A conivência do Psol com os Black Blocs
Antônio Lassance, na Agência Carta Maior
O Psol cometeu o grave erro de se associar aos Black Blocs. Das duas, uma: ou o partido assume o equívoco publicamente, revê sua aliança explícita com os mascarados e se afasta desse grupo de uma vez por todas, ou ele que se prepare para ser duramente rejeitado na política pelos setores democráticos.
Se o Psol tem uma convicção a defender, que o faça. O que se viu desde a morte do cinegrafista Santiago Andrade é um partido que finge que não tem responsabilidade sobre o ocorrido e, tal qual um Black Bloc, mascara suas posições na hora de enfrentar a sociedade.
Após as manifestações de junho de 2013, quando foi expulso dos protestos como tantos outros partidos, o Psol estreitou sua relação com os Black Blocs. Mas continua posando de bom moço na hora de dar entrevistas.
Membros de sua Executiva defendem as táticas de violência de rua dos Black Blocs, enquanto seus deputados citam candidamente a não-violência de Gandhi e lamentam a morte do cinegrafista.
Ao contrário do que pretendia, não é o Psol que parece estar influenciando os Black Blocs. São os Black Blocs que estão dando a linha do Psol.
Pouco importa se o sujeito que disparou o rojão que vitimou Santiago Andrade é ou não do gabinete de Marcelo Freixo (Psol-RJ), se é ou não filiado ao Psol, se votou ou não no Psol, se receberá ou não assistência jurídica de algum parlamentar do Psol.
O que importa é a posição política, oficial ou oficiosa, que o Psol tem empunhado nas ruas, não apenas ao lado, mas de mãos dadas com os mascarados.
Por mais que tente tapar o sol com a peneira, está evidente que o Partido flertou com os Black Blocs. Brincou com fogo e se queimou, mas ainda não se arrependeu.
O cinegrafista da Band era, antes de tudo, uma pessoa comum, um cidadão brasileiro, um trabalhador.
O criminoso que tirou a vida dessa pessoa e que irá provavelmente reclamar da criminalização dos protestos não atacou ícone algum da imprensa burguesa.
Não fez sequer cócegas em qualquer corporação midiática.
Não chegou nem perto de atacar qualquer rede de comunicação.
Ele simplesmente atacou e destruiu um trabalhador. Alguém que era feito da mesma substância que as crianças, jovens, idosos, trabalhadores e estudantes da estação de trem onde também foi explodido um rojão desse mesmo tipo, horas antes.
As pessoas da estação tiveram a sorte que faltou ao cinegrafista.
Na página do Psol, até romper o dia da morte de Santiago Andrade, não havia sequer uma única nota do Partido sobre o episódio.
Até mesmo os Black Blocs do Rio de Janeiro divulgaram um comunicado lamentado a “infelicidade” pela morte do cinegrafista. O Psol não chegou a tanto.
Seus parlamentares juram que são adeptos da não violência, mas esperaram o cinegrafista estar em coma para dar as primeiras declarações.
Marcelo Freixo demorou ainda mais. Só abriu o bico para esboçar alguma explicação quando alguém lançou contra ele a acusação de ter relações diretas com o agressor.
Ou seja, resolveu romper o silêncio com intuito de defender a si próprio. Já não se fazem mais revolucionários como antigamente.
Enquanto aguardamos a nota oficial do Partido sobre o incidente, é possível entender qual é a do Psol com os Black Blocs com a leitura do esclarecedor texto “Tática Black Bloc: condenar, conviver ou se aliar?”.
O texto é assinado por ninguém menos que o Secretário de Organização da Executiva Nacional do PSOL, Edilson Silva.
A resposta do membro da Executiva é a de que o Psol deve conviver e aliar-se para tentar ganhar adeptos entre os Black Blocs.
O Secretário Nacional do Psol é um verdadeiro apaixonado pelos mascarados. Certamente contagiou muitos outros de sua organização.
Diz que os Black Blocs têm como “diferencial mais saliente, e porque não dizer sedutor” “a coragem e o desprendimento com que se lançam diante da repressão estatal."
Acrescenta: "não nos parece que o conceito da tática Black Bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na história”.
Vale grifar o “progressivo” e o “moderno”. O “trazido pelas mãos da dialética na história” bem poderia ter sido abreviado com um “inexorável”.
"A tática existe e veio pra ficar, gostem ou não a direita, a esquerda e quem mais quiser dar palpites”, diz Edilson Silva.
Tendo citado a direita, a esquerda e os palpiteiros, ao Psol só sobrou mesmo o centro. Ou seja, sobrou espaço suficiente para tocar fogo em rojões, mirando a cabeça das pessoas, e lançar coquetéis molotovs sobre policiais, durante a noite; e de dia fazer acordos com o PSDB, o PPS e o DEM nas votações do Congresso, como tem sido a praxe do partido.
O Secretário do Psol enaltece os Black Blocs e denuncia “as escaramuças de falsos representantes em uma esfarelada democracia de faz de conta”.
Acho que Randolfe Rodrigues, Chico Alencar, Marcelo Freixo e tantos representantes esfarelados do Psol precisam dizer alguma coisa para se defender. De preferência, algo que não seja faz de conta, como quer o entusiasta dos fogos de artifício.
A recomendação expressa, até que apareça alguém que diga algo em contrário, é a de colocar "os movimentos e partidos da esquerda coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática Black Bloc, respeitando todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais positivas da opinião pública e da consciência das massas”, “disputando a hegemonia”.
Interessante o texto falar em coerência, sensibilidade e consciência, três coisas que andam em falta no Psol.
“Talvez esteja aí o nosso desafio nesta questão da tática Black Bloc", conclui a bula psólica.
“Quem mais deve estar preocupado com isto são os governos que já estavam acostumados com conflitos de resultados previsíveis".
Engraçado; por um momento, imaginamos que quem deveria estar preocupado com esses resultados previsíveis deveria ser o Psol.
Nada disso. Os estandartes do Psol estão muito à vontade servindo de pano de fundo da ação direta dos cavaleiros das trevas, dos justiceiros das ruas que agem contra tudo e contra todos: contra o capital e contra os trabalhadores - trabalhadores como Santiago Andrade e como o Seu Itamar Santos, aquele que teve o fusquinha queimado com a família dentro, escapando por pouco de uma tragédia.
Eis a turma que o Psol acha progressista, moderna e que veio pra ficar.
Aí está o que o Partido Socialismo e Liberdade hoje defende, seja quando fala, seja quando cala.
Está na hora de uma mobilização suprapartidária que condene a violência como tática de luta política. Quem sabe o Psol adira e isso sirva para passar um recado efetivo, à sua militância, de abandono da aliança com os mascarados.
Mas se, ao contrário, o Psol está cansado de ser um partido que duela com as armas da democracia e preferiu virar um grupelho que ataca o primeiro que aparece pela frente, que fique com seus Black Blocs e faça bom proveito.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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