Miguel do Rosário, no TIJOLAÇO
Uma das sinopses mais comuns nos clássicos de ficção científica diz que a realidade tal qual a conhecemos não é a verdadeira realidade. Philip Dick tem algumas obras onde conta essa mesma história de maneiras diferentes. Em The Penultimate Truth (A penúltima verdade), por exemplo, a humanidade vive nos subterrâneos, trabalhando para uma guerra que já terminou há anos. Um grupo de ricaços controla as informações passadas à população, para que ela continue trabalhando em regime de semi-escravidão, vivendo em cidades construídas embaixo da terra. Inventam-se crises, batalhas perdidas, disseminam-se ameaças, esperanças, sempre mentirosas, tudo para que um grupo de conspiradores prossiga desfrutando de uma vidinha milionária na superfície do planeta.
Na literatura e no cinema anglo-americanos, há dezenas, quiçá centenas, de obras que denunciam os arbítrios e os riscos de uma mídia corporativa excessivamente poderosa. Em “O Amanhã nunca morre”, um filme da franquia 007, um poderoso magnata da imprensa mundial, Elliot carver, almeja dominar o mundo através da manipulação midiática: inventa uma guerras aqui, uma crise acolá, e vai virando dono de tudo.
Às vezes eu fico a imaginar que nossa mídia deveria ser mais explorada por nossos ficcionistas do livro e da tela. Ontem mesmo, esbarrei numa reportagem (a da imagem acima) que me deu ideia para um romance. A história poderia ser a seguinte: meia dúzia de órgãos de mídia, organizados em cartel, tentam vender à população que seu país vive uma terrível crise econômica. Mas é mentira, não há crise nenhuma. Os conspiradores manipulam as notícias para comprar ações baratas e lucrar com o aumento dos juros.
O jornal informa que o Bradesco divulgou seu balanço de 2013. Tudo cresceu: carteira de crédito, faturamento e lucro líquido. Quer dizer, uma coisa caiu: a inadimplência (favor mandar emails para Diogo Mainardi).
Entretanto, os editores dão o seguinte título à matéria: “Bradesco diminui expansão de crédito”, o que poderia ser traduzido, com um pouquinho de humor, para “crédito aumentou, mas caiu”.
A base para a matéria sequer é a comparação entre a expansão de 2013 sobre o ano anterior com a de 2012. Não. O título busca sentido no fato do Bradesco ter “estimado”, no início do ano, expandir o crédito em 13% mas expandiu “apenas” 11%.
O Santander, outro grande banco que divulgou esta semana seu balanço de 2013, ampliou sua carteira de crédito em 7,5%.
Queda na inadimplência, aumento nos lucros, nada disso tem imporância para os editores da Folha. O que vale é investir no baixo astral e na manipulação das notícias, para que os leitores, como no livro de Philip Dick, continuem trabalhando silenciosamente nos subterrâneos, enquanto os donos da mídia e seus sócios se tornam a cada dia mais e mais ricos.
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