23 julho 2011

BRASIL






Política é conversa


Mauro Santayana

Exercer o poder é seduzir na democracia e atemorizar no despotismo. Os tiranos governam com o terror, mas os verdadeiros líderes conquistam o coração das pessoas. O maior político brasileiro do século 20 (e, provavelmente, de toda a história nacional) foi Getúlio Vargas. Ele tinha o prazer quase glandular de conversar com seus adversários e de conquistá-los. Não deixou de fazê-lo nem mesmo durante o Estado Novo, embora com mais cuidado e discrição.


Vargas recebia regularmente os parlamentares que o quisessem ver, em dias certos, e pela ordem de chegada ao gabinete. Dava a mesma atenção a todos, anotando suas reivindicações. Em suma, negociava, com seu sorriso conhecido, suas frases amáveis, sua insuperável simpatia pessoal.


Assim como os líderes têm o prazer de seduzir, os liderados gostam de ser seduzidos. O poder confere  aura quase divina aos que o exercem. O contato pessoal e a conversa são indispensáveis aos governantes, em todas as esferas do Estado. Os monarcas tinham um dia especial, em que recebiam o preito dos súditos. Havia, naturalmente,  seleção rigorosa para o acesso ao paço, mas era rito de renovação do contrato entre o soberano e a sociedade.


Ainda que os líderes partidários tivessem  influência na administração republicana, os presidentes não os ouviam, necessariamente, na formação dos ministérios. A escolha, em rigorosa obediência à Constituição, era do arbítrio pessoal do Chefe de Governo. Muito antes de Getúlio, Afonso Pena (presidente entre 1906 e 1909), exporia, em conhecida carta  a Rui Barbosa, a sua fórmula, para explicar a juventude de seus auxiliares:


“Na distribuição das pastas não me preocupei com a política, pois essa direção me cabe, segundo as boas normas do regime. Os ministros executarão meu pensamento. Quem faz a política sou eu”.


Um dos efeitos danosos do regime militar que sofremos foi o da nítida separação entre o povo e o poder. O mais autoritário dos presidentes militares, Garrastazu Médici, valeu-se de sua condição de torcedor de futebol para criar  falso vínculo com o povo, mas se tratou de  artifício demagógico que não teve conseqüências de ordem política.


Há, no Brasil – e para o benefício dos dirigentes –  superestimação do poder dos partidos e da obediência a que devem sujeitar-se os que se elegem sob suas legendas. O nosso sistema constitucional não estabelece o mandato imperativo, ainda que os novos legisladores nacionais, ou, seja, os juízes do STF, tenham aprovado a esdrúxula norma de que os mandatos não pertencem aos seus titulares (que receberam os votos nominais populares), mas, sim, a seus partidos, que, em sua maioria, nada significam em matéria de programas e de doutrinas. Não havendo mandato imperativo, os dirigentes partidários não podem impor a seus parlamentares o apoio ou o não apoio a medidas propostas pelo Poder Executivo. Conforme a máxima magistral de Burke, o grande homem de estado britânico, ao eleger-se, o parlamentar só deve fidelidade à Nação e à sua consciência.


Sendo assim, a Presidente Dilma Roussef pode, se quiser, conversar pessoalmente com os parlamentares mais respeitados e ouvidos – das duas Casas do Congresso – e construir, diretamente, o apoio político necessário a seu governo.


Ela deve estar sentindo a forte aprovação popular aos seus esforços pela moralização da administração do Estado. É uma tarefa difícil e penosa, mas necessária. Em 1930, diante da visível erosão da República, com o abuso da Comissão de Verificação de Poderes que cassava, in limine, os mandatos de parlamentares independentes, e não lhes permitia a posse nos cargos para os quais haviam sido eleitos, as atas eleitorais fraudadas nas eleições majoritárias, e o autoritarismo de Washington Luís, ao impor o nome de Júlio Prestes como seu sucessor, o governador de Minas, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, cunhou a frase forte:


“Façamos a revolução, antes que o povo a faça”. E a Revolução se fez, em outubro daquele ano, com o entusiasmo do povo.


Dilma poderá promover a moralização do Estado. O povo que foi às ruas – nas memoráveis campanhas de 1984, pelas eleições diretas  e em 1992, contra a corrupção – pode bem a elas voltar, a fim de garantir à Presidente o seu apoio na tarefa de devolver o Estado à Nação.



 Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/




#################################


A obsessão e o complexo de vira-lata


Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e manifestações de respeito e consideração. Fizeram parte da força-tarefa um ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso relacionamento internacional.

Logo na introdução, ao justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: “O Brasil é e será uma força integral na evolução de um mundo multipolar”. E segue, no resumo das conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: “A Força Tarefa (em maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global”. Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja “mais ampla e mais madura”. Em recomendação dirigida aos dois países, pregam que a cooperação e “as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e tolerância”. Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos “especialistas” – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para “explicar” os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.

Todos esses raciocínios e constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa “recomenda que a administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco leva essas vozes discordantes a afirmar que “a ausência de uma preparação prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)”.

Seguem-se, ao longo do texto, comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda internacional. Também nesse caso houve uma “opinião discordante”, que defendeu maior proatividade do Brasil na conturbada região.

Em resumo, mesmo assinalando algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o conceito empregado por alguns especialistas, “médio”), que não deve se atrever a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.




Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário