Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Os jornais O Globo e Folha de S. Paulo oferecem a seus leitores, nas edições de quarta-feira (19/2), prestações de conta sobre algumas de suas escolhas editoriais. O Globo se vê compelido, pela segunda vez em uma semana, a explicar a cobertura da morte do cinegrafista Santiago Andrade, ocasião em que abrigou, com destaque, suposições pouco consistentes que incriminavam o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ). A Folha produz em página dupla uma declaração de princípios sobre alguns dos temas mais presentes no noticiário.
Interessante observar que o inesperado surto de humildade acontece em período de relativa calmaria no noticiário, após a intensa mobilização de emoções que se seguiu ao incidente que vitimou o jornalista. Também se pode registrar que a imprensa se vê obrigada a divulgar nestes dias indicadores econômicos que desautorizam a tempestade de análises pessimistas que foram despejadas sobre o público nas semanas anteriores. Por exemplo, pesquisa feita pelo Instituto Data Popular sob encomenda da empresa Serasa Experian aponta um novo potencial de crescimento da economia brasileira, com base na expansão da classe média.
Nesse sentido, o editorial do jornal carioca e a afirmação de pontos de vista da Folha podem ser recebidos como manifestações de uma mudança de perspectiva na abordagem de alguns temas polêmicos em véspera de importante disputa eleitoral. Mas também podem representar uma pausa para conter a eventual perda de credibilidade quando a realidade desmente certas escolhas editoriais.
No caso do Globo, trata-se do segundo editorial em poucos dias, ambos intitulados “O dever de um jornal”, no qual o diário rebate artigo do deputado Marcelo Freixo em que ele exerceu seu direito de resposta à acusação de que estaria financiando vândalos durante as manifestações de protesto. O jornal afirma que “reconhece seus erros, quando ocorrem”, mas não admite ter errado na cobertura da morte de Santiago Andrade – pelo contrário, “se orgulha do trabalho que realizou”.
A Folha pensa
Se houvesse a circunstância de um debate igual e equilibrado, o deputado poderia voltar à carga, lembrando como foi envolvido por uma suposta declaração de um estagiário de escritório de advocacia que supostamente teria ouvido uma referência ao seu nome por parte de uma ativista que não estava envolvida no episódio. E assim se pode imaginar as duas partes esgrimindo seus argumentos pela eternidade afora, enquanto o leitor se distrai com outras novidades.
O caso da Folha é mais interessante. Não se pode depreender, por seu enunciado, por que o jornal paulista resolveu marcar a data de sua fundação, 19/2, com uma declaração de pontos de vista sobre os assuntos em pauta no seu 93º aniversário. Em duas páginas do primeiro caderno, um enorme quadro anuncia “o que a Folha pensa” sobre Copa e Olimpíada, Manifestações, Mobilidade Urbana, Saúde, Drogas, Bolsa Família, Cracolândia, Aborto, Economia, Educação, União Homossexual, Mercosul, Política, Internet, Cultura, Cotas, Segurança Pública, Israel-Palestina e Cuba.
Trata-se de uma espécie de manual para o leitor entender o que vem no noticiário: supõe-se que, tomando conhecimento do que pensa o corpo diretivo do jornal, o leitor saiba apreciar as variantes apresentadas nas reportagens e nos artigos de colaboradores periódicos ou esporádicos.
Pode-se adivinhar que o propósito do texto seja argumentar que, mesmo explicitando pontos de vista específicos sobre essa temática tão diversificada quanto imprecisa, a Folha é um jornal democrático, capaz de abrigar as mais diferentes interpretações da realidade.
Acontece que a realidade contemporânea não cabe em duas dezenas de assuntos, ou melhor, quanto mais fragmentada a temática geral em que se divide aleatoriamente a visão de mundo, mais incompreensíveis são os enunciados. Diz a teoria da complexidade, no campo da epistemologia, que as questões não podem ser compreendidas isoladamente e que uma interpretação linear como a que o jornal propõe para cada assunto vai se chocar com a natureza emergente de todos os acontecimentos.
A rigor, a Folha poderia resumir sua declaração de princípios em duas questões: interesse público e interesse privado. É na mistura desses dois campos que a imprensa costuma patinar.
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