O banho - quadro de Rembrandt
O grito, a "marcha" e a mídia seletiva
Por Altamiro BorgesNo livro obrigatório “Os padrões de manipulação na grande imprensa”, o jornalista Perseu Abramo ensina que a mídia oculta ou realça determinados assuntos de acordo com os seus interesses econômicos e políticos. A mentira descarada não convence. Daí o uso de técnicas refinadas e sutis para manipular a sociedade. Para o mestre do jornalismo, não existe neutralidade da mídia.
Nas manifestações ocorridas ontem (7) em vários cantos do país isto fica patente. As emissoras de rádio e TV, os jornalões e os sítios dos impérios midiáticos deram grande destaque às chamadas “marchas contra a corrupção”. Muitos dos que participaram destes atos até podiam ter boas intenções. Já o realce da mídia demotucana não foi ingênuo. Visou desgastar o atual governo.
A técnica da ocultação
Prova inconteste desta manipulação é que a mesma mídia que deu capa ou longos comentários nas telinhas às “marchas contra a corrupção”, mesmo as mais chinfrins, nada ou pouco falou sobre os atos de protesto do 17º Grito dos Excluídos, organizado pelas pastorais sociais da Igreja e os movimentos populares. Neste caso, por motivos óbvios, a mídia adotou a técnica da ocultação.
Segundo balanço parcial dos organizadores, o Grito dos Excluídos reuniu quase 80 mil pessoas em 25 estados da federação. Com o lema “Pela vida, grita a terra”, os manifestantes exigiram reforma agrária e urbana, mudanças na política econômica, defesa do meio ambiente, entre outras reivindicações. Eles criticaram a concentração de terra, renda e riqueza no Brasil.
A voz dos despossuídos
O maior protesto do Grito dos Excluídos ocorreu em Aparecida do Norte, interior paulista, com cerca de 50 mil pessoas. Em Belo Horizonte, ele reuniu 1,2 mil participantes; em Manaus, mais de 5 mil. Segundo Luis Bassegio, da coordenação do movimento, “o Grito se tornou um espaço de manifestação do povo que não tinha onde levantar a sua voz contra a injustiças sociais”.
A cada ano, o Grito de Excluídos se consolida como um momento importante de mobilização, conscientização e organização dos despossuídos. Hoje, inclusive, ele já tem dimensão continental, com protestos em vários países da América Latina. Apesar da sua relevância, a mídia hegemônica adota a técnica da ocultação. Perseu Abramo denunciou há tempos esse padrão de manipulação:
“Recriando a realidade à sua maneira e de acordo com seus interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal, e sobre ele exercem todo o seu poder. O Jornal Nacional faz plim-plim e milhões de brasileiros salivam no ato. A Folha de S.Paulo, o Estado de S.Paulo, o Jornal do Brasil, a Veja dizem alguma coisa e centenas de milhares de brasileiros abanam o rabo em sinal de assentimento e obediência”.
Fonte: http://www.altamiroborges.blogspot.com/
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A ESTRATÉGIA DO MEDO
Venício Lima (*)
Os 10 anos dos atentados terroristas de 11 de setembro, nos Estados Unidos, constituem mais uma oportunidade para se refletir em torno do recurso à violência na ação política e sobre a centralidade da mídia no conturbado mundo contemporâneo.
Uma vasta literatura sobre terrorismo floresceu nos últimos anos. Não se trata, evidentemente, de fazer um balanço dela. O que interessa, em particular, é recuperar as lições já aprendidas sobre o terrorismo como forma de comunicação. E essa característica vale para os diferentes tipos de terrorismo, inclusive aquele ao qual, eventualmente, grupos de mídia se aliam de forma explícita ou não.
“Sem comunicação não haveria terrorismo”
Atribui-se a Marshall McLuhan a afirmação acima. De fato, existe consenso de que a divulgação, através da grande mídia, dos atos de terror constitui uma condição básica para sua própria existência. A violência terrorista tem como um de seus principais objetivos a transmissão de uma mensagem. Trata-se, portanto, de uma violência instrumental na medida em que seus executores pretendem que ela seja construtora de significações. A principal delas: o medo generalizado.
Ao disseminar o medo, o terror – na maioria das vezes – tenta identificar o conjunto da população como inimiga e, dessa forma, passa a “legitimar” qualquer tipo de ação violenta indiscriminada. De forma circular, quanto mais severas as medidas de repressão ao terrorismo adotadas pelo Estado, mais se tende a desrespeitar garantias de direitos e liberdades fundamentais e, muitas vezes, mais se legitima a própria ação terrorista.
Mas não é só o medo que o terror comunica. Os atos de terror servem como forma de manutenção da coesão interna, da moral e das motivações dos próprios grupos terroristas. Dirigem-se, dessa forma, também ao “público interno” além de facilitar o trabalho de recrutamento de novos membros.
Por tudo isso, atos de terror se transformaram em ações grandiosas e espetaculares que atraem a cobertura da grande mídia. Há autores, inclusive, que falam na existência de uma simbiose: se o terror precisa da mídia para divulgar sua mensagem de violência e medo, os terroristas proporcionam o espetáculo do qual a mídia comercial se alimenta.
Estratégia do medo
A estratégia do medo, por óbvio, não é um recurso exclusivo da violência terrorista. Ele tem sido utilizado também em nome do jornalismo.
No intrigante artigo sobre o escândalo do tablóide “News of the World” - “O medo que não ousava dizer o nome” – o professor Timothy Garton Ash afirmou:
“a débâcle de Murdoch revela uma doença que vem obstruindo lentamente o coração do Estado britânico nos últimos 30 anos. (...) A causa fundamental dessa doença britânica tem sido o poder exacerbado, implacável e fora de controle da mídia; seu principal sintoma é o medo. (...)
Se a medida final de poder relativo é “quem tem mais medo de quem”, então seria o caso de dizer que Murdoch foi – no sentido estrito, básico – mais poderoso que os últimos três premiês da Grã-Bretanha. Eles tinham mais medo dele do que ele deles” (cf. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/inews-of-the-worldi-o-poder-do-medo)
Na Terra de Santa Cruz a constatação da existência de situações semelhantes em diferentes momentos da nossa história recente não chegaria a constituir surpresa.
Conseqüências e lições
A simbiose mencionada entre mídia e terror parece ter se manifestado de forma clara quando, após o 11 de setembro de 2001, os EUA dividiram o mundo entre o “bem” e o “mal” e iniciaram “missões do bem”. A violência da invasão militar de países considerados do “mal” passa, de certa forma, a “legitimar-se” por essa dicotomia mistificadora.
Ademais, a ação de violência do Estado pode, então, tornar-se, ela própria, uma prática terrorista. O Ato Patriótico do governo Bush institucionalizou uma forma de terrorismo admitindo, por exemplo, a tortura e a prisão sem julgamento, além de definir randomicamente alvos simbólicos.
Nesse contexto, aparece a figura do “embedded journalist”. Os jornalistas da grande mídia que quisessem cobrir a ação das tropas americanas na invasão do Iraque em 2003 seriam “incorporados” (embutidos) aos próprios batalhões de combate.
O “embedded journalist”, por óbvio, abdica de qualquer autonomia. Sujeita-se às contingências da própria operação militar e a cobertura “jornalística” passa a ser conduzida de “dentro” pelo comando da tropa. Aqui a mídia se incorpora à própria ação de violência do Estado e, de certa forma, com ela se confunde.
É indispensável que a grande mídia se dê conta de seu delicado papel nas sociedades contemporâneas e abrace de forma inequívoca o compromisso com a não violência e – por extensão – recuse qualquer prática que se valha da estratégia do medo.
Em relação à conduta frente a atos de violência terrorista – seja qual for a sua origem – o fundamental é praticar a não-violência ativa, pautada por princípios civilizatórios. Não há outra forma de evitar a cumplicidade.
Uma vasta literatura sobre terrorismo floresceu nos últimos anos. Não se trata, evidentemente, de fazer um balanço dela. O que interessa, em particular, é recuperar as lições já aprendidas sobre o terrorismo como forma de comunicação. E essa característica vale para os diferentes tipos de terrorismo, inclusive aquele ao qual, eventualmente, grupos de mídia se aliam de forma explícita ou não.
“Sem comunicação não haveria terrorismo”
Atribui-se a Marshall McLuhan a afirmação acima. De fato, existe consenso de que a divulgação, através da grande mídia, dos atos de terror constitui uma condição básica para sua própria existência. A violência terrorista tem como um de seus principais objetivos a transmissão de uma mensagem. Trata-se, portanto, de uma violência instrumental na medida em que seus executores pretendem que ela seja construtora de significações. A principal delas: o medo generalizado.
Ao disseminar o medo, o terror – na maioria das vezes – tenta identificar o conjunto da população como inimiga e, dessa forma, passa a “legitimar” qualquer tipo de ação violenta indiscriminada. De forma circular, quanto mais severas as medidas de repressão ao terrorismo adotadas pelo Estado, mais se tende a desrespeitar garantias de direitos e liberdades fundamentais e, muitas vezes, mais se legitima a própria ação terrorista.
Mas não é só o medo que o terror comunica. Os atos de terror servem como forma de manutenção da coesão interna, da moral e das motivações dos próprios grupos terroristas. Dirigem-se, dessa forma, também ao “público interno” além de facilitar o trabalho de recrutamento de novos membros.
Por tudo isso, atos de terror se transformaram em ações grandiosas e espetaculares que atraem a cobertura da grande mídia. Há autores, inclusive, que falam na existência de uma simbiose: se o terror precisa da mídia para divulgar sua mensagem de violência e medo, os terroristas proporcionam o espetáculo do qual a mídia comercial se alimenta.
Estratégia do medo
A estratégia do medo, por óbvio, não é um recurso exclusivo da violência terrorista. Ele tem sido utilizado também em nome do jornalismo.
No intrigante artigo sobre o escândalo do tablóide “News of the World” - “O medo que não ousava dizer o nome” – o professor Timothy Garton Ash afirmou:
“a débâcle de Murdoch revela uma doença que vem obstruindo lentamente o coração do Estado britânico nos últimos 30 anos. (...) A causa fundamental dessa doença britânica tem sido o poder exacerbado, implacável e fora de controle da mídia; seu principal sintoma é o medo. (...)
Se a medida final de poder relativo é “quem tem mais medo de quem”, então seria o caso de dizer que Murdoch foi – no sentido estrito, básico – mais poderoso que os últimos três premiês da Grã-Bretanha. Eles tinham mais medo dele do que ele deles” (cf. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/inews-of-the-worldi-o-poder-do-medo)
Na Terra de Santa Cruz a constatação da existência de situações semelhantes em diferentes momentos da nossa história recente não chegaria a constituir surpresa.
Conseqüências e lições
A simbiose mencionada entre mídia e terror parece ter se manifestado de forma clara quando, após o 11 de setembro de 2001, os EUA dividiram o mundo entre o “bem” e o “mal” e iniciaram “missões do bem”. A violência da invasão militar de países considerados do “mal” passa, de certa forma, a “legitimar-se” por essa dicotomia mistificadora.
Ademais, a ação de violência do Estado pode, então, tornar-se, ela própria, uma prática terrorista. O Ato Patriótico do governo Bush institucionalizou uma forma de terrorismo admitindo, por exemplo, a tortura e a prisão sem julgamento, além de definir randomicamente alvos simbólicos.
Nesse contexto, aparece a figura do “embedded journalist”. Os jornalistas da grande mídia que quisessem cobrir a ação das tropas americanas na invasão do Iraque em 2003 seriam “incorporados” (embutidos) aos próprios batalhões de combate.
O “embedded journalist”, por óbvio, abdica de qualquer autonomia. Sujeita-se às contingências da própria operação militar e a cobertura “jornalística” passa a ser conduzida de “dentro” pelo comando da tropa. Aqui a mídia se incorpora à própria ação de violência do Estado e, de certa forma, com ela se confunde.
É indispensável que a grande mídia se dê conta de seu delicado papel nas sociedades contemporâneas e abrace de forma inequívoca o compromisso com a não violência e – por extensão – recuse qualquer prática que se valha da estratégia do medo.
Em relação à conduta frente a atos de violência terrorista – seja qual for a sua origem – o fundamental é praticar a não-violência ativa, pautada por princípios civilizatórios. Não há outra forma de evitar a cumplicidade.
(*)Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
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O TRIBUNAL MIDIÁTICO DE Veja
Washington Araújo
(*) Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa
Espanto, perplexidade, surpresa. Alguém em sã consciência poderia dizer que teve uma destas reações ao deparar com a capa da revista Veja (nº 2232, de 31/8/2011)? Só se for a de um brasileiro residindo em Berlim ou em Nairobi. Veja pode ser acusada de práticas jornalísticas pouco usuais, politicamente destemperada, editorialmente desequilibrada, mas não pode ser acusada de incoerência. No caso atual, a eterna “bola da vez” é o combativo militante petista – e sempre combatido pela revista – José Dirceu. E quem apostar que está difícil nesses tempos de turbulência na economia internacional “emplacar” um escândalo com fortes cores nacionais apostará corretamente, pois nesses casos a revista da Abril lança mão de seu tema-de-escândalo-habitual: Zé Dirceu.
Uma rápida busca nos arquivos digitalizados da própria revista mostra nada menos que 49.587 resultados quando preenchemos o campo de pesquisa as palavras “José Dirceu”. E se formos pesquisar por edição, teremos que bisbilhotar – algo que a revista faz com maestria – nada menos do que em 91. Este é o número de vezes em que, no período 2002-2011, José Dirceu irá figurar na capa da revista, seja na manchete ou em chamadas secundárias.
Em uma breve retrospectiva vemos o vírus insidioso da intriga em seu nascedouro, como a farejar a proximidade inevitável do poder. E assim nasce a primeira chamada lateral de capa (25/9/2002): “José Dirceu: O homem que faz a cabeça de Lula”. E perfil mostra o guerrilheiro que treina em Cuba, participa ativamente da luta contra a ditadura brasileira e, foragido, se submete a uma cirurgia plástica no rosto. A segunda “aparição”, ocorre na edição de 6/11/2002, quando Dirceu divide a capa-palco com dois outros ministros do primeiro governo Lula – Antonio Palocci e Luiz Gushiken. Os três vestidos a caráter para ilustrar a chamada que guarda certa nostalgia dos tempos do Brasil Império. Diz a manchete: “A cúpula da nova corte – Os três mosqueteiros com quem é preciso falar para ser ouvido no governo Lula”. O texto tem um único objetivo: mostrar quem tem poder real no novo governo e classificar as demais autoridades como meros figurantes, resultado de acertos de promessas a partidos políticos ao longo da campanha presidencial.
Escolhidos a dedo
Chega o ano de 2004 e Veja mostra a que veio, elegendo José Dirceu como representante-mor do “mal” que se apossa do corpo do Brasil, quase como uma entidade sobrenatural, não obstante a chamada lateral de sua capa de 3/3/2004 parecesse vender a imagem de um ex-ministro-todo-poderoso em franca desgraça: “José Dirceu: O ministro continua encolhendo”.
Para chegar à tese do encolhimento do detentor de poder político, a revista vinha desde 2003 lançando farpas e lanças, como para dividir de forma irremediável aqueles mesmos três que antes saudara como sucedâneos de Athos, Portus e Aramis. É o período em que escapa da artilharia pesada apenas o D’Artagnan redivivo em Luiz Inácio Lula da Silva. E escapa porque consegue se manter em crescente popularidade junto aos milhões de súditos, para usar a metáfora acolhida pela revista. Logo na semana seguinte a edição de Veja (10/3/2004) traz seu rosto tomando toda a capa e os dizeres simulando desabafo do retratado: “Dirceu: Não vou sair do governo”.
São muitas matérias, geralmente citando fontes em off, frases recolhidas fora do contexto em que foram ditas e reajuntadas a contextos mais atuais, mas tendo um único objetivo: manter com Dirceu a aura de malévolo, gângster, traficante de influência nato e outros epítetos nada lisonjeiros a alguém que tem claro protagonismo político e partidário, além de sagaz operador do governo que ajudou a eleger ao criar estratégias vitoriosas e reconhecidas mesmo por seus mais acerbos adversários. Esta abordagem que cada vez mais se enraíza no modo-Veja-de-fazer-jornalismo deságua em outra capa com o rosto do ex-ministro e a manchete premonitória e sombria (3/8/2005): “O Risco Dirceu”.
De 2005 a 2007, José Dirceu estará sempre relacionado com o que a grande imprensa optou por chamar de “Mensalão do PT”. Matérias e quase-reportagens no período esposarão teses fatalistas tendo como ponto de convergência o impeachment do presidente Lula, a desmoralização completa dos partidos de esquerda, em particular do Partido dos Trabalhadores. As “páginas amarelas”, aqueles que abrem as edições de Veja com “grandes entrevistas”, serão literalmente amareladas com entrevistados que desenvolvam qualquer tese, por mais estúpida que seja, para desmerecer ou se contrapor frontalmente a quaisquer das políticas públicas mais vistosas do governo Lula: o Bolsa Família, a transposição de águas do Rio São Francisco, o ProUni, a política de ações afirmativas (cotas para negros, índios nas universidades). Entrevistados mostrarão por a+b que o Bolsa Família é na realidade uma Bolsa-Esmola, que o programa tem apenas apelo eleitoral, é insustentável e só tem porta de entrada.
Lembram dessas histórias? Entrevistados escolhidos a dedo para prestar sua devoção incondicional aos cânones do neoliberalismo, ao papel mínimo do Estado, ao sacrossanto direito a extensões de terras para corar de inveja os faraós do antigo Egito. O acesso de afrodescendentes às universidades através de cotas receberá a cada semana um novo petardo onde tais luminares encontrarão apenas mazelas sociais no Brasil e nunca mazelas raciais.
Imprensa criminosa
Na edição de 19/9/2007 a chamada lateral na capa é um primor de síntese da atividade judiciária: “Caso MSI/Corinthians: A Polícia Federal descobre as pegadas de José Dirceu”. A criminalização de José Dirceu parece fazer parte do manual de redação da revista. É quando Veja levanta suspeitas, investiga, acusa, julga, condena, acompanha o cumprimento da pena e veta qualquer direito ao contraditório. O Tribunal Midiático parece ter mais poder destruidor que Tribunal regular, instância judiciária em uma sociedade democrática.
O Tribunal Midiático recebe o apoio não falado, não escrito, não reverberado, não consignado de seus pares, igualmente juízes e donos do mesmo poder de noticiar, informar, afirmar, acusar, julgar, condenar. Para integrar tal Corte basta ter jornal impresso com alta tiragem e ampla circulação diária, ter concessão pública de exploração de canal de tevê aberta e emissora de rádio com cobertura nacional em AM e FM, além de vistosos portais na internet e a propriedade de alguns canais de tevê a cabo.
Como um contrato de gaveta, sem legitimidade ou valor legal perante o Poder Público, os que integram o Tribunal Midiático agem à la James Bond, aquele velho personagem vivido por Sean Connery, cujo poder estava inscrito em sua identidade: “Licença para matar”. A verdade é que a maior concessão que um capo da mídia pode fazer em relação a um desafeto é lhe conceder, eventualmente, espaço para escrever algo, colocar de pé uma ideia. Mas nunca para se contrapor de maneira frontal e explícita contra o veículo de comunicação que assaque contra sua honra, invada sua privacidade, utilize de banditismo para fazer circular a “sua” verdade sobre um determinado assunto. Qualquer assunto.
Chega agosto, mês de desgosto para alguns, mês de tragédias nacionais na política brasileira (Getúlio Vargas, Jânio Quadros etc). E a revista Veja parece continuar impressionada com a saga de Mario Puzo, com o seu Don Corleone, de O Poderoso Chefão. A capa da edição de 31/8/2011 traz o rosto de José Dirceu, óculos escuros, meio-sorriso mafioso, bem versão Marlon Brando, vestindo o personagem de Puzo. O texto de capa é, muito provavelmente, o mais destoante entre uma chamada de capa e sua matéria interna: “O Poderoso Chefão / O ex-ministro José Dirceu mantém um ‘gabinete’ num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma”.
O que merecia mesmo uma ampla reportagem é a metodologia adotada pela revista para cumprir sua pauta. Repórter se passando por companheiro de quarto de hotel de José Dirceu. Repórter tentando conseguir a chave do apartamento de José Dirceu com a camareira. Imagens citadas/retratadas na revista como se houvessem sido cedidas pela segurança do hotel – aliás, e isso parece inacreditável, o mesmo hotel que lavrou boletim de ocorrência em delegacia de polícia dando conta de hóspede suspeito querendo invadir um quarto. Etc., etc., etc. Os crimes lançados na “reportagem” infelizmente, para a revista, não são tipificados no Código Penal brasileiro: receber visitas em seu quarto de hotel, visitas que tanto podem ser de entregadores de pizza ou comida chinesa, como de parlamentares ou mesmo ministros de Estado.
Não discorro mais sobre o assunto porque Ricardo Kotscho já disse tudo sobre esta última parte (ver “Repórter não é polícia; imprensa não é justiça”). A pulga que tenho na orelha é saber se, por algum acaso, repórteres de Veja estagiaram recentemente no jornal News of the World do realmente mafioso midiático Rupert Murdoch. Caso tenham estagiado, pelo jeito não aprenderam bem as lições que somente uma imprensa criminosa poderia ensinar.
Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
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Equívocos bilaterais
Só os inconsequentes de esquerda, incluídos também nesse rol os espíritos aflitos equivocados, defendem a censura à imprensa. Analogamente, os inconsequentes de direita e, igualmente, os espíritos aflitos desse lado tentam interditar o debate sobre o marco regulatório, tão necessário e já tão tardio.
Essa me parece ser uma epígrafe inevitável, por circunstâncias históricas do País, quando se trata de debater a imprensa tendo em vista a proposta de regulação do setor de volta à pauta, empurrado pela resolução aprovada no IV Congresso do Partido dos Trabalhadores.
O tema ganhou força no PT a partir da reportagem de Veja sobre o ex-deputado José Dirceu, importante e influente líder do partido. Em certas passagens a revista atropela a ética criminosamente. O problema conta, agora, com o silêncio constrangedor da mídia.
A proposta do PT de criação de um marco regulatório é inspirada pela emoção, mas também pela razão, embora, às vezes, se guiem pelo desconhecimento da profissão e da natureza especial das empresas jornalísticas. Como não decifram melhor o tema são, às vezes, devoradas por ele. É possível retirar exemplos da moção aprovada no Congresso do PT, em que se resgata o mito da objetividade e da isenção na informação.
Este colunista tem, nos arquivos, os títulos dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, de 13 de janeiro de 2008, sobre a reabertura do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Ei-los:
O Globo: “Masp reabre com mais polícia do que público”.
Folha: “Na reabertura do Masp, sobra público e falta segurança”.
Dois repórteres e um fato. É o bastante. A objetividade foi para a cucuia. Equívocos sobre jornalismo prosperam como capim-gordura.
O debate que se abre agora traz à memória uma confusão incluída na soterrada intenção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), de criação de um Conselho Federal de Jornalismo. Atacada em geral pelos méritos, tinha vícios como o do artigo 1º, que tentava definir o que lhe parecia ser a atividade profissional: “De natureza social e finalidade pública”. Ou seja, a propagação do sacerdócio amador na iniciativa privada. Um tiro no profissionalismo a favor do princípio de que a imprensa é isenta, objetiva e imparcial tão ao gosto dos barões do setor.
