18 julho 2011

IMPRENSA

O início do fim da velha mídia



Por Luís Nassif, em seu blog




Caso Murdoch, crise europeia, problemas de Obama, todos esses fatos estão interligados e expostos como sinal de fim de ciclo.

As principais características do ciclo anterior foram as seguintes:

A exemplo do ciclo financeiro do final do século 19, uma aliança entre setor financeiro e mídia visando implantar a ideologia financista, caracterizada por livre fluxo de capitais, privatização (ou concessões públicas) e fortes ajustes fiscais - incidindo sobre a população - visando preservar a capacidade de endividamento do Estado. Aliás, em momentos de transição o mercado de capitais tem papel fundamental. Mas quando leva a rédea aos dentes, coloca o país inteiro a seu serviço.

Essa aliança ganha enorme expressão política com a entrada de forças políticas associadas. Conforme expliquei em meu livro "Os Cabeças de Planilha", os políticos recebem ideias "salvadoras", financiamento para suas campanhas, poder financeiro e entregam, na contrapartida, as condições econômicas mais favoráveis ao capital financeiro.

Com isso, financistas e mídia conseguem se tornar a força mais poderosa do país, sobrepondo-se muitas vezes ao próprio poder do Estado.

A pedra de toque do discurso político é a famosa "lição de casa", brandida aqui por Pedro Malan e Antonio Palocci: sacrifiquem-se hoje e terão o céu amanhã. O jogo especulativo ganha dinâmica própria, afastando-se rapidamente das normas prudenciais. Resultam daí as crises, globais pela própria natureza internacionalista e de vasos comunicantes do capital financeiro. E o eleitor descobre que o céu estava distante.

O próprio movimento de internacionalização do capital, acaba produzindo novos atores globais que passam a ameaçar os grupos midiáticos tradicionais. É nesse contexto que surge a fórmula Murdoch - seguida em muitos países e, no caso do Brasil, particularmente pela revista Veja. Consiste em utilizar a informação como arma política, sem respeitar limites éticos nem jornalísticos. Passa-se a recorrer sistematicamente ao escândalo, à manipulação das informações, ao assassinato de reputações e, no auge do processo, à mentira reiterada.

A opinião como arma comercial

A atividade econômica jornalística não tem como concorrer com outros setores da economia. Uma empresa jornalística tradicional tem que investir como indústria, tem intensidade de pessoal como o setor de serviços e uma estrutura de distribuição típica de varejo. Sua grande arma é o poder político, que passa a ser utilizado na montagem de outros negócios paralelos, capazes de compensar a baixa rentabilidade da atividade-mãe.

Numa ponta, a velha mídia tem que enfrentar os grandes grupos de entretenimento ou de telecomunicações. Na outra, vê seu poder de formação de opinião sendo erodido pelo avanço das outras formas de mídia, do exército das teles à guerrilha dos blogs.

Seu trunfo único é o poder político remanescente, angariado na etapa que está se encerrando. É nesse contexto que entra em uma espiral de virulência que, no caso do modelo Murdoch, a leva a ultrapassar os limites da legalidade. Conta com seu poder para intimidar o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. E manipula como álibi jurídico o direito à informação - da mesma maneira que alguns advogados que usam as prerrogativas da profissão para atuarem como extensões de seus clientes. Como se mentir e assassinar reputações fossem norma constitucional.

O caso Veja é sintomático. Houvesse um Judiciário mais ágil e menos temeroso, há muito os abusos da revista teriam sido obstados pela ação dos juízes.

Agora, nesse fim de ciclo há o questionamento do poder de influência do mercado (o impasse da União Europeia é típico) e, por tabela, o poder excessivo da mídia associada, que fugiu dos princípios tradicionais e enveredou pelo mundo do espetáculo do denuncismo ou mesmo pelas veredas do crime.

É o velho ciclo nos seus estertores mas, como um polvo agonizante, ainda com poder de fazer estragos com suas braçadas.



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Imprensa criminosa

Washington Araújo (*)


O editorial da Folha de S.Paulo de 8/7/2011 confirma a afirmação sartreana de que “o inferno são os outros” e a popular máxima que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. A abertura é um primor de assertividade e clareza de pensamento: “Jornais tablóides britânicos se tornaram sinônimo de leviandade na apuração dos fatos, exagero nos relatos e espetacularização da notícia.”

‘Alimentemos, então, com parte considerável deste estoque de lenha a caldeira do pensamento. Em que diferem os “jornais tabloides britânicos” dos “jornais tablóides brasileiros”? Tantos uns quanto outros encontram-se sempre a poucos metros de se tornarem “sinônimo de leviandade na apuração dos fatos, exagero nos relatos e espetacularização da notícia”.

