10 julho 2011

IMPRENSA

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Nunca recebemos tamanha carga de informação como nos dias atuais. O bombardeio informacional passa a ser a principal marca desses primeiros anos do século 21 e a sua principal imagem dificilmente poderia ser outra que não a derrubada das torres do World Trade Center, em Nova York. O atentado ocorreu às 9h25 do dia 11 de setembro de 2001. E assim é porque aquelas imagens correram mundo no momento mesmo em que estavam se esboçando no plano da realidade.

É possível que a visualização da impressionante sequência de imagens dos aviões se chocando contras as torres tenha sido mais visualizada que dois outros eventos igualmente marcantes: o assassinato do presidente John F. Kennedy, às 12h30 do dia 22 de novembro de 1963, e o primeiro passo do astronauta americano Neil Armstrong na superfície lunar, às 23 horas, 56 minutos e 20 segundos (horário de Brasília) do dia 20 de julho de 1969.

Considero marcantes os três eventos porque poucos são os que fazem as pessoas vasculhar a memória coletiva de nossa época em busca de resposta à questão: “O que você estava fazendo no dia...?”

É comum confundirmos o formidável estágio alcançado pelos meios de comunicação como sendo o início de uma Era de Ouro da imprensa. Nada mais falacioso. O que temos atualmente é a repetição das mesmas informações, segundo a segundo, por diversas plataformas comunicacionais – do velho jornal, do velho rádio, da velha TV e da nova internet. Não obstante o fácil acesso à informação, a verdade é que não mais procuramos a notícia; é a notícia que nos encontra. Além dos aparatos descritos, a notícia se encontra ao alcance de nosso aparelho de telefonia celular, de nossos computadores, móveis ou não, e não importa em que formato e tamanho estes se apresentem.

Os custos da guerra
A maioria dos chamados “escândalos” do fim de semana mal consegue sobrevida por duas ou três semanas. E é assim porque falta apuração, falta análise, falta reflexão sobre os dados apresentados. Há que se perguntar onde foi parar aquela capacidade que os profissionais da imprensa tinham no passado em relacionar diferentes acontecimentos, diferentes personagens, de estabelecer suas relações econômicas, políticas e sociais. É como se o objetivo fosse apenas atender à necessidade da instantaneidade, à velocidade com que o assunto é tornado público. O resto passa a ser mera repercussão.

E falta profundidade no que é noticiado. Por exemplo, acompanhamos com facilidade os desdobramentos de guerras no Iraque e no Afeganistão, apenas para ficar em duas, bem contemporâneas, mas somos informados apenas da visão que atende aos interesses imediatos do establishment. E como os custos envolvidos em uma guerra em nada ajudam o chamado “esforço de guerra midiático”, ficamos sem conhecer, por exemplo, o projeto Costs of War, realizado por especialistas da Universidade Brown, de Rhode Island, Estados Unidos. E o que informa este projeto?

“Em termos financeiros, de 3,7 trilhões a 4,4 trilhões de dólares, o dobro do PIB brasileiro e mais que a II Guerra Mundial (4,1 trilhões em moeda de hoje). Em termos humanos, 224 mil a 258 mil mortos (dos quais ao menos 137 mil civis), 620 mil soldados feridos e 7,8 milhões de refugiados. O relatório completo lista ainda custos políticos, sociais e ambientais. A Al-Qaida gastou entre 400 mil e 500 mil dólares e matou 2.995 no atentado de 11 de setembro. Para cada uma de suas vítimas, os EUA fizeram pelo menos 73 e para cada dólar do inimigo gastaram cerca de 10 milhões.”

Imprensa partidarizada
Este é apenas um dos exemplos. E, mesmo assim, não encontramos especialistas em política internacional fazendo as necessárias conexões entre os custos da guerra e as fontes de seu financiamento. Nessa mesma toada ficamos sem saber qual a relação de tão impressionante volume de recursos financeiros com a ainda muito mal-explicada crise econômica iniciada em 15 de setembro de 2008 com a quebra do banco Lehman Brothers e que continua abalando a economia dos Estados Unidos e de vários países europeus, como Grécia, Espanha e Portugal.

Se miramos o flanco brasileiro, logo concluiremos que a tendência a apenas repercutir informações é amplamente majoritária. Vejamos a notícia-sensação de junho de 2011 sobre a chamada “lei do sigilo eterno” dos documentos do governo brasileiro. Na primeira quinzena do mês, tínhamos apenas a repercussão de frases do presidente do Senado, José Sarney, dizendo ser contra a derrubada do sigilo eterno uma vez que determinados documentos sobre as negociações conduzidas pelo barão do Rio Branco (quanto à aquisição do território do Acre junto à Bolívia) e ações do duque de Caxias em meio à Guerra do Paraguai poderiam “reabrir feridas mal-cicatrizadas” e causar “constrangimentos ao Estado brasileiro”. Repercutiu também que o senador Fernando Collor era contrário à derrubada do sigilo eterno.

Fato é que somente nos dois últimos dias de junho, não por instigação da imprensa, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso afirmou que assinou a lei em vigor “sem ter lido”, devido “ao grande número de documentos” que demandavam sua assinatura em seu último dia na Presidência.

O que a imprensa deixou de fazer? Absolutamente tudo. Poderia ter entrevistado historiadores e especialistas em política internacional para esclarecer à população em que situação se deu a compra do estado do Acre. O mesmo esforço poderia ser direcionado para informar, com base em fontes históricas confiáveis e acima de suspeita, sobre as ações do patrono do exército brasileiro na guerra do Paraguai. O espaço dedicado pela grande imprensa (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo, Veja, Época, Rede Globo etc.) ao tema foi inteiramente focado na questão partidária – ou seja, em como melhor acomodar o assunto no colo da presidenta Dilma Rousseff e no de seus aliados no Congresso Nacional.
Imprensa partidarizada. Nada mais que isso.

(*)Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/


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As notícias do mundo


Alberto Dines




Quando a imprensa é notícia, um dos dois está doente – a imprensa ou a notícia. No momento, quem está gravemente enferma é a imprensa mundial e não apenas o tablóide inglês News of the World que deixará de circular neste domingo (10/7) depois de 168 anos de vida.

O vilão nesta história não é o jornalismo sensacionalista (a “imprensa amarela”, como é chamada em toda parte, exceto no Brasil; marrom, por óbvias razões). Irresponsável não foi o ex-diretor do semanário Andy Coulson ou seu repórter preferido, Clive Goodman, detidos na sexta-feira (8/7) pela Scotland Yard sob aplausos gerais.

O bandido inconfundível é o magnata nascido australiano Rupert Murdoch, o 13º homem mais poderoso e 117º mais rico do mundo, dono do jornal liquidado e uma das figuras mais nefastas da galeria contemporânea, patrão e patrono da extrema-direita americana e das afiliadas em todos os continentes. A Fox News de sua propriedade é um alto-falante com 85 milhões de assinantes cativos dispostos a acreditar em qualquer uma de suas mentiras e delirantes cruzadas.

Regulação efetiva

Murdoch precisa de um novo Orson Welles para ser retratado cabalmente. É fascinado com a imprensa, compra veículos para degradá-los, sobretudo quando se trata de jornalões tradicionais. Assim fez com o Times de Londres, depois comprou o prestigioso Wall Street Journal para lustrar o seu currículo e portfólio, não para usá-lo como paradigma. Na mesma Nova York é dono do ferocíssimo New York Post – um dos dois tablóides da cidade – que adorou mostrar o socialista Dominique Strauss-Kahn algemado. Quando Murdoch esbarra num adversário inalcançável, procura destruí-lo, caso da modelar BBC, patrimônio do povo inglês, que tenta sitiar através da BSkyB.

O dominical News of the World está envolvido há quase uma década com um jornalismo de sarjeta. Sua liquidação é falaciosa, vai resumir-se à desativação do título, substituído pelo tablóide co-irmão, The Sun, que passará a circular também aos domingos. E ficará muito mais lucrativo porque a News Corporation é a maior especialista mundial em esvaziar as redações de jornalistas.

Murdoch foi um dos primeiros barões da mídia a regozijar-se com o fim dos jornais impressos. Antes mesmo do adversário The Economist, que em 2006 publicou a temerária capa garantindo o fim do jornal impresso – e da qual agora solenemente se arrepende (ver, neste Observatório, “Quem matou o jornal?”)–, Murdoch já enxergava na digitalização da imprensa uma forma de solapar a multissecular instituição jornalística comprometida com a preservação do interesse público.

O fim do seu jornal é um episódio vergonhoso numa sociedade como a inglesa, matriz da cruzada universal pela liberdade de impressão. John Milton, autor da Areopagítica (1644), morreria mais uma vez ao tomar conhecimento das barbaridades e vilanias que se cometeram em nome do sagrado direito de expressar-se sem controles ou licenças. Ressuscitado, o poeta organizaria passeatas pelas ruas inglesas em favor de uma autorregulação eficaz e efetiva, socialmente responsável.

Preço alto

O episódio seria classificado como irrelevante, localizado, se a conjuntura fosse outra. A grave crise econômica americana é filha da delirante direita que jogou o país em duas aventuras guerreiras praticamente simultâneas, caríssimas e, inevitavelmente, perdidas.

O desastre financeiro de 2008 resultou do culto desmedido ao deus Mercado que nenhuma figura decente e lúcida ousaria enfrentar com receio de ser fichada como comunista pela mídia de Murdoch e seus cães de guarda.

O News of the World não deixará saudades. É o preço que as sociedades pagam para ter notícias de um mundo menos sórdido.


Fonte: http://www.observatoriadaimprensa.com/

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