01 setembro 2012

POLÍTICA - II


Quem tem medo da verdade?


O mais importante processo da história brasileira está sendo levado adiante pela Comissão da Verdade, independente de que seja apenas uma condenação moral e política da ditadura e de todos e tudo que esteve vinculado a ela.

Foi um momento crucial na história do país, em que se escolhia entre a democracia e a ditadura. Triunfou a ditadura, pela força das armas, incitada pelo governo dos EUA, pela direita brasileira, pelo grande empresariado do país, praticamente pela totalidade da mídia da época (exceção da Última Hora), pela Igreja católica.

O país agora, finalmente, passa a limpo aquele período brutal da história brasileira, com a Comissão da Verdade. A mídia, os partidos da direita, militares, se sentem incômodos com a ação da Comissão, porque pretendiam enterrar da memória nacional aquele período e sua participação vergonhosa nele.

O discurso sobre o julgamento atual do STF serve também para encobrir aquele período e a atuação da Comissão da Verdade. Daí os epítetos como se esse julgamento tocasse nos fundamentos da história brasileira e não o sobre a ditadura.

A ditadura não apenas mudou os rumos da história brasileira do ponto de vista político. Ela bloqueou o processo de democratização social e econômica e acentuou ainda mais as desigualdades. Alem das brutais ações repressivas, logo nos primeiros dias foram decretadas intervenções em todos os sindicatos e o arrocho salarial – tão essenciais à ditadura quanto a repressão física.

O grande empresariado nacional e internacional foi diretamente beneficiário do regime ditatorial, aumentou exponencialmente seus lucros com o arrocho e a repressão aos sindicatos, intensificou a super exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, empresas da mídia, com a Globo à frente, impuseram seu monopólio durante o período ditatorial.

A ação da Comissao da Verdade é escondida pela velha mídia, ela mesma temerosa que as investigações revelam suas estreitas e promíscuas relações com a ditadura militar. Quando finalmente a Comissão da Verdade enunciar suas conclusões sobre o golpe e a ditadura miliar, não haverá nada da parafernália de hoje em relação ao processo do STF: nem transmissão direta, nem cadeias nacionais, nem entrevista com as vítimas e os familiares das vítimas da ditadura.

O medo que eles têm da verdade da Comissão da Verdade, por si só, é confissão de culpa da velha mídia, dos partidos da direita e de militares ligados à ditadura.


Emir Sader, em seu Blog










Sobre Farsas

Por Marcos Coimbra
Em uma de suas mais polêmicas declarações dos últimos anos, o ex-presidente Lula afirmou que o “mensalão” era “uma farsa”.
A frase foi dita quando ainda ocupava a Presidência e ele a arrematou com a promessa de que dedicaria boa parte de seu tempo após deixar o Planalto a demonstrá-lo. Vivíamos os dias de comemoração da vitória de Dilma e ela soou a muitos como um arroubo, compreensível no calor do momento, mas de pequena consequência prática.
Mesmo para quem é famoso por emitir opiniões desconcertantes, essa foi extraordinária. Até alguns de seus companheiros mais próximos acharam que Lula havia se excedido. 
Passaram-se quase dois anos e os fatos mostram que estava certo. Quanto mais avança o “julgamento do mensalão” no Supremo Tribunal Federal, mais fica claro que o fulcro da denúncia é vazio. Que a acusação fundamental que pesa contra os réus é destituída de sentido.
Mas Lula não conseguiu alcançar seu intuito. Do final de 2010 para cá, seu esforço de provar a farsa a todos não foi bem sucedido.
É claro que fracassaria tentando convencer os adversários do lulopetismo. Entre eles, alguns são tão irracionais que nenhum argumento, por mais bem explicado, seria aceito.
Eles são uma pequena minoria da sociedade brasileira, de tamanho conhecido: os 5 a 6% que achavam “péssimo” e “ruim” o governo Lula e que continuam a detestar tudo que Dilma faz.
Mas estão super-representados nos veículos da grande indústria de comunicação. Por isso, embora sejam poucos, falam alto. Tanto que parecem ser as únicas vozes que existem. 
A batalha à frente do ex-presidente, de fazer com que o conjunto da opinião pública percebesse que o “mensalão” era uma farsa, seria difícil de qualquer maneira. Mesmo para quem tem seu prestígio.
A vasta maioria da população se interessa nada ou quase nada por questões políticas e administrativas. Por essa razão, não acompanha o noticiário e tende a permanecer substancialmente desinformada - mesmo quando supõe ter alguma informação.
Essa mistura de desinteresse e desconhecimento explica a importância que têm os estereótipos e os preconceitos na concepção do cidadão comum a respeito da política e dos políticos. Sabendo pouco e pouco querendo saber a mais, tende a simplificar e generalizar. Dá menos trabalho que procurar entender cada caso concreto.  
Nada disso é um característica exclusiva da sociedade brasileira. Ao contrário, com a exceção de alguns poucos países de cultura política intensamente participativa (como alguns de nossos vizinhos), não somos diferentes da média.
O que é peculiar ao Brasil é haver um só discurso nos principais meios de comunicação de massa. 
Não é estranho que os empresários que os controlam desgostem de um partido e prefiram outros. Nem que contratem profissionais para defender seus pontos vista. É assim no mundo inteiro, onde donos de jornal e jornalistas têm lado e costumam explicitá-lo.
O que complica o quadro brasileiro é que apenas um lado tem expressão na mídia hegemônica, exatamente aquela que, por oferecer produtos de entretenimento, é consumida pela maioria - majoritariamente desinteressada, pouco informada e com visão estereotipada.    
Isso não é decisivo nas circunstâncias que cobram das pessoas maior envolvimento e participação, como na hora de votar. Em situações como essa, elas não refugam e apenas a minoria permanece à margem, deixando-se conduzir pelos “formadores de opinião”.
Mas quando estão em pauta as “coisas dos políticos” o comportamento é diferente. Como elas não as motivam, suas reações são apenas automáticas. Convocam o estereótipo: “todo político é culpado”. E não é preciso prová-lo.  
Uma denúncia - qualquer denúncia - é, em princípio, verdadeira. Independentemente de contra quem seja e do nível de comprovação.
De acordo com a força com que o bumbo é batido pela mídia, algumas ficam grandes e se tornam “o maior escândalo da história brasileira”. Outras têm pequena repercussão e são logo esquecidas.
No sentido que está na denúncia do Procurador-Geral, de que foi “um esquema de compra de parlamentares no Congresso para apoiar o governo” o “mensalão” é uma farsa. Especialmente se aduzirmos que envolvia pagamentos mensais (ou regulares), como o nome sugere.
Nada sustenta a tese. Se alguns deputados da base do governo - e outros da oposição - foram flagrados recebendo algum recurso, em nenhum caso ficou nem remotamente indicado que era para pagar sua lealdade - argumento de resto absurdo no caso dos petistas, que a davam de graça.
E quando tivemos denúncias de compra de votos no sentido literal? Quando parlamentares apareceram discutindo valores e explicando porque os mereciam?
Isso aconteceu em 1997, quando o Congresso estava na iminência de votar a reeleição de Fernando Henrique.
E daí? Nada.
E ainda há quem ache que a mídia é movida por nobres intenções. 

