Os próprios arquivos deste Observatório, com seus milhares de textos tendo como tema central a crítica de imprensa, constituem valioso acervo a corroborar tais afirmações. Claro que cabe apenas ao pesquisador paciente casar reportagens, notícias, escândalos reais e escândalos para consumo dirigido com as respectivas chancelas: isto aqui é pura leviandade, isto ali não passa de rematado exagero da imprensa e toda essa montanha de textos pode facilmente ser chancelada como “espetacularização da notícia”.

A própria Folha de S.Paulo poderia, ao escrever tão cristalina abertura de editorial, estar mirando algumas de suas recentes investidas no campo da leviandade explícita, como por exemplo a publicação do artigo do cientista político César Benjamin no dia 27 de novembro de 2009 sob o título “Os filhos do Brasil” (pg. A8). À época muitos foram os que entenderam ser desejo do jornal fazer um contraponto à mistificação quase inumana do filme "Lula, o Filho do Brasil". A propósito, escrevi aqui no Observatório o texto “Os filhos da verdade”, que tinha intenção de ser o contraponto do contraponto. Aos que se inteiraram do tema, levado às páginas em estado de combustão, ficou a nítida percepção de absoluta leviandade na apuração dos fatos, onde a palavra a reinar inteiramente era a do articulista, sem qualquer interesse em dar voz a alguns dos personagens ainda vivos e dispostos a compartilhar suas memórias daqueles dias em que conviveram com o prisioneiro Luiz Inácio Lula da Silva. O mesmo episódio foi amplamente pautado pelo exagero em suas diversas cores e nuances e, finalmente, e em sua forçada espetacularização personificou o antiespetáculo ao que estava parra estrear nas telas de cinema.

O editorial em questão trata do fim decretado pelo magnata Rupert Murdoch a um dos jornais de seu megaimprério midiático, o britânico News of the World. Segundo a Folha o tablóide é visto como “um dos mais bem-sucedidos na exploração do sensacionalismo” e a causa mortis seria “os seus próprios excessos”. O resto do editorial aborda o que configura mau jornalismo e o que leva à existência de uma “Imprensa criminosa” (aliás, título do editorial): ... a extensão, pela aparente certeza de impunidade e pelo grau de desconexão dos editores e repórteres com boas práticas do jornalismo e com regras triviais de decência.

Novamente poderíamos colocar diante de nossa imprensa um prosaico espelho. E nem precisa ser daqueles para ver o corpo inteiro. Alguém já se deu o trabalho de catalogar a quantidade de acusações levianas publicadas na imprensa contra pessoas inocentes? Alguém já pensou em inventariar o aspecto letal de matérias encomendadas, direcionadas a prejudicar a performance de ações de determinadas empresas nas bolsas de valores? Teria alguém tentado classificar por assunto as matérias que já nascem com seu desfecho pronto e acabado e que desconhecem ostensivamente a necessidade de se ouvir o tão falado “outro lado”?

Como vemos, o editorial “Imprensa criminosa” cai como luva não apenas no jornalismo britânico. A própria FSP poderia rever seu modus operandi. E também a revista carro-chefe da editora Abril, Veja. A propósito, bastante ilustrativo do que estamos tratando é a matéria de sua edição de 4/7/2011 sob o título “Madraçal no Planalto”. O desfecho esperado é colocado, não ao final do texto e sim, no subtítulo. Eis o que diz o subtítulo: “Um dos símbolos da luta pela democracia durante o regime militar, a Universidade de Brasília tornou-se reduto da intolerância esquerdista”. Depois, caso o leitor seja apressado ou dado a ler na diagonal, bastaria conferir as imagens da matéria e ler suas legendas para ver que apuração jornalística passou longe, muito longe. Destaco aqui as legendas que acompanham as oito imagens:

1ª - ESPELHO - Em 1968, militares invadem a UnB. Em 2011, professores reclamam de controle ideológico

2ª NA CONTRAMÃO - Salas de aula são utilizadas para festas e consumo de drogas. Professora discorda da liberalidade - e é punida

3ª "O propósito da universidade deveria ser a excelência. Na UnB, isso foi substituído pela partidarização do ensino." Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

4ª "A UnB se tornou palco das piores cenas de intolerância. Não há espaço para diálogo. Ou você partilha do pensamento dominante ou será perseguido." Roberta Kaufmann, procuradora, mestra em direito pela UnB

5ª "A universidade foi tomada por um patrulhamento ideológico tácito, orquestrado para funcionar sem ser notado. Quem pensa diferente é relegado ao limbo." Ronaldo Poletti, professor de direito

