27 setembro 2013

The Economist: era só o que faltava

O cuco infatigável: Serra, FHC e Economist


 
 
 
 
 

Com a sincronia infatigável dos ponteiros de um cuco, e uma notável harmonia de enredo e afinação, três paladinos dos interesses conservadores vieram a público, na semana que finda, opor reparos à condução das coisas no país.

A perda de confiança no governo é o diapasão que rege o conjunto.

Que os indicadores da economia, os da confiança dos consumidores – a dos eleitores, inclusive, mostra o Ibope, com Dilma a vencer no 1º turno-- desenhe uma curva inversa, pouco lhes importa.

Importa-lhes, acima de tudo, desautorizar um governo que trocou a ênfase nas reformas neoliberais pelo intervencionismo econômico.

‘"Vamos ter de nos reorganizar para restabelecer a confiança", convocou FHC em ordem unida ministrada a empresários mineiros, na quarta (25). 

‘Quando o Estado sufoca, ‘os que empreendem ficam com medo’, pontificou o tucano, de longe um especialista na arte de encorajar o capital.

Na quinta (26),foi a vez de José Serra ir ao ponto.

“O governo decidiu, em 2010, implantar um modelo de partilha para novas explorações no pré-sal, obrigando a Petrobrás a deter pelo menos 30% do capital e criando uma nova estatal - Petrosal! que controla o comitê gestor de cada campo’, arrepiou-se em exclamativos, no seu artigo no jornal ‘O Estado de SP’. 

O resumo da ópera veio impresso na edição especial da revista The Economist, que seguiu na mesma toada: ‘"Será que o Brasil estragou tudo?", pergunta a bíblia neoliberal para oferecer suas respostas 14 págs. 

Nenhuma dedicada à questão essencial do desenvolvimento brasileiro nos dias que correm: o desafio de recuperar a competitividade da indústria e inscreve-la na grade das cadeias globais. 

Nada que se resolva com a bala de prata da abertura radical do mercado, receitada como panaceia pelos cucos de bico longo.

Ao contrário até.

A tarefa convoca um salto em tecnologia, coordenação do câmbio e blindagem do país contra a volatilidade financeira internacional.

A rigor, recoloca na ordem do dia a questão do controle de capitais. (leia ‘A guerra da informação’; neste blog ).

Não é essa, contudo, a hierarquia das prioridades grasnadas por Serra, FHC ou a The Economist.

O oposto que os mobiliza explica a inquebrantável disposição de frustrar o modelo de partilha do pré-sal, cujo 1º leilão ocorrerá dia 21 de outubro.

O que uma coisa tem a ver com a outra?

Para entende-lo é importante conhecer melhor um regime regulatório, alvo, ao mesmo tempo, da dureza crítica da esquerda e do mutirão do cuco conservador.

Para encurtar etapas, basta ir direto ao anátema que mereceu um exclamativo eriçado no artigo de Serra: a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).

Trata-se da operadora estatal exclusiva de todos os campos do pré-sal.

Na prática, exerce o papel equivalente ao da gerência de um projeto público que tenha sua execução fatiada (por leilão) a agentes privados. 

A estes, no caso, caberá prestar um serviço: a extração do petróleo.

Cujo dono continua sendo o país. 

As relações da PPSA com as petroleiras serão tensas.

A estatal controlará toda contabilidade da exploração, incluindo-se o grau de eficiência das múltis, seus custos e lucros.

Para exercer seu poder de comando, terá o controle de metade das cadeiras do comitê gestor de cada campo. 

Cabe ao comitê decidir, por exemplo, qual será o custo equivalente em barris da exploração do petróleo.

Fixado o parâmetro, define-se a sua contrapartida:o petróleo excedente (excedente do custo de exploração).

É sobre esse ‘excedente’ que incide a parte do governo no volume total extraído dos campos: a ‘partilha’ do pré-sal, que será, no mínimo, de 41,5% .

É esse, portanto, o lance mínimo do leilão que ocorrerá no dia 21 de outubro. 
Mas o objetivo é justamente forçar a competição para produzir lances maiores, com ofertas de partilha mais vantajosas ao país.

Há, ainda, os royalties, elevados de 10% para 15% por barril na regulação do pré-sal.

A PPSA controlará toda essa contabilidade.

Com poderes incontrastáveis.

Em caso de impasse no comitê gestor, ela detém o voto de Minerva.

Cabe-lhe, ademais, o poder de veto sobre decisões que possam ferir o interesse nacional.

Quais decisões?

Por exemplo, controlar o ritmo da exploração; controlar o volume de petróleo exportado; controlar o índice de nacionalização dos equipamentos e encomendas requeridos em cada etapa do processo.

Esse poder dosador dá ao Estado brasileiro a possibilidade de transformar o ciclo do pré-sal num impulso industrializante gigantesco.

E de características inéditas na história do desenvolvimento: reside aí o vínculo com a disjuntiva que separa a visão progressista da receita conservadora para os gargalos da industrialização brasileira.

A singularidade mais relevante do modelo de partilha consiste em agregar um estratégico espaço de planejamento à luta pela regeneração da estrutura industrial do país. 

A PPSA funciona como um pé de cabra que arromba a caixa preta introduzida pelo governo FHC na história do petróleo nacional.

A perda de controle veio com a quebra do monopólio , em 1995, seguida da sua operacionalidade, o regime de concessão, adotado em 1997.

Essa modalidade, ainda vigente em poços fora do pré-sal, faz da empresa exploradora a dona absoluta do óleo.

Mediante pagamento de bônus de assinatura e royalties, petroleiras internacionais se autorregulam (afinal, os mercados são autorreguláveis, não?).

Compete-lhes, assim, definir seus próprios custos, estabelecer o ritmo da exploração e exercer a prerrogativa sobre o destino do óleo extraído.

No limite, podem exportar o ‘seu’ petróleo mesmo havendo escassez interna.

A mudança introduzida no regime do pré-sal, se bem sucedida, sobretudo em tonificar a estrutura industrial do país, provocará redefinições sensíveis na disputa política e no imaginário social. 

Pode regenerar a combalida imagem do interesse público como planejador e gestor direto do desenvolvimento da Nação.

Entende-se, portanto, a inquietação do infatigável cuco encarregado de nos lembrar, de hora em hora, de ciclo em ciclo, de crise em crise, que o Brasil não sabe, o Brasil não deve e o Brasil não pode, sob quaisquer critério, assumir o comando do seu próprio destino.

Nunca é suficiente repetir: ‘assumir o comando do seu próprio destino’, era assim que Celso Furtado definia a luta épica embutida na palavra 'desenvolvimento'.

O cuco conservador arrepia as penas só de ouvir.




Saul Leblon, no Blog das Frases

 


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