Saul Leblon, na Agência Carta Maior
O deputado André Vargas (PT-PR) não foi orientado por um script publicitário a erguer o braço e cerrar o punho na presença da toga que se esponja no desfrutável papel midiático de algoz do PT.
Genoíno, que o antecedeu na afirmação simbólica de identidade e protesto, ou Dirceu, que assim também se confraternizou com os militantes solidários que o aguardavam na entrada da Papuda, tampouco obedeceram aos alertas de ‘luzes, câmera, ação!’
Milhares de petistas e não-petistas anônimos que fizeram chegar doações a Genoíno e Delúbio – e aqueles que repetirão a solidariedade a Dirceu e João Paulo, por certo não podem ser confundidos com coadjuvantes de uma peça eleitoral.
O significado desses sinais de vitalidade enviados do metabolismo profundo não apenas do PT, da esquerda em geral, já foram sublinhados pela argúcia de vários analistas da blogosfera.
O que eles evidenciam deixou inconformados colunistas e togas engajados em anos de desqualificação diuturna do partido, de seu legado e valores.
Depois de tanto sangrar, o esquartejado ainda teima –e respira?
Da perplexidade ao ataque, passaram-se poucos dias até o impoluto doutor duplo habeas corpus, Gilmar Mendes, puxar a coleira da matilha que passou a farejar operosa e incansavelmente: em algum ponto há de se achar uma cubana das doações.
O fato é que eles não contavam com a sobrevida da solidariedade no espinhaço ferido da esquerda. Tudo isso já foi dito e bem dito.
Faltou dizer que parte expressiva desta esquerda também se surpreendeu.
Surpreendeu-se ela com o efeito demolidor de algo esquecido na prática minuciosamente monitorada pela conveniência do exercício do poder: a espontaneidade de André Vargas.
Sem falar da solidariedade sem hesitação a Genoíno e Delúbio –que por certo inclui doações expressivas de instituições e personalidades, a exemplo do cheque de R$ 10 mil enviado pelo ex-ministro Nelson Jobim.
Mas nada que diminua a vitalidade do que verdadeiramente incomoda e sacode: milhares de doadores anônimos não esperaram uma peça publicitária para sair em defesa de quem personifica referências inegociáveis de sua visão de vida, de mundo e de Brasil.
A criatividade inexcedível do protesto espontâneo e o efeito demonstração incomparável da prontidão solidária hibernavam na memória algo entorpecida do PT.
Há mais de uma década desafiado a ser partido de massa e governo -- a bordo das sabidas contradições que a dupla jornada encerra, o partido impôs-se, compreensivelmente, o gesso da previsibilidade e as algemas do risco zero.
Ademais dos comedimentos da responsabilidade de ser governo, o próprio êxito dessa trajetória -- reiterado nas urnas—instituiu um protocolo de autopreservação: ele delega ao pensamento publicitário a última palavra (não raro a primeira também) sobre o que o partido deve falar, quando e como fazê-lo.
Cabe a pergunta: que publicitário petista orientaria um dirigente a cerrar o punho, de braço erguido, diante da toga colérica, a essa altura do jogo? E quantos bancariam uma campanha massiva de doações aos incômodos condenados do chamado ‘mensalão’?
‘E pur si muove...’
A eficácia do improvável deveria inspirar arguições no pragmatismo que planeja a campanha presidencial deste ano.
Todo cuidado é pouco –estão aí as togas, o jornalismo isento, os mercados sedentos, os netos oportunistas e os verdes convertidos no altar do tripé.
‘Não vai ter Copa’ é o mínimo que eles ambicionam.
Mas estão aí também a democracia e o desenvolvimento brasileiro perfilados num horizonte de encruzilhadas imunes à receita de mais do mesmo em nova embalagem e sabores reciclados.
Aquilo que cabe em um script competente, mas exatamente por isso encilhado em baixos teores de ousadia e residual espaço à mobilização, talvez seja suficiente para vencer o conservadorismo nas urnas de outubro.
Mas o será para liderar a transição do novo pacto de desenvolvimento necessário à construção da democracia social brasileira?
A ver.
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