STF CORRIGIU ERRO DE OITO ANOS
Derrubado no tribunal, crime de quadrilha era mencionado 53 vezes na denúncia de 2006
Paulo Moreira Leite, em seu blogue
Ao retirar a acusação de formação de quadrilha contra oito réus da AP 470, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão relevante em múltiplos aspectos.
O primeiro ponto tem caráter moral: a verdade foi reestabelecida, ao menos parcialmente.
A decisão corrige um erro de oito anos.
Em seu voto, o relator Luiz Fux ainda chegou a comparar o governo Lula e o PT aos cangaceiros de Lampião, imagem usada para criminalizar um partido que governa o país – com imensa aprovação popular – desde 2003.
Era uma visão que seguia a linha definida pelo primeiro procurador-geral Antônio Fernando de Souza que, na denúncia original, em 2006, empregou a palavra quadrilha 53 vezes contra os 40 réus.
Em 2012, no julgamento, a condenação por quadrilha teve duas consequências.
Pelo agravamento artificial das penas, as sentenças foram um exercício de crueldade contra os réus e uma forma de propaganda política. Também arranharam o Direito e a Justiça, como denunciou, com voz serena, o relator Luiz Roberto Barroso, num voto que deu o tom dos debates da semana. Ele não só disse que a condenação por formação de quadrilha estava errada e não possuía fundamento.
Sustentou que fora aplicada fora de qualquer critério razoável, com a intenção clara de prejudicar os réus.
"Considero, com todas as vênias de quem pense diferentemente, que houve uma exacerbação nas penas aplicadas de quadrilha ou bando. A causa da discrepância foi o impulso de superar a prescrição do crime de quadrilha e até de se modificar o regime inicial de cumprimento das penas", disse Barroso.
Preste atenção nesta afirmação, que é gravíssima. Barroso disse com todas as letras que “a causa da discrepância” entre o que se fez e o que deveria ter sido feito não se encontra na vontade de punir um crime, nem de aplicar a legislação em vigor, nem mesmo uma incompreensão de algum ponto obscuro do Código Penal.
O que pesou foi uma decisão, inaceitável do ponto de vista da Justiça, e vergonhosa, do ponto de vista dos direitos de qualquer pessoa: conduzir os réus, de qualquer maneira, para o regime fechado. Este “impulso,” disse o ministro, foi a “causa da discrepância”.
Em outro momento, Barroso ainda afirmou, com uma ironia amarga: "As penas de quadrilha foram quase uma correção monetária dos outros crimes, cujas penas não seriam da intensidade desejada pelo aplicador".
Para quem recorda as cenas da dosimetria, em 2012, é fácil entender o que Barroso estava dizendo. Num espetáculo deprimente, era possível verificar que não se discutia a pena correta – mas aquela que permitisse o regime fechado, a condenação mais dura.
Conforme cálculo de Lewandovski, num estudo daquela época, e que teria um efeito duradouro nos debates que levaram a mudança da semana passada, esse agravamento artificial chegou a 63%, no caso de José Genoíno, e 75%, no caso de Dirceu, para ficar em dois exemplos.
Apoiando-se nos cálculos complementares de outro ministro, Teori Zavaski, Barroso lembrou que o impacto destes agravamentos para um crime que sequer fora claramente demonstrado, chegou a "uma variação superior a 250% entre uma coisa e outra.”
Foi este absurdo que acabou desmontado na quinta-feira. Na minha opinião, o julgamento precisa sim ser revisto de forma integral, até para que os réus possam exercer um direito elementar, que é um segundo grau de jurisdição. Reunidos no inquérito 2474, provas e testemunhos relevantes foram mantidos em caráter sigiloso até hoje, numa decisão que causou imensos prejuízos aos réus e dificultou seu direito a uma ampla defesa. Mas a correção de uma injustiça, mesmo parcial, devolve a dignidade a toda pessoa.
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