O STF E A PARÁBOLA SOBRE A QUADRILHA
Você pode ter a opinião que quiser sobre os condenados da AP 470. Mas não pode dizer que se uniram para "o fim de cometer crimes"
Paulo Moreira Leite, em seu blogue
O Supremo encara na quarta-feira o debate sobre os embargos infringentes contra a condenação de crime de quadrilha contra os réus da Ação Penal 470.
Conforme o artigo 288 do Código Penal, quadrilha é uma associação de “três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes".
A condenação por este crime é inaceitável.
Você pode ter a opinião que quiser sobre os réus da AP 470. Pode dizer que eles cometeram delitos e mesmo crimes.
Mas não pode dizer que se articularam “para o fim de cometer crimes.”
É disso que estamos falando.
É errado dizer que erros e ilegalidades que podem ser apontados no processo eram o “fim” do projeto.
Embora seja possível concordar com a noção de que mais vantajoso do que assaltar um banco é fundar um, uma instituição financeira que cobra taxas indevidas de seus clientes deve ser punida pelos desvios cometidos mas não vamos dizer que é uma “quadrilha”, certo?
Uma empresa que não paga direitos trabalhistas aos empregados deve ser acionada na Justiça mas não vamos dizer que seus executivos formam uma “quadrilha”, não é mesmo?
Falar em quadrilha, na AP 470, não é correto, quando a melhor prova do “fim” é um Land Roover de um acusado de periculosidade afinal tão relativa que sequer foi incluído entre os 40 réus da AP 470.
O problema de seu governo, então, não era conquistar votos adversários, que eram fartos, mas resolver o que fazer com os descontentes do próprio PT. A maioria foi enquadrada e disciplinada. Uma pequena parte fundou o PSOL.
Olha a verdadeira parábola do mensalão e sua quadrilha.
Dez anos depois da compra de votos da emenda da reeleição, uma parte dos vendidos de 1994 foi atrás das verbas do esquema do PT em 2004. Estavam quebrados. Aquela denúncia da emenda da reeleição virou processo na Justiça e aqueles que foram apanhados precisavam de dinheiro para pagar advogado.
Boa parte era do PP, o partido de Pedro Correa, que era contra a emenda da reeleição. Queria impedir a reeleição porque ela iria atrapalhar uma possível candidatura de Paulo Maluf. Quase dez anos depois, quando Fernando Henrique já havia deixado o Planalto, onde foi reeleito com ajuda daquela turma, o PP precisava de dinheiro para pagar a defesa dos deputados.
Hoje, condenado na AP 470, de onde seu partido tirou recursos para livrar seus colegas da cadeia, Pedro Correa cumpre pena em Pernambuco.
Cadê a quadrilha? Quem faz parte dela?
Isso só acontece porque nossa democracia mantem regras que estimulam o que é clandestino, irregular e pouco transparente. Apesar de falhas, defeitos e imperfeições, a democracia deve ser defendida de modo incondicional.
Não precisa de tutelas nem de salvadores de nenhum tipo.
Repare em quem dizia que o governo (mas também a OAB, o movimento Ficha Limpa e outros) queriam queria financiamento público exclusivo, com base no desempenho eleitoral de cada legenda, porque o PT iria beneficiar-se com isso. (Não pergunte, é claro, que outro critério, além do apoio popular, deveria ser empregado neste caso).
Repare em quem disse que uma reforma iria fortalecer as burocracias partidárias, fingindo desconhecer que elas são a única forma de resistência aos mercadores que adquirem parlamentares como quem compra automóvel numa concessionária.
Repare em quem se disse indignado com a possibilidade da atividade política ser financiada pelo dinheiro do contribuinte – como se não fosse claro que o dinheiro que financia campanhas é devolvido, com lucros, pelos contratos favorecidos.
Cadê a quadrilha? Quem faz parte dela?
Nenhum comentário:
Postar um comentário