21 setembro 2012

POLÍTICA






O Paraíso, o Inferno e o 'mensalão'

Marcos Coimbra, na Revista CartaCapital





Na mitologia de muitas culturas, existem narrativas sobre os caminhos que se abrem em razão das escolhas que fazemos. Em algumas versões, são lendas que nos levam a pensar nas consequências práticas das ações presentes, no modo como determinam nosso futuro no mundo. Em outras, referem-se ao que nos aguarda no além-túmulo.

Na tradição do catolicismo popular temos, por exemplo, a crença do encontro da alma com São Pedro, que, zelador da porta do Céu, só deixa entrar no Paraíso quem tiver mantido vida justa na Terra. Quem não, endereça ao Inferno.
Para muitos muçulmanos, o primeiro destino da alma é determinado nos instantes que sucedem a morte. Chegam os anjos Munkar e Nakir e a interrogam. São três perguntas: “Quem é teu senhor? Quem é teu profeta? Qual é a tua religião?” Os que acertam ficam à espera da ressurreição em alegria, os que erram são torturados até o Dia do Julgamento.
São muitas histórias semelhantes e, em todas, um mesmo recado: quem faz a coisa certa é recompensado, quem se desvia paga. Nas labaredas do Inferno.
A ansiedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal perante o julgamento do mensalão é compreensível.
Receberam da Procuradoria-Geral da República uma denúncia que os especialistas consideram mais frágil do que aquela feita contra Fernando Collor. E aquela foi tão inepta que caiu por terra na primeira análise.
O fulcro da acusação é uma palavra inventada por um personagem famoso pela falta de seriedade. Nada, nem uma única evidência foi produzida em sete anos de investigações que demonstrasse que funcionou no Congresso Nacional, entre 2004 e 2005, um esquema de compra de votos para aprovar medidas de interesse do governo Lula. O que torna a existência da “quadrilha do mensalão” uma fantasia.
Quem duvidar, que leia a denúncia e verifique com seus olhos se ela aponta as votações e os votos que teriam sido negociados (o número do inquérito é 2.245 e está disponível no site da PGR). Mas nem a fragilidade da denúncia nem sua falta de sentido estiveram em discussão em algum momento.
Quando chegou ao Supremo, o julgamento estava concluído. O veredicto havia sido dado e transitado em julgado.
Exercendo o papel autoassumido de vanguarda da oposição ao “lulopetismo”, os proprietários e funcionários da grande indústria de comunicação tinham o script pronto. E ai de quem o contrariasse. O que não quer dizer que o argumento mais forte que usassem fosse o porrete. Uma dosagem equilibrada de ameaça e adulação é sempre mais eficaz.
Se os ministros fizessem o que ela queria, as portas do Paraíso se abririam para eles. Se teimassem em discutir coisas menores – como provas, depoimentos e outros detalhes –, a fogueira começaria a arder.
Há alguns meses, o ministro Luiz Fux publicou um livro. Como toda obra técnica, de interesse restrito. Seu título bastaria para afugentar os leigos: Jurisdição Constitucional.
O lançamento no Rio de Janeiro, cidade natal do autor, mereceu tratamento vip da TV Globo. Com direito a matéria de 1 minuto e 30 segundos nos telejornais da emissora, tempo reservado a assuntos relevantes.
Talvez alguém se perguntasse o porquê do salamaleque. Mas é fácil entendê-lo. Quem não gosta de ser bem tratado? Quem não aprecia saber que sua família e seus amigos acabam de vê-lo na televisão? Quem não fica feliz quando recebe um cafuné?
O Paraíso é assim, cheio de carinhos. E quem pode proporcioná-lo pode o oposto. Como dizia Augusto dos Anjos: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Se fôssemos como os Estados Unidos, onde os juízes da Suprema Corte são figuras inacessíveis, quase desconhecidas do grande público, seria uma coisa. Mas não somos. Aqui nossos ministros adoram o reconhecimento e não hesitam em se revelar. Amam os holofotes.
Uns fazem saber que andam de motocicleta, outros que são exímios músicos, alguns se apresentam como poliglotas. Identificamos seus times de futebol, os restaurantes que frequentam. Às vezes, até seus negócios e os ambientes inadequados que frequentam.
Do julgamento do mensalão, poderiam sair endeusados, merecendo estátuas e concedendo autógrafos. Bastava que cumprissem o papel que lhes estava reservado. Ou achincalhados. Tornados vilões. Cabia a eles escolher o caminho, o fácil ou o difícil.
No fundo, estão fazendo o que a maioria faria na mesma situação. Talvez não o que se esperaria deles. Mas quem mandou esperar, conhecendo-os?





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O 'mensalão' é a 'Miriam Cordeiro do Serra


Saul Leblon, no Blog das Frases


A história não permite incluir no âmbito da mera coincidência a decisão do relator Joaquim Barbosa de calibrar o julgamento do chamado do mensalão, de modo a levar a discussão sobre o ex-ministro José Dirceu à boca da urna, nas eleições de 7 e 28 de outubro próximo.