Em palestra na Univerdade Federal do Rio de Janeiro, em 2009, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos identificou um dos dilemas que perturbam o jornalismo no País e oscila entre o dever profissional de difundir notícias e análises e o papel político que exerce, “na medida em que forma opinião, agenda demandas e, eventualmente, beneficia ou cria obstáculos para governos”.
“A imprensa brasileira não tolera a ideia de governos independentes, autônomos em relação às suas campanhas. Isso implica um caminho de duas mãos. Significa que ela terá de sobreviver sem os governos. Então, é preciso que os governos precisem dela”, diz.
O núcleo da proposta do PT trata do que chama de “novo ambiente” do setor com o surgimento de novas mídias, a reestruturação das telecomunicações e da radiodifusão, além do choque “econômico e político” entre as telefônicas e as televisões.
Assim é possível entender melhor o porquê da propagação de que há no País ameaça à liberdade de imprensa em razão do debate do marco regulatório que o Congresso, cedo ou tarde, vai discutir.
Essa me parece ser uma epígrafe inevitável, por circunstâncias históricas do País, quando se trata de debater a imprensa tendo em vista a proposta de regulação do setor de volta à pauta, empurrado pela resolução aprovada no IV Congresso do Partido dos Trabalhadores.
O tema ganhou força no PT a partir da reportagem de Veja sobre o ex-deputado José Dirceu, importante e influente líder do partido. Em certas passagens a revista atropela a ética criminosamente. O problema conta, agora, com o silêncio constrangedor da mídia.
A proposta do PT de criação de um marco regulatório é inspirada pela emoção, mas também pela razão, embora, às vezes, se guiem pelo desconhecimento da profissão e da natureza especial das empresas jornalísticas. Como não decifram melhor o tema são, às vezes, devoradas por ele. É possível retirar exemplos da moção aprovada no Congresso do PT, em que se resgata o mito da objetividade e da isenção na informação.
Este colunista tem, nos arquivos, os títulos dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, de 13 de janeiro de 2008, sobre a reabertura do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Ei-los:
O Globo: “Masp reabre com mais polícia do que público”.
Folha: “Na reabertura do Masp, sobra público e falta segurança”.
Dois repórteres e um fato. É o bastante. A objetividade foi para a cucuia. Equívocos sobre jornalismo prosperam como capim-gordura.
O debate que se abre agora traz à memória uma confusão incluída na soterrada intenção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), de criação de um Conselho Federal de Jornalismo. Atacada em geral pelos méritos, tinha vícios como o do artigo 1º, que tentava definir o que lhe parecia ser a atividade profissional: “De natureza social e finalidade pública”. Ou seja, a propagação do sacerdócio amador na iniciativa privada. Um tiro no profissionalismo a favor do princípio de que a imprensa é isenta, objetiva e imparcial tão ao gosto dos barões do setor.
Em palestra na Univerdade Federal do Rio de Janeiro, em 2009, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos identificou um dos dilemas que perturbam o jornalismo no País e oscila entre o dever profissional de difundir notícias e análises e o papel político que exerce, “na medida em que forma opinião, agenda demandas e, eventualmente, beneficia ou cria obstáculos para governos”.
“A imprensa brasileira não tolera a ideia de governos independentes, autônomos em relação às suas campanhas. Isso implica um caminho de duas mãos. Significa que ela terá de sobreviver sem os governos. Então, é preciso que os governos precisem dela”, diz.
O núcleo da proposta do PT trata do que chama de “novo ambiente” do setor com o surgimento de novas mídias, a reestruturação das telecomunicações e da radiodifusão, além do choque “econômico e político” entre as telefônicas e as televisões.
Assim é possível entender melhor o porquê da propagação de que há no País ameaça à liberdade de imprensa em razão do debate do marco regulatório que o Congresso, cedo ou tarde, vai discutir.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/
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