23 julho 2011

IMPRENSA

News of the World, o poder do medo

 

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

De tudo que foi escrito nos últimos dias sobre a atividade criminosa do News of the World, quem parece ter levantado a questão de fundo foi Timothy Garton Ash – professor de estudos europeus da universidade de Oxford (Reino Unido) e fellow da universidade de Stanford (EUA).

Em artigo originalmente publicado no The Globe and Mail (14/7, ver aqui) e republicado na edição de domingo (17/7) do Estado de S.Paulo sob o sugestivo título de “O medo que não ousava dizer o nome”, Ash afirma:

“a debacle de Murdoch revela uma doença que vem obstruindo lentamente o coração do Estado britânico nos últimos 30 anos. (...) A causa fundamental dessa doença britânica tem sido o poder exacerbado, implacável e fora de controle da mídia; seu principal sintoma é o medo. (...) Se a medida final de poder relativo é “quem tem mais medo de quem”, então seria o caso de dizer que Murdoch foi – no sentido estrito, básico – mais poderoso que os últimos três premiês da Grã-Bretanha. Eles tinham mais medo dele do que ele deles” (íntegra aqui).

Será que o diagnóstico de Ash sobre “o poder exacerbado, implacável e fora de controle da mídia” no berço da liberdade de expressão se aplicaria a outras democracias contemporâneas?

O conglomerado da News Corporation
Reproduzo parte de matéria da Agence France Presse sobre o conglomerado midiático do qual o tablóide News of the World fazia parte:

O News Corp. é um império midiático e de entretenimento construído por seu fundador, Rupert Murdoch. Cobrindo uma enorme região geográfica, cotado em bolsa em Sydney e Nova York, o grupo se distingue também pela diversidade de suas atividades, que vai da TV aos jornais, do cinema à internet, e conta também com ícones da imprensa conservadora como The Times e Wall Street Journal, e tabloides sensacionalistas como News of the World e New York Post. À frente do conglomerado, Rupert Murdoch, 80 anos, seu presidente-executivo e “self made man” nascido na Austrália, mantém as rédeas de um império de US$ 60 bilhões em ativos e um volume de negócios anual de US$ 33 bilhões no exercício encerrado no fim de junho. (...) Na Inglaterra, adquiriu primeiramente o News of the World e depois o The Sun, o tabloide mais popular da atualidade, o tradicional The Times e o Sunday Times. Também possui, entre outros 175 títulos, o The Australian e o The New York Post. Nos Estados Unidos, país onde reside e do qual se tornou cidadão, sua cadeia de notícias a cabo Fox News, que durante a invasão ao Iraque bateu a pioneira CNN em audiência, jamais ocultou seu apoio ao governo do republicano George W. Bush. Além da cadeia Fox, o grupo News Corp. impôs-se na televisão a cabo na Europa (BSkyB na Grã-Bretanha ou Sky na Itália, nascida da fusão Stream/Telepiu) e também na Ásia, com sua filial Star TV. Murdoch também tem interesses no mundo editorial (HarperCollins) e no cinema, com os estúdios Twentieth Century Fox, que produziu êxitos mundiais como Guerra nas Estrelas e Titanic. (...) Em 2007, um dos maiores êxitos do grupo foi a compra da Dow Jones e do Wall Street Journal, por um total de US$ 5,6 bilhões” (íntegra aqui).

No Brasil, a prática política do grupo News Corporation tornou-se mais conhecida pela repercussão das declarações da diretora de Comunicações da Casa Branca, Annita Dunn, que afirmou em outubro de 2009:

“...a rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano. (...) A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico. (...) Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição” (ver, neste Observatório, “A mídia como partido político“).

Hoje conhecemos o News Corporation através dos filmes da 20th Century Fox e pelos canais Fox da televisão paga: Fox News, Fox Movie, FOX Sports, Nat Geo Wild, National Geographic, dentre outros.

De onde vem o poder?
Além de tratar-se de um conglomerado econômico, fonte natural de poder, o News Corporation se utiliza de outras armas.

Apesar de todas as mudanças tecnológicas e das enormes transformações provocadas pela internet, sobretudo com relação aos formadores de opinião tradicionais, o poder da velha mídia continua avassalador quando atinge a esfera da vida privada. Essa é a base dos chamados “escândalos políticos midiáticos” que atingem a reputação das pessoas, seu capital simbólico.

