18 fevereiro 2014

MANIFESTAÇÕES DE RUA

Afastem-se dos provocadores: eles nada têm a
ensinar que valha a pena para a luta social


Antônio Lassance, na Agência Carta Maior



Das greves dos metalúrgicos às Diretas-Já, nos anos 1980; do impeachment de Collor às grandes marchas do MST a Brasília, nos anos 1990, muita gente participou, ensinou e aprendeu como transformar mobilizações de rua em avanços sociais e mais democracia.

Gerações e gerações de bravos e combativos militantes sociais nos ensinaram uma série de cuidados, requisitos e princípios a serem respeitados. Não há uma fórmula, mas há certamente uma forma. 

Por exemplo, as pautas de mobilização devem ser amplas o suficiente para ganhar a opinião pública, mas as propostas devem ser específicas e factíveis o bastante para serem levadas a uma mesa de negociação e se alcançar acordo.

Uma vitória, mesmo que pequena, é um passo importante para se convocar uma próxima luta e um estímulo para se ganhar mais adesão.

Não há problema em se pedir o impossível, mas não vislumbrar uma única conquista imediata, transformando a frustração e a revolta nos principais resultados, acaba por afastar a maioria das pessoas. É uma forma perfeita de trocar luta social pelo desfile de moda de pequenos grupos, com suas tendências supostamente de vanguarda.

Outro aprendizado importante, pisado e repisado por uma longa trajetória de  lutas, é que mobilizações não têm dono, mas elas precisam ter liderança. Melhor dizendo, manifestações têm donos sim: é todo o povo que ocupa as ruas. E sempre têm alguma liderança.

Quem convoca uma manifestação é responsável por preservar seus propósitos e protegê-la dos que querem empurrá-la para o abismo da inconsequência e o pântano da violência. Se a liderança não for exercida pelos convocadores, acabará sendo assumida pelos provocadores. 

Liderança é todo aquele que toma iniciativa e orienta os demais a agir conforme um rumo. Alguém fará isso no meio da rua, da melhor ou da pior maneira possível.

A comunicação é um fator crucial. A falta de um caminhão de som (nos anos 1960 e 1970, eram os valentes megafones) é um problema. Esse instrumento foi rejeitado nas manifestações de junho de 2013, considerado pouco democrático. 

Mas vimos que manifestações que não conversam por meio de algum sistema de som, no qual os participantes se revezem e se revelem em seus discursos, acabam aos gritos e ao som de explosões de rojões e coquetéis molotov – certamente, a pior das trilhas sonoras.

Na prática, é um gravíssimo problema que só favorece a grupos que nada têm de democrático, que sabem muito bem como organizar sua tropa para ganhar no grito a direção de um movimento e comandar o desenrolar dos fatos.

Um aprendizado fundamental das outras gerações foi o de como se comportar diante de confrontos com a polícia. 

A regra geral é a de que a melhor atitude diante da polícia é ficar longe dela. Seja para reagrupar-se em outro lugar ou simplesmente correr. A violência é algo que as forças repressivas do Estado sabem exercer melhor que ninguém. Não é esse o campo privilegiado para se travar a luta social.

Gerações que conduziram muitas lutas nos ensinaram que quem vai pra cima da polícia tem um nome: "provocador". "Afastem-se dos provocadores" e "não aceitem provocações", essas eram as palavras de ordem quando ocorria algum conflito localizado.

Sempre houve uma desconfiança muito grande, justificada, sobre os propósitos de quem acha que o foco principal em uma mobilização de massa são os policiais ou os profissionais de imprensa.

Houve um tempo em que o cúmulo da provocação era apenas o grito de guerra, em direção à PM, de "você aí parado também é explorado". Na chuva, o "você aí molhado também é explorado" até arrancava o riso condescendente de um ou outro policial.

Os velhos militantes nos ensinaram que a paciência é uma virtude revolucionária e que é preciso muita coragem para responder com pacifismo à violência injusta e indiscriminada.

A nova e superjovem geração de manifestantes de hoje talvez tenha perdido o elo com esses combatentes lendários e tenha esquecido de suas histórias, até porque poucos são os Homeros para nos contar em verso e prosa de onde viemos, por que lutamos e pelo que vale a pena viver e morrer.

A nova geração deve ser respeitada porque também tem muito a nos ensinar. Parte dela nos ensina o que se deve fazer. Outra parte nos mostra o que devemos evitar. 

Afinal, queremos todos ir adiante, sem jamais esquecer aquilo pelo que passamos.

 
(*) Antonio Lassance é cientista político.


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