28 fevereiro 2014

NÃO TEM QUADRILHA

STF CORRIGIU ERRO DE OITO ANOS

Derrubado no tribunal, crime de quadrilha era mencionado 53 vezes na denúncia de 2006

Paulo Moreira Leite, em seu blogue
 
Ao retirar a acusação de formação de quadrilha contra oito réus da AP 470, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão relevante em múltiplos aspectos.
 
O primeiro ponto tem caráter moral: a verdade foi reestabelecida, ao menos parcialmente. 
 
A decisão corrige um erro de oito anos.
 
Em seu voto, o relator Luiz Fux ainda chegou a comparar o governo Lula e o PT aos  cangaceiros de Lampião, imagem usada para criminalizar um partido que governa o país – com imensa aprovação popular – desde 2003. 
Era uma visão que seguia a linha definida pelo primeiro procurador-geral Antônio Fernando de Souza que, na denúncia original, em 2006, empregou a palavra quadrilha 53 vezes contra os 40 réus.
Em 2012, no julgamento, a condenação por quadrilha teve duas consequências.
Pelo agravamento artificial das penas, as sentenças foram  um exercício de crueldade contra os réus e uma forma de propaganda política. Também arranharam o Direito e a Justiça, como denunciou, com voz serena, o relator Luiz Roberto Barroso, num voto que deu o tom dos debates da semana. Ele não só disse que a condenação por formação de quadrilha estava errada e não possuía fundamento.
Sustentou que fora aplicada fora de qualquer critério razoável, com a intenção clara de prejudicar os réus.  
 
"Considero, com todas as vênias de quem pense diferentemente, que houve uma exacerbação nas penas aplicadas de quadrilha ou bando. A causa da discrepância foi o impulso de superar a prescrição do crime de quadrilha e até de se modificar o regime inicial de cumprimento das penas", disse Barroso.
 
Preste atenção nesta afirmação, que é gravíssima. Barroso disse com todas as letras que “a causa da discrepância” entre o que se fez e o que deveria ter sido feito não se encontra na  vontade de punir um crime, nem de aplicar a legislação em vigor, nem mesmo uma incompreensão de algum ponto obscuro do Código Penal.
O que pesou foi uma decisão, inaceitável do ponto de vista da Justiça, e vergonhosa, do ponto de vista dos direitos de qualquer pessoa: conduzir os réus, de qualquer maneira, para o regime fechado.  Este “impulso,” disse o ministro, foi a  “causa da discrepância”.
 
Em outro momento, Barroso ainda afirmou, com uma ironia amarga:  "As penas de quadrilha foram quase uma correção monetária dos outros crimes, cujas penas não seriam da intensidade desejada pelo aplicador".
 
Para quem recorda as cenas da dosimetria, em 2012, é fácil entender o  que Barroso estava dizendo. Num espetáculo deprimente, era possível verificar que não se discutia a pena correta – mas aquela que permitisse o regime fechado, a condenação mais dura.
 
Conforme cálculo de Lewandovski, num estudo daquela época, e que teria um efeito duradouro nos debates que levaram a mudança da semana passada, esse agravamento artificial chegou a 63%, no caso de José Genoíno, e 75%, no caso de Dirceu, para ficar em dois exemplos. 
 
Apoiando-se nos cálculos complementares de outro ministro, Teori Zavaski, Barroso lembrou que o impacto destes agravamentos para um crime que sequer fora claramente demonstrado, chegou a "uma variação superior a 250% entre uma coisa e outra.”
 
Foi este absurdo que acabou desmontado na quinta-feira. Na minha opinião, o julgamento precisa sim ser revisto de forma integral, até para que os réus possam exercer um direito elementar, que é um segundo grau de jurisdição. Reunidos no inquérito 2474, provas e testemunhos relevantes foram mantidos em caráter sigiloso até hoje, numa decisão que causou imensos prejuízos aos réus e dificultou seu direito a uma ampla defesa. Mas a correção de uma injustiça, mesmo parcial, devolve a dignidade a toda pessoa. 
 
 
 

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