Alguém acusado e “condenado” publicamente por um crime que não cometeu dificilmente se recupera. Os efeitos são devastadores. Não há indenização que pague ou corrija os danos causados por um “julgamento” equivocado da mídia.

Esse é exatamente o terreno fértil onde o medo – vale dizer, o poder da mídia sobre o cidadão – é cultivado. É o terreno preferido do “jornalismo” praticado pelos tabloides britânicos: a vida privada de figuras públicas – políticos e celebridades – mas também de pessoas comuns que alcançaram algum tipo de notoriedade negativa – por exemplo, por terem sido vítimas de um crime hediondo.

E quando esse “jornalismo”, na ganância por mais e maiores lucros, se utiliza de recursos criminosos de invasão da privacidade, como a escuta telefônica? Desaparecem todos os limites éticos.

Foi isso o que aconteceu com o News of the World.

Para impedir o poder do medo
O caso do News of the World ainda não terminou. Não se sabe se a prática “jornalística” criminosa se limitava ao tabloide inglês ou se estendia a outros veículos do News Corporation na Inglaterra e/ou em outros países.

De qualquer maneira, há lições que podem e devem ser tiradas do episódio para que se elimine a existência de condições favoráveis ao “poder do medo”.

Nesses tempos em que o debate sobre um marco regulatório para a mídia brasileira, mais uma vez, não consegue avançar, duas lições me parecem claras.

** Primeiro: conglomerados empresariais midiáticos se sentem em condições de fazer o que quiserem. Eles se tornam tão poderosos que se desobrigam de cumprir as normas legais e éticas que anunciam defender. É, portanto, indispensável que se controle a propriedade cruzada e as condições de criação e manutenção das redes de radiodifusão, fonte principal da concentração da propriedade dos grupos midiáticos.

** Segundo: a Press Complaints Commission (PCC), órgão independente e autorregulatório que fiscaliza o conteúdo editorial de jornais e revistas no Reino Unido, foi colocada em questão. O premiê David Cameron a classificou de ausente e ineficiente econcordou que algo precisa mudar no que diz respeito ao controle sobre as ações da mídia, ressaltando que é preciso um novo órgão e um novo sistema regulatório (ver, neste OI, “Imprensa britânica debate sistema regulatório“).

Um dos atuais membros da PCC – que deveria ter fiscalizado o “jornalismo” do News of the World – é Ian MacGregor, ele próprio, editor do The Sunday Telegraph, um dos jornais que pertencem ao grupo News Corporation (ver aqui).

Como já é sabido, a autorregulação é bem vinda mas, por óbvio, insuficiente. A regulação através de legislação própria aprovada no parlamento é indispensável.

A ver.

(*)Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@


O Rei Mídia





(*)Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@


Murdoch, o fraudador de espelhos


Alberto Dines


“Nauseabundo, mas não extraterrestre.” Com apenas quatro palavras o jornalista Juan Cruz (El País, domingo, 17/7) derruba o caso Murdoch da esfera das tragédias shakespearianas sobre abusos & abismos do poder e o estende diante de nós com toda sua carga de crueldade e veracidade.

Murdoch não é uma excrescência, não é falácia ou farsa, não é science fiction nem evento casual, singular. O espetáculo midiático-político a que assistimos galvanizados há mais de dez dias não tem nada de absurdo ou fantasioso. Não leva a assinatura de Karl Kraus, Bertold Brecht, George Orwell, Orson Welles ou Billy Wilder: este dream team de críticos jamais conseguiria engendrar um enredo tão terrível e catastrófico para a imprensa livre.

O impensável está aí, ao vivo, em cores, banda larga, 3D, alta velocidade, altíssima definição, continuamente repetido, reeditado. Vem sendo montado, a céu aberto, sem segredos ou disfarces, há pelo menos duas décadas com a participação de um elenco planetário.

A última década do século 20 e a primeira do 21 somaram-se para produzir a mais arrasadora caricatura da civilização dita ocidental. E o objeto mais distorcido, deformado, desfigurado, desvirtuado desta civilização foi o espelho – a mídia periódica.

Ao invés de refletir com realismo, trincou, truncou; no lugar de sugerir contemplação, oferece fragmentações, pó. O mundo não se reconhece, não se encontra, esbalda-se delirante entre nostalgias e futurismos porque a referência, o espelho, partiu-se.

Personagens equivalentes

Rupert Murdoch é o epítome desta degeneração alegre e consentida. É o fraudador de espelhos por excelência. Seu império global foi montado a partir dos padrões do “jornalismo de resultados”, seus paradigmas profissionais foram executados por uma ex-secretária, sua herdeira espiritual, que jamais havia freqüentado outra redação, hoje felizmente hospede de um xilindró britânico [em seguida, solta sob fiança].

As convicções políticas de Murdoch não diferem muito dos magnatas da imprensa alemã que nos anos 1920 e 30 apostaram suas fichas num agitador de rua, o único que segundo eles poderia enfrentar o bolchevismo – Adolf Hitler. Também detestavam espelhos, não queriam mirar-se nele e descobrir o papelão que desempenhavam.

Não se pode separar os objetivos, estratégia e táticas da News Corp. do ideário político do seu criador. Os tablóides ingleses não nasceram reacionários; ao contrário, dirigiam-se àqueles que hoje fariam parte da classe C. Murdoch injetou neles altas doses de direitismo populista. Quando apoiou o novo trabalhismo de Tony Blair, tinha um projeto de liquidar a esquerda inglesa. Quando comprou o Times e o Sunday Times extirpou deles os resquícios da respeitabilidade liberal que ainda conservavam. Está fazendo o mesmo com o Wall Street Journal, de Nova York.

Os jornais brasileiros que nos últimos dias reproduziram o elogio de Murdoch pelo colunista Roger Cohen, do International Herald Tribune, fazem parte da rede da Opus Dei. Coincidências.

O Financial Times e o Economist são igualmente conservadores, detestam qualquer interferência do Estado na vida econômica. No entanto, sempre se opuseram às idéias & jogadas de Murdoch. Não foram suficientemente determinados nesta oposição, gente fina não briga em público. Não perceberam que Murdoch e Hugo Chávez se equivalem. Igualmente nocivos para uma imprensa livre.

O Guardian desmascarou Murdoch porque é editado por uma entidade não-lucrativa. Isso significa alguma coisa?

A imprensa brasileira foi na onda do Tea Party, comprou a idéia de que Barack Obama é socialista, portanto não pode ser reeleito. Quem vendeu este produto foi a Fox News, cuja contribuição para a qualidade do telejornalismo americano é idêntica à do falecido News of the World ao jornalismo impresso britânico.

Ramo propício

Murdoch combinou imprensa e poder político num momento em que o jornalismo mundial procurava manter, ao menos na aparência, os preceitos jornalísticos consagrados no caso Watergate. A promiscuidade da imprensa com o poder econômico é ruinosa para ambos. Murdoch vive desta promiscuidade, cresceu graças a ela. É o segredo de seu sucesso empresarial: enquanto os publishers procuravam manter uma aparente decência, o australiano topava qualquer negócio.

O segundo maior acionista da News Corp. depois da família Murdoch é um príncipe saudita que no sábado (16/7) falou à BBC a bordo do seu portentoso iate em nome dos acionistas preocupados com a desvalorização dos seus ativos. O que fizeram esses acionistas nos últimos anos quando o News of The World começou a freqüentar as manchetes na condição de malfeitor? E por que aceitam pagar ao espanhol José Maria Aznar, herdeiro de Franco, 220 mil dólares/ano?

O espelho, além de partido, está embaçado e não apenas no hemisfério Norte. Se os imensos cadernos de economia cobrissem o mundo de negócios com o mínimo de independência, o mega-empresário Abílio Diniz não teria iniciado há dois anos o vexante acordo com o Carrefour que agora foi obrigado a suspender.

A Folha de S.Paulo despediu-se solenemente do seu colunista, o ex-presidente da República e atual presidente do Senado José Sarney, depois de 20 anos de agradável convívio na página mais nobre do jornal. Em algum quality paper do mundo desenvolvido seria concebível manter como colaborador o chefe do Legislativo? Em que difere esta parceria da outra que o premiê inglês David Cameron mantém com a escória do jornalismo mundial?

Murdoch só conseguiu arrasar a credibilidade da instituição jornalística porque os órgãos de controle da concorrência nos EUA e no Reino Unido – encarregados de desativar cartéis e oligopólios – não o impediram de concentrar numa mesma cidade jornais e televisões.

Se Murdoch atuasse no segmento da aviação comercial ou da indústria farmacêutica, mesmo que fosse mais inescrupuloso do que é, não teria chegado aonde chegou. Teve tino, escolheu um ramo onde a impunidade é garantida: a fabricação de espelhos defeituosos.


Fonte: http://www.observatoriadaimprensa.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário