Mino Carta, na Revista CartaCapital
Caso pudesse aconselhar a presidenta Dilma, diria a ela que não confie às cegas no Guia Michelin: quando fala de restaurantes estabelecidos fora das fronteiras francesas, comete amiúde erros grosseiros. Entra nisso um tanto de chauvinismo, uma dose de ideologia culinária, uma pitada robusta de business. Já a mídia nativa, que pouco entende de boa comida a ponto de enxergar em São Paulo uma capital gastronômica universal, preocupa-se não com a escolha feita pela presidenta de um restaurante lisboeta, mas com a conta do próprio. A qualidade dos nossos perdigueiros da informação avulta também nesta ocasião. Pretendem que o restaurante em questão teria sido premiado com uma estrela do Guia Michelin, mas nem isso corresponde à verdade factual. A turma é muito criativa.
O jornalismo pátrio sustenta que todos nós pagamos pelos excessos de Dilma e de sua comitiva. E, além de tudo, hospedam-se em hotéis de luxo... A acusada apressa-se a esclarecer que as contas pessoais ela paga do seu bolso. Mais pagaria se viajasse a São Paulo, ou Rio, mesmo em outros cantos do País. Temos restaurantes e hotéis que, em matéria de preços (sublinho, de preços), ombreiam com os mais luxuosos e requintados do mundo. Verdade factual esta que os nossos heróis midiáticos, premiados por salários e emolumentos variados muito superiores àqueles recebidos por qualquer profissional europeu, conhecem de cor e salteado. E nem se fale dos seus patrões.
A presidenta, de todo modo, esmera-se em incomodar. Não somente vai à Celac, cúpula dos Estados latino-americanos, que reúne em Cuba os representantes de 33 países, entre eles os presidentes, além de Dilma, de Argentina, Bolívia, Venezuela, México, Uruguai e Costa Rica. Que faz, porém, a presidenta? Cumprimenta os donos da casa, os irmãos Castro, comunistas históricos e subversivos atuantes. Não é de pasmar? O Estadão espumeja de puríssima e vetusta indignação.
Não é tudo, entretanto. A primeira mandatária está presente à inauguração do porto de Mariel, considerado entre os mais sofisticados e maiores do Caribe, em concorrência com Kingston e Freeport. O projeto, realizado em parceria pela Odebrecht e pela cubana Quality, foi em boa parte financiado pelo BNDES. Segundo o acordo selado com Havana, dos 957 milhões de dólares gastos na construção, 802 milhões destinaram-se à compra de bens e serviços totalmente brasileiros, a gerarem, informa o governo, 156 mil empregos, “diretos, indiretos se induzidos”.
Estas incursões da mídia nativa de tão primárias chegam a ser ridículas. Há outras críticas que poderiam ser formuladas. Quando o são, contudo, vestem-se de fatiotas impróprias. Atiram fora do alvo, completa e inexoravelmente. Tomemos as manifestações de quem, neste momento, pretende parar o Brasil da Copa. No caso, a reação dos manifestantes tem farta razão de ser, em um país assoberbado por questões e prioridades infinitamente mais significativas do que organizar um torneio de futebol. Mas a mídia nativa só se move contra a baderna.
É do conhecimento até do mundo mineral que o Brasil expõe-se ao risco de sediar um mundial da bola ainda pior sucedido do que o da África do Sul. Não há de nos preocupar, está claro, o senhor Blatter quando fala do atraso das obras ainda em curso. O senhor Blatter é mais um exímio discípulo de mais um brasileiro ilustre, João Havelange, enquanto José Maria Marin é da absoluta confiança de Ricardo Teixeira. Há tempo ouso sustentar que Totò Riina se sairia tão bem quanto o bando acima.
Preocupa-nos, no entanto, uma repercussão negativa mundo afora. A demonstração de uma infraestrutura insuficiente. E ainda, de pronto, o gasto exorbitante, a justificar seriíssimas dúvidas quanto ao bom uso dos recursos oficiais. E, para fortalecer as suspeitas, a escolha de cidades inadequadas para a construção de praças esportivas fadadas à inutilidade, ou mesmo ao oblívio. O quadro, aí sim, se oferece a críticas fortes, acima de crenças e ideias.
Há quem diga que é reacionário quem se posiciona contra a Copa, como se fosse quinta-coluna, conforme expressão antiga. Pois os manifestantes destes dias, focalizados na reportagem de capa desta edição, não são necessariamente de esquerda ou de direita, na percepção de CartaCapital, sem exclusão do risco de que sofram infiltrações de quantos querem apenas a baderna. Nem por isso evitamos a conclusão inescapável: sem entrar no mérito dos caminhos tomados pelo protesto, as razões de quem protesta são amplamente justificadas.
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