A guerra contra diminuição de juros
Por Nivaldo Santana, em seu blog:
Financial Times, The Economist, The Wall Street Journal e todos os seus ventríloquos no Brasil desencadearam uma guerra contra o Banco Central. Tudo porque o COPOM decidiu diminuir 0,5% da taxa básica de juros (Selic), o suficiente para provocar um verdadeiro frenesi no "mercado financeiro".
Para esconder os reais motivos da grita - cada ponto percentual da taxa Selic equivale a algo em torno de R$ 19 bilhões - os críticos da última decisão do Copom alegam que o Banco Central não agiu com rigor técnico, cedeu às pressões políticas e jogou para as calendas a autonomia da instituição.
Rigor técnico para os especuladores é manter a taxa de juros no Brasil na estratosfera, o maior índice do mundo, e persistir na brutal transferência de recursos do trabalho e da produção para a oligarquia financeira. Para esses setores, o BC só pode exercitar sua "independência" para aumentar juros.
Há muito tempo formou-se uma opinião majoritária no Brasil de que o principal obstáculo para o desenvolvimento econômico e social é a atual política macroeconômica. Nos oito anos do governo Lula, com Meirelles à frente do BC, praticamente nada foi feito para mudar os rumos dessa política.
Com o governo Dilma, aos trancos e barrancos, ensaia-se uma superação dessa armadilha perversa, criar alternativas de controle inflacionário sem o recorrente remédio amargo de doses cavalares de juros e manutenção da política de câmbio flutuante.
A primeira e modesta ação mudancista foi a adoção das chamadas medidas macroprudenciais. Com ela, a meta da inflação pode ser alcançada em um prazo maior, atenuando a pressão para a elevação contínua dos juros. Agora o governo dá um passo além, busca criar condições estruturais para mexer na política monetária.
Nestas últimas semanas, Dilma e seus ministros falam, entre outras coisas, em conter a evolução dos gastos públicos em patamar abaixo do crescimento do PIB e em desatrelar os títulos da dívida pública da Selic. Com isso, afirmam, cria-se um ambiente favorável à queda da taxa de juros no país.
Há o temor, justificado, de que o anunciado aumento do superávit primário, economia adicional de recursos para se pagar juros, seja um ônus muito pesado como contrapartida ao rebaixamento dos juros. Isso, no entanto, não pode nublar o objetivo principal: rebaixar juros baixos e se prevenir contra a crise.
O bombardeio contra a "surpreendente" decisão do Copom dá o tom da complexidade da luta. Mostra os reais interesses do setor financeiro e a necessidade de uma ampla unidade dos trabalhadores, do setor produtivo e das forças desenvolvimentistas para construir uma política macroeconômica alternativa.
A mexida no tabuleiro, que precisa continuar, tem uma grande carga simbólica. Parece mostrar que Dilma começa a segurar as rédeas do comando do país e a imprimir marca própria em seu governo, a exemplo do que tem feito em outras áreas. Se for por aí, vale a pena apostar nesse novo rumo.
Financial Times, The Economist, The Wall Street Journal e todos os seus ventríloquos no Brasil desencadearam uma guerra contra o Banco Central. Tudo porque o COPOM decidiu diminuir 0,5% da taxa básica de juros (Selic), o suficiente para provocar um verdadeiro frenesi no "mercado financeiro".
Para esconder os reais motivos da grita - cada ponto percentual da taxa Selic equivale a algo em torno de R$ 19 bilhões - os críticos da última decisão do Copom alegam que o Banco Central não agiu com rigor técnico, cedeu às pressões políticas e jogou para as calendas a autonomia da instituição.
Rigor técnico para os especuladores é manter a taxa de juros no Brasil na estratosfera, o maior índice do mundo, e persistir na brutal transferência de recursos do trabalho e da produção para a oligarquia financeira. Para esses setores, o BC só pode exercitar sua "independência" para aumentar juros.
Há muito tempo formou-se uma opinião majoritária no Brasil de que o principal obstáculo para o desenvolvimento econômico e social é a atual política macroeconômica. Nos oito anos do governo Lula, com Meirelles à frente do BC, praticamente nada foi feito para mudar os rumos dessa política.
Com o governo Dilma, aos trancos e barrancos, ensaia-se uma superação dessa armadilha perversa, criar alternativas de controle inflacionário sem o recorrente remédio amargo de doses cavalares de juros e manutenção da política de câmbio flutuante.
