‘Mensalão’: Os 6 argumentos dos que acusam o STF de promover um julgamento de exceção
Marcel Gomes*
São Paulo – À medida que avança o julgamento do chamado
‘mensalão’ no Supremo Tribunal Federal (STF), também se avolumam manifestações
de intelectuais, juristas e outros nomes públicos sobre as decisões dos
ministros. Nesta quarta-feira (26), uma “carta aberta ao povo brasileiro”, assinada por dezenas de
personalidades, se espalha pela internet. E comentaristas como o cientista
político Wanderley Guilherme dos Santos já falam que o STF pode estar
conduzindo um “julgamento de exceção”.
As críticas recaem sobre diversas questões que envolvem a análise do processo até aqui. Passam pelo ambiente externo ao julgamento, no qual a grande imprensa assume abertamente posição pró-punição, e chegam às teses empregadas pelos ministros nas condenações, consideradas em alguns casos como reinterpretação de posições anteriores da corte.
A Carta Maior reuniu, a seguir, as seis principais linhas argumentativas utilizadas pelos críticos do STF em artigos de jornais, entrevistas e outras manifestações públicas nas últimas semanas. Em geral, eles não tratam da inocência ou culpa dos réus, mas cobram respeito ao devido processo legal - o abrangente conceito constitucional que é uma das bases do estado democrático de direito. Confira:
1) Pressão da grande imprensa: antes do início do julgamento, o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello já alertava para o risco de que o STF tomasse uma decisão “política” e não “técnica”, diante da enorme pressão da grande imprensa pela condenação dos réus. Conforme essa linha crítica, a corte, poderia atropelar direitos dos réus, como o duplo grau de jurisdição (o que foi negado no início do julgamento, quando se recusou o desmembramento) e o princípio do contraditório (uso de declarações à imprensa e à CPI pelos réus). Vale lembrar que em 2007, quando o STF aceitou a denúncia, o ministro Ricardo Lewandowski foi flagrado em uma conversa telefônica em que dizia que a “imprensa acuou o Supremo” e “todo mundo votou com a faca no pescoço".
2) Protagonismo da teoria do “domínio do fato”: na falta de “atos de ofício” que vinculem réus às supostas ações criminosas, os ministros – como Rosa Weber e Celso de Mello – têm se valido da teoria do “domínio do fato”, que busca fundamentar a punição de mandantes que por ventura não tenham deixado rastros. O problema é que essa teoria é de rara utilização no STF, e não costuma servir de base única para condenações, segundo o professor da USP Renato de Mello Jorge Silveira, pesquisador do assunto. Diante da ausência de provas e da fragilidade dos indícios contra o ex-ministro José Dirceu, chamado de “chefe da quadrilha” na denúncia do Ministério Público Federal, especula-se que os ministros terão de se valer dessa tese para condená-lo.
3) Nova interpretação do crime de lavagem de dinheiro: pelo entendimento pacificado até antes do “mensalão”, a materialidade da lavagem de dinheiro pressupunha ao menos duas etapas – a prática de um crime antecedente e a conduta de ocultar ou dissimular o produto oriundo do ilícito penal anterior. A entrega dos recursos provenientes dos “empréstimos fictícios” do Banco Rural foi considerada lavagem, e não exaurimento do crime antecedente de gestão fraudulenta de instituição financeira. Da mesma forma, e por apenas um voto de diferença, o saque do dinheiro na boca do caixa foi considerado lavagem, e não exaurimento do crime de corrupção. Para os advogados, esse novo entendimento superdimensionará o crime de lavagem, já que sempre que alguém cometer qualquer delito com resultados financeiros e os entregar a outro, incorrerá, automaticamente, nesta prática.
4) Tratamento distinto do "mensalão tucano": o suposto esquema de financiamento ilegal de campanhas políticas do PSDB de Minas Gerais, montado pelo publicitário Marcos Valério, aconteceu em 1998, portanto cinco antes do caso que envolve o PT. Entretanto, não há previsão de quando haverá o julgamento. O chamado “mensalão tucano” tem 15 pessoas como rés e acabou desmembrado entre STF e Justiça mineira pelo ministro Joaquim Barbosa, que, no entanto, recusou esse mesmo pedido dos advogados no caso em julgamento. O tratamento do Ministério Público Federal também foi distinto: na ação penal contra o PT, o MPF entendeu que o repasse de dinheiro para saldar dívidas de campanha configura crimes como corrupção ativa, peculato e quadrilha. Já no processo contra o PSDB, o entendimento foi de que era mero caixa dois eleitoral. Por causa disso, no caso mineiro o MPF pediu o arquivamento do inquérito contra 79 deputados e ex-deputados que receberam recursos.
5) Julgamento em pleno período eleitoral: ao decidir fazer o julgamento no período das eleições municipais, o STF tornou-se um dos protagonistas das campanhas dos adversários do PT. As decisões dos ministros têm sido amplamente divulgadas nos programas de rádio e televisão, que pretendem gerar danos à imagem de candidatos do partido sem qualquer relação com o processo do "mensalão". Os efeitos eleitorais das decisões da corte podem ser ainda mais intensos porque a maioria dos réus petistas deve ser julgada na semana anterior às eleições municipais.
6) Preconceito contra a política e o campo popular: ainda que os ministros do STF estejam fundamentando juridicamente suas decisões, conforme o princípio da ampla defesa, algumas manifestações durante o julgamento revelam “preconceito” contra os políticos, em especial os do campo popular. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos tratou do assunto em entrevista à Carta Maior, ao dizer que há um “discurso paralelo contra a atividade política profissional” nas falas de alguns ministros. Não é surpresa que esse discurso é o mesmo daquele da grande mídia, em que o tom acusatório sempre reverberou contra os réus do suposto "mensalão".
