Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
A Folha de S. Paulo desembarcou da teoria conspiratória no caso do conflito que se seguiu a uma sucessão de panes no sistema do metrô paulistano, na última terça-feira (4/2). Em editorial publicado na edição de sexta-feira (7/2), o diário paulista de alinha com seu principal concorrente, O Estado de S. Paulo, e reconhece que seria mais cômodo, “do ponto de vista do governo de São Paulo, que as panes (...) fossem consequência de uma ação orquestrada por vândalos”. O mais provável, na nova versão do jornal, “é que o discurso oficial seja apenas uma nova tentativa de desviar a atenção de problemas recorrentes”.
O texto faz uma síntese do que parece ser um longo roteiro de trapalhadas, incompetência, mentiras e roubalheira do governo paulista nos últimos anos, para usar a linguagem corrente entre alguns dos mais lustrosos articulistas da mídia tradicional, quando se referem a escândalos envolvendo autoridades federais. Em poucas linhas, o editorial coloca nos trilhos uma versão dos fatos oposta à que o mesmo jornal vinha oferecendo nos últimos dias: a Folha afirma que a estratégia de culpar supostos esquemas de sabotagem já foi usada pelas autoridades paulistas para justificar “algumas das inúmeras falhas que se verificam no sistema de transporte sobre trilhos”.
O editorial vai das panes ao escândalo das licitações fraudulentas, fazendo afinal a correlação lógica entre o que parece ter sido um esquema sólido e institucionalizado de desvio de recursos, que pode ter durado vinte anos, e os problemas atuais de funcionamento dos trens. O efeito da corrupção e causa das panes, conforme se pode concluir do texto, é que “trens antiquados continuam em operação, e não há sinal de progresso nos procedimentos de segurança ou no atendimento ao usuário em momentos de crise”. Além disso, complementa, a malha metroviária tem se expandido “a passo de cágado” nas duas últimas décadas.
Para concluir, o texto opinativo da Folha de S. Paulo abandona expressões condicionais que têm caracterizado suas reportagens sobre o “suposto cartel que pode ter eventualmente sido praticado pela Siemens ou a Alstom” e afirma que, segundo o Ministério Público, contratos superfaturados “teriam causado prejuízo de R$ 800 milhões ao Metrô”.
Uma no cravo, outra no dedo
O que estaria por trás de guinada tão radical?
Era evidente, desde o primeiro momento, que a revolta dos usuários estava associada ao mau serviço prestado pelo sistema de transporte, somado ao calor insuportável que tem castigado a capital paulista e arrematado pela falta de informações aos passageiros e à truculência dos agentes de segurança do Metrô.
O outro diário paulista de circulação nacional, O Estado de S. Paulo, anotou já na urgência dos fatos os indícios que agora a Folha reconhece, conforme foi apontado por este observador na quarta-feira (5/2, ver “Pane no metrô e na imprensa”).
Na sexta-feira (7), a imprensa registra novos elementos da investigação sobre o esquema de superfaturamento no sistema de transporte sobre trilhos de São Paulo.
Na Folha, destaque para o valor espantoso a que pode ter chegado o volume de propinas pagas pelo cartel de empresas que negociaram com o Metrô: R$ 197 milhões.
O Globo informa que ex-diretores do Metrô movimentaram em suas contas bancárias um total de R$ 11,6 milhões acima dos valores declarados à Receita Federal num período de dez anos, suspeitando-se que essa quantia tenha sido repassada a políticos.
Já o Estado de S. Paulo, que na véspera havia publicado editorial na qual desmoralizava a tese da sabotagem, esconde de seus leitores a “numeralha” da corrupção e reproduz parte de uma reportagem publicada pela Folha na véspera, segundo a qual a corregedoria do governo paulista envolve no escândalo o atual secretário de Infraestrutura da Prefeitura da capital.
O jornal dá uma no cravo e outra no próprio dedo, mas essa ciclotimia ainda é um avanço em relação ao partidarismo explícito que tem marcado os principais jornais do País na última década.
Nesta análise sumária e certamente parcial das escolhas recentes da imprensa, resta tentar entender por que a Folha, afinal, desembarcou do trem-fantasma da sabotagem, enquanto o Estado tem uma recaída e volta a agir explicitamente em defesa do governador de São Paulo.
Uma possibilidade é que os principais jornais de circulação nacional estejam sofrendo um surto de esquizofrenia.
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