30 setembro 2013

PRECISAMOS CONTAR A HISTÓRIA VERDADEIRA

O Exército perde a batalha


Maurício Dias, na Revista CartaCapital





Passados quase 50 anos do golpe de 1964, 21 dos quais sob uma ditadura que torturou e matou presos políticos nos casarões assombrados e nos porões dos quartéis, as Forças Armadas brasileiras, notadamente o Exército, têm se deslocado com frequência para uma rota de colisão com as regras democráticas. Os generais, coronéis, oficiais e suboficiais reencarnam seus antecessores com o mesmo espírito. Ou seja, como se ainda tivessem o poder de executar regras inscritas nas cartilhas autoritárias.
Um exemplo dessa situação descabida repetiu-se na segunda-feira 23, quando a Comissão Estadual da Verdade (RJ), presidida pelo advogado Wadih Damous, além de parlamentares, foi conhecer o prédio da Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca, na zona norte da cidade, tristemente famoso por ter sido sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, mais conhecidos como DOI-Codi, sigla do mais temido órgão de repressão da ditadura.
O diálogo travado entre a deputada Luiza Erundina e o coronel Luciano Simões, comandante da Polícia do Exército (PE), fala mais do que as teorias sobre o choque entre uma democracia parcialmente resgatada e uma ditadura parcialmente insepulta.
Simões pôs-se a falar e a enaltecer a história da PE. Os visitantes ouviam calados por dever de ofício. A deputada Erundina, no entanto, notou que o militar, embalado pela narrativa pretensamente patriótica, passou a borracha na tragédia vivida dentro daquele quartel durante os anos 1970, apogeu da ditadura. A história não faz sentido com supressão de passagens de alguns episódios. Foi mais ou menos o que ela disse para o narrador fardado. Em resposta, ouviu uma observação do coronel Simões: “Eu não quero politicar”.

A parlamentar, autora de um projeto malsucedido, que punha fim à Lei da Anistia, retrucou: “Mas eu quero politizar”. Naquelas circunstâncias, houvesse ou não diálogos ríspidos, nada poderia melhorar o constrangimento do ambiente. Nem mesmo com a fidalguia protocolar de um convidativo cafezinho oferecido aos visitantes.
O mal-estar daquele dia era a extensão de situações semelhantes iniciadas no gabinete de Celso Amorim, ministro da Defesa, onde o general Enzo Peri, comandante do Exército, reuniu-se com civis para decidir se seria “permitida” a entrada de um grupo de parlamentares e advogados na ex-sede do DOI-Codi.
Peri foi apanhado de surpresa quando os parlamentares da Subcomissão de Direitos Humanos do Senado, como alternativa, anunciaram que levariam ao plenário o requerimento com o pedido oficial de visita. O general propôs formular um convite. Isso resultou, no entanto, em arrastada troca de comunicações sobre a lista de convidados. O Exército tentou vetar a presença de Erundina. O veto foi derrubado pelos parlamentares.
O objetivo da visita era e ainda é espinhoso. Transformar o local em centro de memória sobre a ditadura. Uma proposta que o general Peri chamou de “provocação barata”. Pelos parâmetros da caserna, talvez seja. Mas já não seria hora de alterar o conteúdo e a perspectiva de ensino nas escolas militares?
 
 

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