28 setembro 2012

INTERNET E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO














Ninguém está acima da lei. Nem o Google



Matheus Pichonelli, na Revista CartaCapital



Deu no Washington Post. Deu no Wall Street Journal. E deu na BBC. A notícia sobre a prisão do diretor-geral do Google no Brasil, Fabio José Silva Coelho, colocou o país na lista dos inimigos da liberdade de expressão.
Tudo porque, apesar das determinações judiciais, um vídeo considerado ofensivo a Alcides Bernal (PP), candidato a prefeito em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, continuava a ser acessado impunemente no YouTube, o site de compartilhamento de vídeos da gigante da internet. Os vídeos associavam o candidato à prática de aborto e à agressão doméstica.

A direção do Google tem condições de, num átimo, retirar do ar as manifestações de ódio ou ofensa, diz ex-presidente do TSE
“Não posso permitir que gente mal intencionada, agindo criminosamente, use o Google e o YouTube para fazer campanhas difamatórias contra pessoas que estão trabalhando”, afirmou Alcides Bernal, que nega as acusações do vídeo.
A ordem de prisão foi dada na semana passada pelo juiz eleitoral Flávio Saad Peron, mas o Google recorreu. A decisão, no entanto, foi mantida e transformou a prisão de Coelho, na quarta-feira 26, na principal notícia do dia. O diretor foi ouvido durante a tarde na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo e liberado pouco depois.
Em tempos de acirramento de disputas eleitorais, o episódio suscitou a discussão: a lei eleitoral não está pronta para arbitrar sobre a internet ou a internet não está adaptada à lei eleitoral?
O Google argumenta: “somos uma plataforma e, portanto, não somos responsáveis pelo que se publica em nosso site”.
Seria, portanto, como condenar uma banca de jornais por entregar reportagens com conteúdo ofensivo? Não exatamente.
Sobre esta discussão, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Velloso, um dos idealizadores do voto eletrônico no Brasil, afirma que o veículo responsável por publicar uma suposta ofensa é também passível de uma eventual contestação judicial. Velloso explica que a lei eleitoral tem como atribuição zelar pelo princípio da igualdade na disputa. Logo, se a Justiça entendeu haver um atropelo a esse princípio, determinou medidas e elas não foram atendidas, a plataforma passa também a ser responsável pela ofensa em razão da omissão. “O código eleitoral prevê o crime de desobediência aos que descumprem a determinação. Não acho que o juiz eleitoral cometeu erro nem excesso”, diz.
E complementa: “Especialistas na área de informática dizem que é possível haver controle, sim. A direção do Google tem condições de, num átimo, retirar do ar as manifestações de ódio ou ofensa”. Velloso lembra que “a constituição brasileira consagra a liberdade de expressão na sua forma mais abrangente”. “Agora, essa mesma constituição determina que seja respeitada a imagem das pessoas. O excesso, quando há calúnia e injúria, é também punido. Esta é a realidade legal brasileira a que a empresa virtual há de se adaptar. Não há liberdade em absoluto em nenhum ponto.”
Velloso faz, no entanto, uma observação: o crime estabelecido é de baixo potencial ofensivo à sociedade. Logo, não faria sentido se o diretor brasileiro do Google permanecesse preso – de fato, ele foi liberado no mesmo dia.
Hoje, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, o Google está envolvido em ao menos 138 ações desde o início da campanha. A maioria cobra a retirada de vídeos do YouTube. Desde então houve 42 decisões contrárias à empresa, com fixação de multas em caso de descumprimento das determinações.
Recentemente um juiz de Alagoas mandou remover do YouTube um vídeo que chamava Ronaldo Lessa (PDT) de “ficha suja”. Outras ações começam a pipocar Brasil afora, movidas por candidaturas dizendo-se ofendidas pelas mensagens veiculadas na rede.
Fora da Justiça Eleitoral, o site de compartillhamento de vídeos se tornou o epicentro dos debates em torno da exibição do filme anti-islã A Inocência dos Muçulmanos, que provocou a revolta de religiosos no mundo árabe. O Google foi obrigado a retirar o vídeo em vários países, inclusive no Brasil, em razão do conteúdo ofensivo do filme. Sobre este episódio, atendendo em parte a um pedido da União Nacional das Entidades Islâmicas, o juiz Gilson Delgado Miranda, da 25ª Vara Cível de São Paulo, lembrou que o provedor de hospedagem não é responsável pela fiscalização do conteúdo postado, mas, “ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica”.
E concluiu: “ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários”.
Este, ao que tudo indica, é o novo cerne da questão (e não apenas se o controle representa ou não uma censura). Nos Estados Unidos, onde o vídeo anti-islã segue liberado em nome da liberdade da expressão, a discussão agora é outra: por que o mesmo servidor que se nega, mesmo sob determinação judicial, a “entregar” o agressor (protegido, muitas vezes, pelo anonimato) pode decidir quando e como excluir usuários a violar os termos e condições de seus serviços?
A explicação, com base na recente expulsão sumária do Wikileaks promovida por outro gigante da internet, a Amazon, é simples, conforme artigo assinado por Jonh Naughton, do Observer: as empresas “podem parecer espaços públicos, mas quando se vai ao cerne elas não oferecem mais liberdade de expressão que um shopping center comum”.



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