergentes. Com isso reduz a especulação externa sobre o real, não distorce o câmbio, a conta de juros cai pela metade com economia de R$ 120 bilhões (!) ou 3% do PIB. Vão sobrar recursos para atender o déficit social e de infraestrutura, fortalecendo os fundamentos macroeconômicos, melhorando o ambiente social, com reflexos importantes no comando político. O País engoliu a farsa da Selic por mais de vinte anos! Bem vinda a mudança.

(*) Mestre em Finanças públicas pela FGV e consultor.






 

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