A justiça e o caminho da Política


por Mauro Santayana


A Justiça, conforme o pensamento grego, se faz quando o tribunal  devolve à vítima o bem que lhe foi tomado, de forma a que as coisas voltem ao seu estado anterior. Devolver o bem tomado deve ser visto em sentido amplo: a justiça não trata apenas do furto ou roubo, mas, da mesma forma, da honra e, também, dos homicídios. Nesse sentido, a justiça não atua somente tendo em vista as duas partes de um processo, e, por isso mesmo, o Estado, em nome da sociedade, está presente. O assassino, por exemplo, não tem como devolver a vida ao morto, mas a sociedade, em nome do morto, pode condená-lo à morte (o que é sempre um risco de injustiça absoluta), onde há a pena capital, ou à prisão, por muito ou pouco tempo. 

Podemos, por exemplo, considerar uma injustiça contra o povo da Noruega e uma ofensa aos sentimentos universais, a condenação do nazista norueguês a apenas 21 anos de prisão em aposentos de boa hotelaria – mas a legislação penal de cada país é uma prerrogativa de seus parlamentares.

O Supremo Tribunal Federal se aproxima do final do julgamento da Ação 470. É certo que a decisão da Justiça não será aplaudida. Melhor teria sido que não tivesse havido o que houve. 

Podemos entender que os atos de que foram acusados os envolvidos no processo sempre se cometeram no país, e sempre foram tolerados, como infrações apenas eleitorais, ao serem considerados como de financiamento não contabilizado de campanhas políticas. Quando se examina o governo Lula, ao qual serviram muitos dos acusados de hoje, é difícil não aceitar seus êxitos. A simples eleição do trabalhador manual, de escassa escolaridade, nascido no sertão pernambucano, para a presidência da República, constituiu uma revolução social e política que não deve ser ignorada. A redução da pobreza secular do Brasil, da qual sempre se nutriu a classe dos opressores, bem nascidos e bem protegidos pelo Estado, é um fato histórico que será sempre lembrado, quando o julgamento da Ação 470 for apenas um registro nos feitos de nosso tribunal supremo, perdido entre tantos outros julgamentos de seu denso arquivo de trabalho.

Entendemos o sentimento de decepção de grande parte dos cidadãos brasileiros. Identificamos também a espúria origem da denúncia de Roberto Jefferson que, apanhado na teia menor da corrupção na empresa estatal dos correios, resolveu desafiar tudo e todos, com a confissão de que recebera 4 milhões dos 20 que – disse ele – lhe foram prometidos. A propósito, até hoje não se sabe exatamente o que Jefferson fez com tais – e tão pingues – recursos.

Como resumiu o Ministro Ayres Britto, presidente do STF, ao votar integralmente com o relator, nos casos examinados até agora, não é agradável condenar. A condenação tem o sabor dos frutos amargos.

Os cidadãos de bem tampouco exultam com as condenações. Como o sofrimento é o melhor mestre, temos que repensar a política em nosso país – e no mundo, onde o cenário tampouco é  agradável, neste momento em que a paranóia se associa ao assalto dos grandes bancos aos recursos públicos e privados, e em que os paraísos fiscais são os refúgios dos grandes salafrários. Em nosso caso, a reforma do sistema partidário e eleitoral, de forma a dar mais legitimidade ao voto, é um dos passos exigidos. Uma medida necessária é mudar o acesso ao palanque eletrônico, de forma a impedir os acordos políticos que visam  obter mais tempo para esta ou aquela coligação. E aceitar o financiamento público das campanhas, que sempre será mais transparente. É melhor que a campanha volte às ruas, no debate entre os candidatos e os eleitores, sem a interferência dos especialistas em maquiar faces e idéias.  








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