6ª "A UnB deixou de ser uma instituição acadêmica para se tornar um instrumento de domínio ideológico." Ibsen Noronha, ex-professor voluntário da Faculdade de Direito

7ª "A UnB vive um processo típico de uma instituição que se tornou um aparelho em prol de uma causa." Demétrio Magnoli, sociólogo

8ª "Ninguém tem espaço sem esforço. É preciso analisar se não são os professores que, por uma questão de competência, perderam visibilidade." José Geraldo Sousa Junior, reitor da Universidade de Brasília

Àqueles observadores mais perspicazes da citada matéria de Veja não passou despercebido o esmero com que se escolheram as tanto as imagens quanto as legendas. À exceção da fotografia do reitor José Geraldo Sousa Junior que aparece com o semblante em crispação e um certo ar de truculência. Os demais retratados trazem consigo aquele ar de abnegada devoção à causa da justiça e também aquela nunca dispensável aura de serenidade que marca os que traval a luta do Bem. Neste caso, mais que isso, os paladinos do bom jornalismo capturaram um lamentável quê inquisitorial. É ver para conferir. Teóricos da Semiologia como Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Ferdinand de Saussure (1857-1913) ficariam encantados com o apuro a que chegou os seguidores da ciência que estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos.

Mas, como comecei tratando do editorial da Folha de S. Paulo de 8/7/2011, acho bem oportuno, salvo apenas irônico, jogar mais luz sobre suas palavras finais: ” "O News of the World está no negócio de chamar os outros à responsabilidade. Mas falhou quando se tratava de si próprio", resumiu comunicado da direção do jornal. Um epitáfio apropriado.”

Apropriado, apropriadíssimo penso, não apenas ao News of the World, mas antes àqueles que fazem do ato de chamar os demais à responsabilidade um certo tipo de negócio...


(*)Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



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Propriedade cruzada: lá e cá


Venicio Lima (*)




Embora a decisão não tenha considerado o mérito, mas o procedimento que excluiu as audiências públicas determinadas por lei, um Tribunal Federal de Apelações (The United States Court of Appeals for the Third Circuit , na Filadélfia, derrubou, no último dia 7 de julho, a decisão da Federal Communications Commission (FCC) – a agencia reguladora das comunicações nos Estados Unidos – que permitia a um mesmo grupo de mídia aumentar o número de jornais e emissoras de radiodifusão sob seu controle, em uma mesma cidade.

Além de decidir que devem ser mantidos as limitações à propriedade cruzada, o Tribunal determinou que a FCC encontre formas de garantir o controle da mídia por mulheres e grupos étnicos [cf. http://www.nytimes.com/2011/07/08/business/fcc-cross-ownership-rule-is-overturned.html].

Propriedade cruzada nos EUA
As regras que restringem a propriedade cruzada no setor de comunicações nos EUA estão em vigor desde o Radio Act de 1934. A norma original proibia que nenhum grupo que controlasse emissora de rádio e/ou televisão poderia também ser dono de um jornal no mesmo mercado.

A mais recente “flexibilização” dessas regras havia sido estabelecida pela FCC em 2008 e considerava os índices de audiência das emissoras e o número de veículos independentes [que não faziam parte de uma rede/network] já existentes no mercado. Essa “flexibilização” só era válida para as vinte maiores áreas de mercado dos EUA (210 no total) e apenas, no caso de canal de televisão, se a emissora não estivesse entre as quatro de maior audiência e, ainda, se restassem, pelo menos, outros oito veículos independentes [cf. http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=7514 ].

Após protestos generalizados de organizações da sociedade civil, a “flexibilização” foi derrubada pelo Congresso americano e, agora, também pela Justiça.

E no Brasil?
Na Terra de Santa Cruz não existe agencia reguladora para a radiodifusão (nada sequer parecido com a FCC). Nem qualquer controle sobre a propriedade cruzada da mídia. Decisão judicial que determinasse à autoridade competente outorgar concessões de rádio e televisão para “mulheres e grupos étnicos”, por óbvio, seria considerada “censura judicial” e/ou uma interferência indevida no mercado.

Em fevereiro pp. comentei nesta Carta Maior a posição do Grupo RBS que considera o controle da propriedade cruzada superado pela “convergência de mídias”, além de “ranço ideológico”, “discurso radical que flertava com o autoritarismo”, “impasse ultrapassado” e “visão retrógrada” [cf. http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4948 e http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4964 ].

Diante da decisão do Tribunal Federal de Apelações da Filadélfia, nos EUA – referência de liberdade e democracia – seria interessante saber se um dos grupos de mídia que mais se beneficia com a total ausência de controle à propriedade cruzada no Brasil mantém sua posição.

A ver.


(*)Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

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