A primeira e modesta ação mudancista foi a adoção das chamadas medidas macroprudenciais. Com ela, a meta da inflação pode ser alcançada em um prazo maior, atenuando a pressão para a elevação contínua dos juros. Agora o governo dá um passo além, busca criar condições estruturais para mexer na política monetária.
Nestas últimas semanas, Dilma e seus ministros falam, entre outras coisas, em conter a evolução dos gastos públicos em patamar abaixo do crescimento do PIB e em desatrelar os títulos da dívida pública da Selic. Com isso, afirmam, cria-se um ambiente favorável à queda da taxa de juros no país.
Há o temor, justificado, de que o anunciado aumento do superávit primário, economia adicional de recursos para se pagar juros, seja um ônus muito pesado como contrapartida ao rebaixamento dos juros. Isso, no entanto, não pode nublar o objetivo principal: rebaixar juros baixos e se prevenir contra a crise.
O bombardeio contra a "surpreendente" decisão do Copom dá o tom da complexidade da luta. Mostra os reais interesses do setor financeiro e a necessidade de uma ampla unidade dos trabalhadores, do setor produtivo e das forças desenvolvimentistas para construir uma política macroeconômica alternativa.
A mexida no tabuleiro, que precisa continuar, tem uma grande carga simbólica. Parece mostrar que Dilma começa a segurar as rédeas do comando do país e a imprimir marca própria em seu governo, a exemplo do que tem feito em outras áreas. Se for por aí, vale a pena apostar nesse novo rumo.
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A taxa de juros e o bode na sala (*)
Por Paulo Kliass
A reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) de 30 e 31 de agosto decidiu pela redução da taxa de juros oficial do governo, a SELIC. Assim, a remuneração mínima de ativos financeiros no Brasil passou de 12,5% para 12,0% ao ano. A reação divulgada pelos grandes órgãos de comunicação ao anúncio da nova taxa foi diversificada. Desde a crítica pesada e o chororô frustrado da crítica da ortodoxia financista ao ufanismo chapa-branquista de quem já estava com o grito de comemoração de gol entalado na garganta, antes mesmo da cobrança do pênalti. A análise mais equilibrada pode parecer difícil, mas tentaremos chegar lá, aos poucos.
Antes de mais nada, vamos recuperar um pouco de nossa memória - essa mesma que tende a ficar tão rarefeita e esquecida em nosso inconsciente social coletivo de Nação. Observar bem a realidade concreta, para então tirar as conclusões. Desde a posse da Presidenta Dilma, essa foi a sexta vez que a diretoria do Banco Central (BC) se reuniu sob a denominação de COPOM – são os mesmos 8 integrantes da Diretoria Colegiada do BC: o Presidente Tombini e os demais 7 diretores. Ao longo das 5 reuniões anteriores, a seqüência havia sido altista. Em janeiro, a SELIC foi elevada de 10,75% para 11,25%. Em março, mais um aumento de 0,5%. Em abril, ela passa de 11,75% para 12,0%. Em junho, o COPOM eleva em 0,25%. E, julho, ela sobe de 12,25% para 12,5%. Ufa! E durma-se com os juros tão altos assim!
A última vez que o COPOM havia decidido por uma redução da SELIC foi ainda sob a gestão de Lula na Presidência da República e Henrique Meirelles no BC. Lá se vão mais de 2 anos, quando em julho de 2009, a taxa foi reduzida de 9,25% para 8,75%. Naquele momento, a decisão fazia parte do menu mais amplo de medidas para atenuar os efeitos da crise internacional sobre nossa economia. Mas a bonança durou pouco, pois logo depois, em abril de 2010, a SELIC voltou a subir. A desculpa de sempre era a tal “exigência do mercado”...
A verdade é uma só: na semana passada, a equipe econômica não optou por nada de extraordinário. O Brasil apenas reduziu a taxa oficial de remuneração dos títulos do Tesouro Nacional de minúsculos 0,5% ao ano! Como diz o outro, um quase-nada. E tudo isso em um contexto internacional onde a maioria dos países do mundo mais desenvolvido desenvolve políticas monetárias de taxa de juros real negativa ou próxima de zero.