*Colaborou Najla Passos, de Brasília
As críticas recaem sobre diversas questões que envolvem a análise do processo até aqui. Passam pelo ambiente externo ao julgamento, no qual a grande imprensa assume abertamente posição pró-punição, e chegam às teses empregadas pelos ministros nas condenações, consideradas em alguns casos como reinterpretação de posições anteriores da corte.
A Carta Maior reuniu, a seguir, as seis principais linhas argumentativas utilizadas pelos críticos do STF em artigos de jornais, entrevistas e outras manifestações públicas nas últimas semanas. Em geral, eles não tratam da inocência ou culpa dos réus, mas cobram respeito ao devido processo legal - o abrangente conceito constitucional que é uma das bases do estado democrático de direito. Confira:
1) Pressão da grande imprensa: antes do início do julgamento, o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello já alertava para o risco de que o STF tomasse uma decisão “política” e não “técnica”, diante da enorme pressão da grande imprensa pela condenação dos réus. Conforme essa linha crítica, a corte, poderia atropelar direitos dos réus, como o duplo grau de jurisdição (o que foi negado no início do julgamento, quando se recusou o desmembramento) e o princípio do contraditório (uso de declarações à imprensa e à CPI pelos réus). Vale lembrar que em 2007, quando o STF aceitou a denúncia, o ministro Ricardo Lewandowski foi flagrado em uma conversa telefônica em que dizia que a “imprensa acuou o Supremo” e “todo mundo votou com a faca no pescoço".
2) Protagonismo da teoria do “domínio do fato”: na falta de “atos de ofício” que vinculem réus às supostas ações criminosas, os ministros – como Rosa Weber e Celso de Mello – têm se valido da teoria do “domínio do fato”, que busca fundamentar a punição de mandantes que por ventura não tenham deixado rastros. O problema é que essa teoria é de rara utilização no STF, e não costuma servir de base única para condenações, segundo o professor da USP Renato de Mello Jorge Silveira, pesquisador do assunto. Diante da ausência de provas e da fragilidade dos indícios contra o ex-ministro José Dirceu, chamado de “chefe da quadrilha” na denúncia do Ministério Público Federal, especula-se que os ministros terão de se valer dessa tese para condená-lo.
3) Nova interpretação do crime de lavagem de dinheiro: pelo entendimento pacificado até antes do “mensalão”, a materialidade da lavagem de dinheiro pressupunha ao menos duas etapas – a prática de um crime antecedente e a conduta de ocultar ou dissimular o produto oriundo do ilícito penal anterior. A entrega dos recursos provenientes dos “empréstimos fictícios” do Banco Rural foi considerada lavagem, e não exaurimento do crime antecedente de gestão fraudulenta de instituição financeira. Da mesma forma, e por apenas um voto de diferença, o saque do dinheiro na boca do caixa foi considerado lavagem, e não exaurimento do crime de corrupção. Para os advogados, esse novo entendimento superdimensionará o crime de lavagem, já que sempre que alguém cometer qualquer delito com resultados financeiros e os entregar a outro, incorrerá, automaticamente, nesta prática.
4) Tratamento distinto do "mensalão tucano": o suposto esquema de financiamento ilegal de campanhas políticas do PSDB de Minas Gerais, montado pelo publicitário Marcos Valério, aconteceu em 1998, portanto cinco antes do caso que envolve o PT. Entretanto, não há previsão de quando haverá o julgamento. O chamado “mensalão tucano” tem 15 pessoas como rés e acabou desmembrado entre STF e Justiça mineira pelo ministro Joaquim Barbosa, que, no entanto, recusou esse mesmo pedido dos advogados no caso em julgamento. O tratamento do Ministério Público Federal também foi distinto: na ação penal contra o PT, o MPF entendeu que o repasse de dinheiro para saldar dívidas de campanha configura crimes como corrupção ativa, peculato e quadrilha. Já no processo contra o PSDB, o entendimento foi de que era mero caixa dois eleitoral. Por causa disso, no caso mineiro o MPF pediu o arquivamento do inquérito contra 79 deputados e ex-deputados que receberam recursos.
5) Julgamento em pleno período eleitoral: ao decidir fazer o julgamento no período das eleições municipais, o STF tornou-se um dos protagonistas das campanhas dos adversários do PT. As decisões dos ministros têm sido amplamente divulgadas nos programas de rádio e televisão, que pretendem gerar danos à imagem de candidatos do partido sem qualquer relação com o processo do "mensalão". Os efeitos eleitorais das decisões da corte podem ser ainda mais intensos porque a maioria dos réus petistas deve ser julgada na semana anterior às eleições municipais.
6) Preconceito contra a política e o campo popular: ainda que os ministros do STF estejam fundamentando juridicamente suas decisões, conforme o princípio da ampla defesa, algumas manifestações durante o julgamento revelam “preconceito” contra os políticos, em especial os do campo popular. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos tratou do assunto em entrevista à Carta Maior, ao dizer que há um “discurso paralelo contra a atividade política profissional” nas falas de alguns ministros. Não é surpresa que esse discurso é o mesmo daquele da grande mídia, em que o tom acusatório sempre reverberou contra os réus do suposto "mensalão".
*Colaborou Najla Passos, de Brasília
Fonte: www.cartamaior.com.br
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