02 setembro 2011

JUSTIÇA

A juíza Patrícia e seus algozes




Enquanto a televisão mostra o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Manoel Alberto Rebelo dos Santos, eleito em novembro de 2010, chegar ao palácio da Corte “blindado” por um corpo de guardas à Barack Obama, prosseguem as investigações voltadas a identificar os autores, mandantes e partícipes do covarde assassinato da juíza Patrícia Acioli, que servia na 4ª Vara Criminal da violenta comarca de São Gonçalo, em 11 de agosto.

Até agora, as descobertas revelam os descasos, as incompetências, os escapismos e a falta de mecanismos de fiscalização das corporações policiais e das estratégias adequadas para contrastar o crime organizado. Por partes. As lesões letais em Patrícia foram provocadas por 21 disparos e vários projéteis penetrantes pertenciam à Polícia Militar, como revelaram o responsável pela fábrica privada de venda de munições ao governo do Rio e o comandante da Polícia Militar. Uma das duas armas empregadas pode pertencer à própria PM em face do calibre.

Passada mais de uma semana do assassinato, a polícia resolveu, finalmente, fechar a “fortaleza” de Luís Anderson de Azeredo Coutinho, notório bicheiro e explorador de jogos eletrônicos de azar. O quartel-general do bicheiro fica a poucos passos da sede do Batalhão de São Gonçalo e do Distrito Policial da cidade. O bicheiro, foragido da Justiça, que não abria mão da direção direta dos negócios ilícitos, anunciou a um interlocutor, conforme gravação telefônica legal, a aproximação de uma tragédia na cidade e a vítima seria a pessoa “que bate o martelo e vai chorar lágrimas de sangue”, em uma clara referência à juíza Patrícia, que havia decretado a sua prisão.

Depois da morte da juíza na entrada da garagem de sua casa, em Niterói, o presidente do Tribunal mandou instalar detectores de metais no fórum da comarca de São Gonçalo. Essa foi a tardia e pífia resposta à criminalidade organizada. Pior, a cúpula do Judiciário continua a se isentar com base no discurso de não ter a juíza pedido escolta, como se não estivesse no poder/dever da autoridade que governa a instituição velar pela integridade física dos seus juízes, que são os órgãos do poder.

Tudo isso como se a cúpula administrativa judiciária não soubesse que Patrícia preparava processos para o Júri e sentenciava em autos com réus acusados de integrar a banda podre da Polícia Militar, de pertencer a grupos de extermínio, atuar nas máfias dos jogos eletrônicos de azar, agir em bandos dedicados à adulteração de combustíveis e participar de cartéis de exploradores de transporte público clandestino, entre outras.

Esse quadro se agrava com o acontecido no biênio, -iniciado em 2009, da presidência do desembargador Luiz Zveiter. Coube a Zveiter, que não é magistrado concursado e contou com a torcida da maçonaria para conquistar o cargo, indeferir dois pedidos de proteção protocolados por Patrícia. Zveiter, na magistratura, notabilizou-se por avançar a linha de impedimento ético-legal ao atuar-, simultaneamente, como desembargador e juiz de futebol no tribunal da CBF (entidade privada). A respeito era solar a proibição estabelecida pela Lei Orgânica da Magistratura.


A propósito, Zveiter insiste em declarar não ter indeferido dois pedidos de escolta formulados por Patrícia em 2009: “Todas as informações foram apuradas e verificou-se que nenhuma delas tinha fundamento. Não havia necessidade de conceder ou reforçar a sua segurança”. O termo indeferimento, para Zveiter, tem um significado particular, não previsto no dicionário De Morais, que foi o primeiro da língua portuguesa.

Dois fatos assaltam-me a memória. Num encontro com Giovanni Falcone, juiz dinamitado pela máfia siciliana – apesar de três carros blindados de transporte e da cobertura de seis policiais especializados em escolta a magistrados –, falamos, dentre tantas coisas, sobre a segurança de juízes antimáfia. Falcone contou-me dos estudos e da implantação da correta cor de luz intermitente na capota dos carros blindados de proteção às autoridades antimáfia. Disse-me que o vermelho era adequado apenas às ambulâncias e aos carros de bombeiros, para pronta identificação. Com a escolta era diferente e, para não ajudar como alvo, devia-se empregar uma luz difusa e intermitente de cor azul-celeste. Assim, não se prestaria a fixar o alvo.

No começo deste ano, em Palermo, um magistrado do “pool antimáfia” deu-me uma carona até o hotel. Ele explicou que teria de estar junto no veículo, pois havia um protocolo que não poderia ser rompido, ou seja, o carro blindado e a escolta só são usados com magistrado determinado dentro e sem poder ele dar ordens sobre como deveria ser feita a sua segurança.

Os exemplos mostraram a pantagruélica diferença e a incúria, no Brasil, com os magistrados que atuam na linha da frente. Patrícia, certamente, sabia disso. Só que o dever e a responsabilidade perante a sociedade falavam mais alto e ela assumia o risco, apesar dos Zveiter da vida.


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