A preocupação em não alterar muito os ânimos dos representantes do mercado financeiro se expressa melhor por outras variáveis, por outras informações. É lógico que eles reclamam, estão na função deles. Afinal, prefeririam que a SELIC fosse mantida ou mesmo elevada. Mas o fato é que a Presidenta Dilma já havia anunciado na semana anterior que o governo tinha decidido aumentar a meta de superávit primário em 0,5% do PIB. Ou seja, assegurar que o governo fará o possível e o impossível para transferir ainda mais recursos orçamentários para fins de pagamento de juros da dívida pública. A conclusão é evidente: com uma mão abaixa a taxa SELIC. Mas com a outra, de forma nada sutil, o governo se dispõe a deslocar ainda mais recursos para o setor que menos contribui para o desenvolvimento, a produção e a geração de emprego e renda em nosso País. O parasitismo financeiro continua intocável, nadando tranqüilo no ganho fácil proporcionado pelos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.
O intervalo superior da meta de inflação para os próximos 12 meses continua sendo de 6,5%. Com a taxa de juros em vigor, a menor rentabilidade possível, aquela para iniciante de aprendiz de operador de mercado financeiro, oferecida pelo governo brasileiro é superior a 5%. Não existe país nenhum no mundo que ofereça tal ganho! Se imaginarmos ainda que os especialistas do mundo das finanças operam com expectativas de valorização da nossa moeda nacional “y otras cositas más”, aplicar recursos em nossas praias financeiras ainda é certeza de ganho insuperável. Título do tesouro norte-americano mal supera o 0% de rentabilidade. Títulos de países europeus não costumam ser maiores que 1% anual. Mas conosco é diferente! Nós garantimos o interesse do especulador financeiro internacional.
E para que não paire a menor dúvida a respeito das verdadeiras intenções do governo, lá está previsto na Lei Orçamentária da União: a rubrica “juros e encargos da dívida pública” apresenta a generosa dotação inicial de R$ 170 bilhões, equivalente a quase 1/3 do total das despesas correntes da União para 2011 [1]. Na verdade, o valor final será bem mais elevado, pois o estoque da dívida pública está em torno de R$ 1,8 trilhão. A um custo anual mínimo de 12% da SELIC, a despesa que o Brasil fará em 2011 com os juros de sua dívida se aproxima dos R$ 220 bilhões.
Pois bem, dito tudo isso, o que sobra de ânimo para falar a respeito da queda de 0,5% decidida pelo COPOM? Como se pode ver, muito pouco! É óbvio que dentre os cenários excludentes de: i) alta; ii) manutenção; ou iii) queda da SELIC, o último é que menos desgaste provoca na economia. Mas, considerando as circunstâncias mais gerais, o quadro está mais para o “bode saindo da sala” do que outra coisa. As decisões anteriores, durante anos, têm sido tão prejudiciais, que agora tentam nos vender essa reduçãozinha quase ridícula como uma decisão de peso e significativa.
A dinâmica de reuniões do COPOM obedece a um calendário pré-fixado de um encontro a cada 45 dias. Caso seja esse ritmo de redução da taxa de juros, seu impacto efetivo para provocar conseqüências positivas para a economia e a sociedade deverá durar muito tempo. Até lá, mais uma vez, como que para comprovar a triste sina dessa terra, teremos mais uma vez perdido o bonde da História, que insiste em nos chamar lá na plataforma da estação. E ainda há aqueles que tentam nos segurar, impedindo que rompamos o círculo vicioso dessa verdadeira dependência química em relação aos juros elevados.
Ora, Paulo – perguntarão alguns, com toda razão – mas então por qual motivo as instituições financeiras estão criticando a recente decisão do COPOM? Nesse caso, a resposta é simples. Os chamados “especialistas do mercado financeiro” estão atolando as colunas “dinheiro”, “economia”, “mercado” e que-tais com críticas à redução de 0,5% pois gostariam que o COPOM houvesse decidido na direção contrária. É claro! Afinal, esse é o ganha-pão mais seguro e menos dispendioso dos bancos. Além disso, há uma outra razão - essa sim - mais esperta e perigosa. Começam a circular matérias e editoriais criticando a suposta perda de independência do Banco Central com a decisão, pois teria havido uma pressão “política” da Presidenta sobre os sacrossantos conteúdos da “neutralidade técnica” dos integrantes do BC. Conclusão digna de nota dez no quesito malandragem: essa mudança levaria a maior grau de incerteza sobre a condução da política econômica nos meses a seguir, maior insegurança no interior do “todo poderoso deus mercado” e expectativas de elevação da SELIC no futuro próximo!
