14 setembro 2012

CRÔNICAS


Esta é uma fábula contemporânea, escrita em tempos que alguns animais aprenderam, de fato, a falar. 

Na natureza, a diferença que separa ou distingue os répteis de um ser humano, como Ernesto “Che” Guevara, por exemplo, é preenchida pela existência de vários outros seres, alguns deles até próximos a seres humanos como o “Che”, por exemplo, ou a ele comparáveis. A reflexão esdrúxula, alegórica e à primeira vista desprovida de algum sentido lógico, eu a faço por não ter conseguido entender até agora o significado da candidatura do cidadão José Serra à prefeitura da cidade de São Paulo. Continua sem sentido? Já me explico. O fato tem lá suas tintas surrealistas, o que me libera também para um comentário de igual teor.

Sei que muitos de nós, por esse ou aquele motivo, nos perguntamos o que viemos fazer nesse mundo, procuramos encontrar um sentido para as nossas vidas, de onde viemos e para onde vamos e coisas do gênero, consoante nossas crenças, nossos valores culturais, nossas reflexões mais íntimas e mesmo as nossas inseguranças. Afinal, sou um homem ou sou um rato? Alguém no passado já se questionou a respeito... Confesso que não padeço dessa angústia, não por virtude – não me entendam mal – mas pelo fato primordial de ser ateu. Não sofro diante dos mistérios insondáveis da vida, das grandes questões metafísicas.

O cidadão José Serra, contudo, formado politicamente nos quadros da Ação Popular, organização católica de esquerda bastante ativa nos anos 60, ocasião – inclusive – em que chegou à presidência da UNE, talvez tenha introjetado a noção de que tinha uma missão a cumprir enquanto vivesse. Um relevante papel político a desempenhar em nome da sua gente, quem sabe? Todos nós temos o direito aos sonhos, quaisquer que sejam eles... E aqui, rendo-me ao lugar comum já tantas vezes por mim ouvido, o de que muitos cidadãos sonham em um dia se tornarem presidentes da república em seus países. Sonho carregado de responsabilidades e que, quanto a mim, se aproxima mais de um Guevara, de um Ghandi ou de um Mandela, na minha modesta e ingênua maneira de encarar o mundo. Muito mais do que se aproximaria de um réptil, é claro. Confesso, aliás, que ainda não li nada a respeito sobre o sonho dos répteis...

E pelos vistos, o cidadão José Serra levou esse desejo ao pé da letra e, diga-se de passagem, com denodado estoicismo. Deve ter encontrado à sua volta e dentro de si motivos para isso, e com certeza nobres. Mas como há um ritual a seguir nessa difícil trajetória, pois poucos são aqueles que conseguem chegar à presidência de uma nação sem um mínimo de experiência política, o nosso cidadão percorreu aos solavancos tal ritual e, na caminhada, parece ter descoberto que, muito além das responsabilidades inerentes ao cargo almejado e antes mesmo de atingi-lo, poderia desfrutar de inúmeras benesses que a sua não tão vã filosofia havia imaginado.

Foi deputado, senador, ministro de estado, prefeito, governador e, curiosamente, não deixou nenhuma marca, nenhum registro ou realização digna de menção para a coletividade em nenhum dos cargos ocupados, por mais que ele próprio, seus apaniguados, o partido a que pertence e a imprensa que o prestigia e o sustenta politicamente façam grandes esforços para encontrar alguma coisa do gênero. Alguma idéia, algum pensamento original. E olha que não faltou oportunidade para tal. Mas a sua grande missão, o alvo final (a não ser que sua melagonomania não tenha ainda sido devidamente avaliada e/ou analisada) seria mesmo a presidência da república. Aliás, “o mais preparado” para o cargo, como gosta de dizer aos quatro ventos...

Segundo os autores das antigas tragédias gregas (Édipo Rei, de Sófocles, continua sendo uma obra prima há mais de 2500 anos), a obsessão de um personagem na perseguição de um objetivo leva-o àquilo a que se chama sua “falha trágica”, um ato que o condena a algum tipo de punição. O cidadão José Serra, embora não seja nenhum herói trágico grego (e muito menos brasileiro), na sua caminhada obsessiva rumo ao palácio do Planalto já cometeu não uma, mas várias falhas trágicas. A maior delas, além daquela – segundo o livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. – de amealhar pelos mais variados “artifícios legais” milhões de dólares do patrimônio público brasileiro, a maior delas, repito, foi prometer que cumpriria o seu mandato de prefeito em São Paulo (até com um “papelzinho qualquer” assinado, segundo ele mesmo) e não cumprir com a própria palavra. Ou não chegar também ao final do mandato como governador do estado.

O cidadão José Serra foi queimando etapas e até agora colhendo derrotas no seu principal objetivo. De repente, pelos mais variados motivos e meios o Brasil, e mais particularmente o Estado de São Paulo e sua capital, começaram a ter notícias e a perceberem quem é de fato o cidadão José Serra. Um homem despreparado, obcecado e sem idéias próprias. 

Arrogante, destemperado, vingativo. Sua obsessão não deixa que ouça os que estão ao seu lado e muito menos, é lógico, os que lhe criticam sem ou mesmo com razão.Impôs-se candidato de última hora dentro do seu partido, quando as prévias já estavam marcadas e alguns pretendentes à prefeitura de São Paulo também já haviam se manifestado. Atropelou a todos em três semanas, e o partido engoliu, como tem sempre engolido, o seu jeito incivilizado de fazer política. Qual seria o segredo desse cidadão? Fragilidade ideológica de outros membros do PSDB? Chantagem? Telhados de vidro à sua volta? “Fadiga de material”, segundo as palavras do sociólogo de textos ininteligíveis? Perfil ditatorial que tanto interessa à oligarquia nacional no seu atual momento de desalento político e sustentado por interesses antinacionais de um capitalismo neoliberal esgotado, mas necessitado de porta vozes com algum potencial eleitoral, mesmo que em total declínio? Ou tudo isso junto? Por isso, a cada dia que passa, entendo menos a candidatura do cidadão José Serra à prefeitura de São Paulo.

