14 fevereiro 2014

BRASIL E MÉXICO

A nova cúpula da Aliança do Pacífico


Mauro Santayana




Se há uma coisa que muitas vezes, impressiona, em certos segmentos da elite e do empresariado nacional, é a facilidade com que se deixam pautar e manipular pela imprensa estrangeira – e seus replicantes locais – sem entender que por trás de tudo que não seja absolutamente factual, existem  determinados interesses.
Esse é o caso, por exemplo, dos artigos e  “análises” feitas pela mídia, a  respeito da Aliança do Pacífico, que engloba o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, e que reuniu-se há alguns dias, em Bogotá, proclamando retumbantemente o corte de 92% das tarifas no comércio entre seus sócios.
A AP está sendo apresentada, dentro e fora do Brasil, como o último prego no caixão do Mercosul, do ponto de vista econômico, e como a aliança que servirá de alternativa – principalmente, ideológica – para os diferentes mecanismos de integração – como a UNASUL e o Conselho de Defesa – que estão sendo promovidos pelo Brasil em nosso continente neste momento.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar, Colômbia, Peru e Chile, longe de serem contra o Mercosul, são membros associados da organização – o México tem status de observador – e também da UNASUL e do CDS, o Conselho de Defesa Sul-americano. E o Chile, a partir da posse da presidente eleita Michelle Bachelet, tende  se reaproximar do Brasil e do próprio Mercosul.
Acreditar que o Brasil vai perder para o México esses parceiros – com quem dividimos até projetos militares – é ignorar o fator geográfico, e esquecer que já dispomos de acesso facilitado a esses mercados, privilégio que não poderá ser alterado, sob a pena de essas nações também terem seus produtos barrados no mercado brasileiro, o maior das Américas, depois dos Estados Unidos.
Em segundo lugar é preciso relativizar a importância da AP, lembrando, por exemplo, que só o Brasil tem uma economia maior do que a de todos os seus membros reunidos.
E que o Mercosul, como um todo, com a recente inclusão da Venezuela, e um PIB total de 3.3 trilhões de dólares, representaria, se fosse uma nação, a quinta maior força econômica do mundo.
Por trás do mito da Aliança do Pacífico, existe a ilusão de um maior dinamismo da economia mexicana, o principal país do grupo – que cresceu no ano passado 1.2% – com relação à brasileira, a maior do Mercosul – que avançou  2.5% no mesmo período.
Existem mais coisas que definem o lugar que o Brasil e o México pretendem ocupar no mundo – e seus respectivos projetos de desenvolvimento – do que a mera geografia e o volume de exportações.
O México é um país totalmente integrado à América do Norte, e, nessa integração, ficou bom em terceirizar mão-de-obra barata, fabricar refrigerantes, cimento e pão de forma, e prestar serviços de telefonia.
O Brasil é um país integrado à América do Sul e ao BRICS, que privilegia o crescimento de seu  mercado interno, tem como principal parceiro comercial a China, e vende para todos os continentes do mundo.
Somos o mais avançado país em pesquisa agropecuária, extração de petróleo a milhares de metros de profundidade, em alto mar, a centenas de quilômetros da costa; em desenhar e fabricar aviões civis de passageiros de até 120 lugares. Produzimos mísseis navais e aéreos, foguetes de saturação, radares e mísseis de cruzeiro.
Dominamos o ciclo do enriquecimento do urânio, fabricamos e possuímos aceleradores de partículas (o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron está em funcionamento e vem aí o Sirius, com 165 metros de diâmetro e 650 milhões de reais de investimentos), e estamos aprendendo a fazer submarinos nucleares, aviões de caça supersônicos e sistemas de transporte a levitação magnética (o Cobra-Maglev da Coppe), por exemplo.
Na internet, alguns mexicanos gostam de apresentar – ao contrário de nós mesmos, que não nos arriscamos a fazer o mesmo – como “mexicana” uma suposta superioridade em manufatura com relação ao resto da América Latina, que se desmente pelos seguintes fatos:
- A quase totalidade das fábricas instaladas no México são de outros países – não existe uma única marca mexicana de automóveis ou de bens de consumo avançados.
- O comércio exterior do México, embora volumoso, é tradicionalmente deficitário.
- A pesquisa e a engenharia de caráter industrial são majoritariamente desenvolvidas em outras regiões do mundo.
- Se não fossem os baixos salários e o mercado dos Estados Unidos do outro lado da fronteira, os mexicanos sequer teriam a sombra do parque “industrial” que possuem.
E não seriam um país exportador, considerando-se que 90% do que fabricam, tem como destino o TLCA – NAFTA (Canadá e Estados Unidos).
Trata-se, portanto, de condições, que não seria possível repetirmos aqui mesmo se quiséssemos – o que não é o caso – ou  se viajássemos para a fronteira de Tijuana e regredíssemos de volta no tempo.
Mesmo quando se considera a indústria automobilística, paradigma de uma suposta superioridade industrial mexicana com relação ao Brasil, até mesmo pesquisadores daquele país se recusam a endossar isso.
Esse é, por exemplo, o caso do estudo“Industria Automotriz en México y Brasil: Una comparación de resultados después  de la crisis de 2008”, da Dra. Lourdes Alvarez Medina, da UNAM – a maior universidade do México, que conclui seu texto da seguinte forma:
“Respecto a las características de cada industria se observa que México no ha desarrollado marcas propias, importa una gran cantidad de autopartes y componentes y no ha diversificado sus exportaciones ni tiene procesos de innovación importantes. Depende completamente del mercado de los Estados Unidos y ha descuidado su mercado interno.
 
Brasil por su parte tiene algunos productores locales de autobuses y chasis, tiene una cadena productiva mejor conformada y en algunos modelos tiene contenido local hasta de 90% y sus exportaciones automotrices están muy diversificadas y su mercado interno creció en tiempo de crisis. Además, los autos manufacturados en Brasil consumen gasolina y etanol en diferentes proporciones lo que le da a la flota vehicular brasileña cierta independencia del petróleo.”
 
Com todo o respeito pelo sofrido passado do México, que perdeu metade de seu território para os EUA, e pelo povo mexicano, sua arte, cultura milenar e literatura, se me perguntassem, principalmente, hoje, se preferiria estar no lugar do México ou do Brasil, ficaria – ao contrário do que muita gente pensa por aqui – na condição em que estamos.
Considerando-se nosso território, população, economia, capacidade de cooperação e articulação, dimensão e projeção geopolítica, ainda é preferível ser o principal país da América do Sul, do que um mero apêndice  norte-americano.
 
 
(Extraído do blogue O TIJOLAÇO, de Fernando Brito)
 
 
 

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