No entanto, não custa recordar que o Banco Central deve ser um dos agentes de execução da política monetária do governo. No regime presidencialista cabe a Dilma Roussef conduzir, com os instrumentos de contraponto do Congresso Nacional, a política econômica do País. Para o bem ou para o mal. Se ela e sua equipe considerarem que é necessário baixar os juros, não será um núcleo de tecnocratas sem legitimidade política que poderá decidir em sentido contrário. Essa balela de independência do BC vem rolando desde os últimos 4 mandados de FHC a Lula, travestido do discurso enganador a respeito de suposta tecnicalidade das decisões de política monetária. Ora, com um ex-presidente internacional de um dos maiores bancos do mundo por 8 longos anos à frente do nosso BC - como foi o caso de Henrique Meirelles – onde fica a neutralidade de suas decisões? Lula gostava de papagaiar essa ladainha durante o tempo em que ficou no Planalto. Definitivamente, não há espaço para neutralidade técnica! A questão é sempre de natureza política: seja pela omissão do chefe do executivo, seja pela decisão de assumir o comando dos rumos da economia. Afinal, omitir-se também é uma decisão política - inteligente, dirão alguns - pois joga nos ombros apenas dos responsáveis pela economia a responsabilidade por eventuais falhas, dificuldades ou fracassos das opções adotadas. E o ocupante da Presidência da República poderá sempre sair pela tangente, ileso do possível desgaste provocado.
Assim, é importante reconhecer que a decisão de Dilma muda uma tendência anterior. Mas, por enquanto, não muito mais do que isso. Há bastante espaço e urgência para avançar na redução da taxa SELIC. E as decisões dessa natureza têm que ser impactantes, caso contrário perder-se-ão nas contas das planilhas dos operadores das instituições financeiras. Quem se lembra de como foram saudadas as oportunidades em que o Ministro Mantega anunciou a disposição em tributar o recurso externo especulativo? Mas as taxas eram tão ridiculamente diminutas que nada mudou a disposição do capital especulativo de para cá se dirigir. A festança continua, às custas do sacrifício de toda a sociedade. O mesmo raciocínio se aplica a essa decisão de 0,5% na SELIC.
O governo precisa, de uma vez por todas, se desvencilhar das amarras que o prendem aos interesses do setor financeiro. E, para tanto, é necessária a coragem política para a mudança. A grande maioria da sociedade tem demonstrado, por mais de uma década, que não concorda com o arrocho monetário e muito menos com a transferência de recursos para uma atividade comprovadamente estéril. O Brasil deve reduzir, de forma urgente, o nível da SELIC para algo próximo 6% ao ano, de forma que a taxa real fique em torno de 1,5% ao ano.
Com isso, o fluxo do capital especulativo externo seria sensivelmente diminuído. Ótimo! Nossas contas externas seriam menos pressionadas e a taxa de câmbio encontraria um patamar mais realista, sem a atual artificialidade do real sobrevalorizado. E o quadro atual de crise externa é bem propício para tais mudanças. Poderemos voltar mais nossa preocupação para o fortalecimento do mercado interno, para cuidar da reversão da tendência perigosa de desindustrialização e, principalmente, termos mais recursos orçamentários para investir em saúde, educação e infra-estrutura, uma vez que as despesas com juros da dívida pública serão substancialmente reduzidos.
Nesse caso - aí, sim! - estaríamos tratando das causas estruturais das dificuldades da casa da nossa parábola inicial e não apenas sugerindo ao chefe da família que colocasse o bode para dentro da sala.
(*) Analogia com o dito popular segundo o qual o chefe de uma família se dirige ao líder espiritual da comunidade para reclamar das enormes dificuldades que os seus entes queridos estão passando. Crianças doentes, pouco dinheiro, casa pequena, todos dormindo empilhados na sala, etc. E o líder recomenda que ele coloque um bode dentro da sala. Assustado, tenta reclamar do absurdo, que aquilo só iria piorar a situação e coisa e tal, mas a recomendação se mantém. Uma semana depois, com a crise insustentável, volta ao chefe religioso, ainda mais desesperado. E este lhe diz: “Meu filho, agora tire o bode da sala. Tenho certeza de que todos vão sentir como a situação terá melhorado!”.