Ao fazê-lo, o relator abastece a cartucheira conservadora com mais uma daquelas balas de prata de que se vale frequentemente a direita brasileira quando parte para o tudo ou nada, sem deixar tempo ao adversário ou ao eleitor para reagir.

O conservadorismo sempre teve um aliado canino nesses botes. Agora pelo jeito tem dois.

O parceiro tradicional é a cobertura esperta da mídia 'isenta', que nunca sonegou a essa tocaia o amparo 'factual' que a legitima, e mais que isso, inocenta o capanga e criminaliza o alvo.

O rito sumário na boca da urna é uma das especialidades eleitorais desse jornalismo. À s vezes só há tempo para um jogo de fotos. Nisso também eles são bons .

Quem não se lembra de um clássico do gênero, a edição da Folha de 30 de setembro de 2006, véspera do 1º turno da eleição presidencial daquele ano?

Um jato da Gol havia se chocado com outro avião no ar. Morreriam 155 pessoas. A tragédia, de longe, era o destaque do dia. Mas a Folha, a mesma que agora coloca na boca de Haddad a frase que ele nunca disse ('é degradante me associar a Dirceu..'), montou também uma 'pegadinha' nesse dia sombrio.

Virou um 'case' do jornalismo meliante.

No alto da página, em destaque, uma manchete em seis colunas encimava a foto de uma montanha de dinheiro, supostamente para a compra de um dossiê contra Serra, que havia abandonado a prefeitura para disputar o governo do Estado.

Logo abaixo da pilha de dinheiro, a imagem de Lula, encapuzado com um impermeável de chuva que cobria o seu rosto. Dois homens ladeavam o presidente e candidato à reeleição contra o tucano Geraldo Alckmin. Seguravam o seu ombro.

Coisa de profissional. O conjunto compunha a cena típica do bandido capturado por policiais: Lula reduzido à imagem de um marginal, emoldurado por montanhas de dinheiro suspeito e manchetes criminalizando o PT.

Foi assim a bala de prata daquele sábado, véspera da votação do 1º turno das eleições presidenciais de 2006. Funcionou. Lula, favorito, não conseguiu resolveu a parada e precisou do 2º turno para derrotar Alckmin.

Como será a primeira página da Folha e assemelhados no dia 6 de outubro, 1º turno do pleito municipal deste ano; ou no dia 28, na segunda rodada, tendo o julgamento de José Dirceu como pauta convergente?

O julgamento em curso no STF cercou-se de singularidades jurídicas suficientes para não merecer o bônus da ingenuidade nesse encavalamento político.

A maior delas foi abortar dos autos a identidade univitelina que liga as motivações e práticas que resultaram na ação contra o PT, e aquelas pioneiramente testadas e praticadas pelo PSDB , em Minas Gerais.

Outras 'balas de prata' disparadas pela mídia no passado endossam a suspeição em torno dessas 'convergências' eleitorais sempre desfrutáveis pelo conservadorismo nativo.

A mais famosa delas eclodiu no último dia da propaganda eleitoral de 1989.

O então candidato à presidência, Fernando Collor de Mello, apresentou em seu programa de despedida o depoimento de Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, filha de Lula. A história é conhecida: Miriam acusou o petista de forçá-la a abortar; não havia mais como obter direito de resposta e a mídia 'isenta' cuidou de martelar a denúncia odiosa.

Uma bala de prata porém não seria suficiente para afastar o risco - elevado então - de Lula vencer a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar. Era necessário um tiroteio.

Ele veio com o sequestro do empresário Abílio Diniz por ex-militantes políticos chilenos. Abílio foi libertado do cativeiro no dia 17 de dezembro. Presos, os sequestradores foram fotografados e filmados usando camisetas do PT. Isso aconteceu exatamente no dia da votação do segundo turno da disputa presidencial, vencida por Collor.

Na eleição presidencial de 2010, a Folha, novamente ela, tentou até a véspera do pleito obter junto ao Supremo Tribunal Militar a ficha e os processos da 'guerrilheira' Dilma Rousseff, candidata do PT contra o tucano José Serra.

A esperança da coalizão demotucana era obter através de documentos sigilosos a bala de prata capaz de reverter uma derrota anunciada, quem sabe com a revelação de algum 'crime de sangue' que tivesse contado com a participação da candidata petista. Para a Folha, ademais, tratava-se de comprovar aquilo que o jornal falseara em 2009 por conta própria, quando publicou uma ficha inexistente do Deops, que sugeria a participação de Dilma em sequestros e expropriações.

O caso virou uma das maiores barrigadas da história do jornalismo brasileiro e Dilma impôs uma derrota esmagadora ao candidato do peito dos Frias: 56% a 44%.

Neste pleito de 2012, o paiol de balas de prata conta com novos fornecedores. Mas a mídia é a mesma e o governo Dilma concentra nela quantidades industriais de anúncios, ao mesmo tempo em que hesita em apoiar de forma transparente e legítima o novo canal de comunicação representado por sites e blogs alternativos. Além de fortalecer a democracia e a liberdade de imprensa, eles tem se mostrado contrapesos importantes às balas de prata que cortam e cortarão os ares do país, com intensidade crescente, até 2014. 






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