Há já alguns anos, ainda adolescente, em Belo Horizonte, minha cidade natal, tive a oportunidade e a sorte de descobrir, com outros jovens estudantes e colegas, que o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, de passagem pela capital mineira, iriam jantar num tradicional restaurante de carnes exóticas, o Tavares, e para lá muitos de nós nos dirigimos. Era o ano de 1961. As teses existencialistas fascinavam boa parte da minha geração e repercutiam principalmente nos mais jovens. Levei comigo um livro escrito por ele, da sua trilogia ‘Os Caminhos da Liberdade’ e consegui o meu autógrafo, que durante anos pude exibir com orgulho. Os jornais, que deram grande destaque à visita, publicaram entrevistas e opiniões do casal francês mais famoso do pós-guerra.

Numa dessas entrevistas, e repetindo o que já havia dito a jornais em outras partes do mundo, Sartre afirmava depois de uma visita a Cuba, cuja revolução socialista triunfara dois anos antes, que Ernesto Guevara era, provavelmente, o homem mais íntegro e digno que conhecera até então. Para aqueles que conhecem a biografia do “Che”, eram justas e apropriadas as palavras do filósofo francês. Ou também as palavras de Nelson Mandela: “Guevara é uma inspiração para todos aqueles que amam a liberdade no mundo!” 

Penso que boa parte dessa dignidade se devia ao fato de que Guevara não tinha a obsessão pelo poder. Ao contrário, após ser ministro do governo cubano quando da vitória da revolução, o “Che” apresentou-se várias vezes para outros combates pelo mundo, dando sua vida por uma causa que considerava justa, sendo assassinado nas selvas da Bolívia. Nenhum sentido de heroísmo, é bom salientar, mas o destemor sincero em lutar pelos mais pobres e desvalidos.

Outro filósofo, esse brasileiro, e em tempos bem mais recentes, o professor Paulo Arantes, fez sobre o cidadão José Serra a seguinte pergunta: “O que será que pensa esse rapaz?”

Já decidido a encerrar o artigo por aqui, dei-me conta de que um leitor mais atento poderia indagar: mas e os répteis? De fato, eu não poderia terminar a fábula sem, pelo menos enaltecer, algumas qualidades dos répteis, como a peçonha das serpentes que serve de matéria prima para o próprio antídoto contra as suas picadas. Ou a incrível qualidade de transformação de um camaleão diante das adversidades enfrentadas na natureza, ou ainda – mesmo com toda campanha pela preservação das espécies – poder admirar as bolsas e sapatos conseguidos de crocodilos e jacarés desavisados.

Peço, então, licença ao professor Paulo Arantes e pergunto aqui sobre os répteis: o que será que eles pensam?

Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.



Fonte: www.cartamaior.com.br









Emir Sader

(sobre o 11 de setembro) Em seu Blog



11 x 11

Os EUA tinham, entre suas vantagens estratégicas, a distância dos campos de enfrentamento das duas guerras mundiais e a suposta inviolabilidade do seu território. Até que os atentados de 2011 quebraram essa característica e geraram a paranoia, que os EUA exportaram para o mundo.

A partir dali, os EUA desencadearam o que chamaram de “guerra ao terror”, a exportação do terrorismo “preventivo” para todos os territórios que eles considerem de risco para sua integridade. Reivindicaram para si o direito de fazê-lo de forma preventiva, o que elimina qualquer necessidade de provas concretas, porque supõe um risco potencial.

Foram assim as invasões do Afeganistão e do Iraque, esta sem sequer aprovação do Conselho de Segurança da ONU, com acusações que os próprios países invasores – EUA e Inglaterra – confessaram posteriormente não corresponder à realidade. 

O projeto norteamericano era reeditar o que fizeram com o Japão – uma civilização tão distante da dos EUA como são as do Iraque e do Afeganistão, que se tornou o maior aliado norteamericano na região. Mas para isso tiveram que atirar duas bombas atômicas, em Hiroshima e em Nagasaki.

A invasão norteamericana era presidida pela ideia de levar a democracia liberal a um mundo considerado “bárbaro”, hostil à civilização – sem se dar conta que se trata das civilizações mais antigas da humanidade. Nada revelou, rapidamente, o caráter das invasões, quando os poços de petróleo foram protegidos no Iraque, assim que as tropas desembarcaram, mas os museus e outras relíquias foram saqueadas.

Desde então, uma década não foi suficiente para que a ordem norteamericana reinasse na região. Os atentados e as vítimas aumentam e nenhuma ilusão resta de que qualquer simulacro de democracia liberal pudesse ser imposta.

Mesmo vencedores na guerra fria, os EUA são incapazes de estabilizar a ordem mundial. Desde o fim da bipolaridade mundial, há mais guerras e menos paz no mundo. Os EUA se revelaram incapazes de participar de duas guerras simultaneamente, apesar da imensa superioridade militar.

O mundo, 11 anos depois do 11 de setembro de 2001, é um lugar menos seguro, mais instável, dominado pelas turbulências, econômicas e militares, e deve seguir assim por um bom tempo, até que novas forças possam impor um mundo multipolar, de paz e de conflitos negociados politicamente.







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