Celso de Mello levou conhecimento, bom
senso e sabedoria ao Supremo
Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
Celso de Mello fez mais que votar: ele deu uma aula de direito e de bom senso na sessão de ontem do Supremo.
Numa exposição calma, profunda e didática, ele acolheu os embargos infringentes. Isso quer dizer que os réus que foram inocentados por pelo menos 4 juízes em cada acusação terão direito a uma segunda avaliação. Dirceu, a estrela máxima entre os acusados, é um deles.
Mello, insuspeito de simpatias petistas, deixou claro, involuntariamente, que estavam sendo cometidos no STF um desatino e uma injustiça. Má fé cínica? Obtusidade córnea? Faça sua escolha entre as clássicas opções consagradas por Eça de Queiroz.
“Absolutamente nada” – demonstrou ele – suprimiu os embargos infringentes em julgamentos do STF, ao contrário do que disseram, categoricamente, Joaquim Barbosa e companheiros como Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello.
O decano julgou o caso de forma fria e desapaixonada, e esta foi uma diferença vital num julgamento muito mais político que técnico.
Como mostrou ele – e o DCM publicou em sua manchete de segunda-feira –, o presidente Fernando Henrique Cardoso sugeriu a supressão dos infringentes a quem de direito, o Congresso, em 1998. A Câmara negou a sugestão, e o Senado também. A lógica é que duplo grau de avaliação é um direito fundamental de todo cidadão. Isso estava simplesmente sendo subtraído aos réus.
O Pacto de São José – um tratado internacional ao qual o Brasil aderiu – estipula a mesma coisa, lembrou Mello. Caso Dirceu submetesse seu processo à OEA, como ameaçou, o STF provavelmente sofreria um vexame internacional histórico.
Um efeito colateral previsível agora é a desmoralização dos juízes que ignoraram ou aparentaram ignorar coisas que deveriam saber de cor. Os advogados de defesa foram muito mais competentes que eles. JB é o caso mais clamoroso entre os juízes que saem terrivelmente mal do episódio, mas está longe de ser o único.
Fica exposta também a miséria da cobertura que a mídia ofereceu a seu público. Em vez de abastecê-lo de conhecimento, a mídia induziu-o a achar que mais uma vez a corrupção venceria caso os embargos fossem aceitos. Leia a Veja, acompanhe a CBN, ouça os comentaristas da Globonews, consulte os editoriais do Estadão, e você corre o risco de viver num universo paralelo em que vai se indignar quando é para ficar aliviado e vai ficar aliviado quando é para se indignar.
Mais uma vez, a mídia fez seu interesse privado passar por interesse público. A tentativa frustrada de FHC em revogar os embargos infringentes foi esquecida pela mídia. (Aqui, você pode ver um texto que detalha o episódio.)
É animador, para a sociedade, constatar que o poder de influência da mídia – já diminuto perante os eleitores – também não define mais decisões do STF. Uma forma de a mídia mitigar — parcialmente – o mau trabalho que fez seria tirar seu público da ilusão a que foi conduzido e informá-lo decentemente para que as pessoas entendam que quem venceu foi a Constituição.
Que a chamada voz rouca das ruas não levou a sério a pregação das companhias jornalísticas ficou claro na esqualidez dos ‘protestos’ à frente do prédio do STF em Brasília. Falou-se que haveria 1 milhão de manifestantes. Não passaram de 100.
Depois de empilhar argumentos técnicos, Celso de Mello culminou sua fala com um ponto para o qual o DCM também já chamara a atenção. Se o placar do caso estava tão equilibrado — 5 a 5 — era altamente recomendável que os embargos fossem aceitos.
Em dúvida, pró réu, foi a mensagem – uma coisa infelizmente tão esquecida neste julgamento.
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