[1] Ver aqui na página da Comissão Mista do Orçamento
Antes de mais nada, vamos recuperar um pouco de nossa memória - essa mesma que tende a ficar tão rarefeita e esquecida em nosso inconsciente social coletivo de Nação. Observar bem a realidade concreta, para então tirar as conclusões. Desde a posse da Presidenta Dilma, essa foi a sexta vez que a diretoria do Banco Central (BC) se reuniu sob a denominação de COPOM – são os mesmos 8 integrantes da Diretoria Colegiada do BC: o Presidente Tombini e os demais 7 diretores. Ao longo das 5 reuniões anteriores, a seqüência havia sido altista. Em janeiro, a SELIC foi elevada de 10,75% para 11,25%. Em março, mais um aumento de 0,5%. Em abril, ela passa de 11,75% para 12,0%. Em junho, o COPOM eleva em 0,25%. E, julho, ela sobe de 12,25% para 12,5%. Ufa! E durma-se com os juros tão altos assim!
A última vez que o COPOM havia decidido por uma redução da SELIC foi ainda sob a gestão de Lula na Presidência da República e Henrique Meirelles no BC. Lá se vão mais de 2 anos, quando em julho de 2009, a taxa foi reduzida de 9,25% para 8,75%. Naquele momento, a decisão fazia parte do menu mais amplo de medidas para atenuar os efeitos da crise internacional sobre nossa economia. Mas a bonança durou pouco, pois logo depois, em abril de 2010, a SELIC voltou a subir. A desculpa de sempre era a tal “exigência do mercado”...
A verdade é uma só: na semana passada, a equipe econômica não optou por nada de extraordinário. O Brasil apenas reduziu a taxa oficial de remuneração dos títulos do Tesouro Nacional de minúsculos 0,5% ao ano! Como diz o outro, um quase-nada. E tudo isso em um contexto internacional onde a maioria dos países do mundo mais desenvolvido desenvolve políticas monetárias de taxa de juros real negativa ou próxima de zero.
A preocupação em não alterar muito os ânimos dos representantes do mercado financeiro se expressa melhor por outras variáveis, por outras informações. É lógico que eles reclamam, estão na função deles. Afinal, prefeririam que a SELIC fosse mantida ou mesmo elevada. Mas o fato é que a Presidenta Dilma já havia anunciado na semana anterior que o governo tinha decidido aumentar a meta de superávit primário em 0,5% do PIB. Ou seja, assegurar que o governo fará o possível e o impossível para transferir ainda mais recursos orçamentários para fins de pagamento de juros da dívida pública. A conclusão é evidente: com uma mão abaixa a taxa SELIC. Mas com a outra, de forma nada sutil, o governo se dispõe a deslocar ainda mais recursos para o setor que menos contribui para o desenvolvimento, a produção e a geração de emprego e renda em nosso País. O parasitismo financeiro continua intocável, nadando tranqüilo no ganho fácil proporcionado pelos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.
O intervalo superior da meta de inflação para os próximos 12 meses continua sendo de 6,5%. Com a taxa de juros em vigor, a menor rentabilidade possível, aquela para iniciante de aprendiz de operador de mercado financeiro, oferecida pelo governo brasileiro é superior a 5%. Não existe país nenhum no mundo que ofereça tal ganho! Se imaginarmos ainda que os especialistas do mundo das finanças operam com expectativas de valorização da nossa moeda nacional “y otras cositas más”, aplicar recursos em nossas praias financeiras ainda é certeza de ganho insuperável. Título do tesouro norte-americano mal supera o 0% de rentabilidade. Títulos de países europeus não costumam ser maiores que 1% anual. Mas conosco é diferente! Nós garantimos o interesse do especulador financeiro internacional.
E para que não paire a menor dúvida a respeito das verdadeiras intenções do governo, lá está previsto na Lei Orçamentária da União: a rubrica “juros e encargos da dívida pública” apresenta a generosa dotação inicial de R$ 170 bilhões, equivalente a quase 1/3 do total das despesas correntes da União para 2011 [1]. Na verdade, o valor final será bem mais elevado, pois o estoque da dívida pública está em torno de R$ 1,8 trilhão. A um custo anual mínimo de 12% da SELIC, a despesa que o Brasil fará em 2011 com os juros de sua dívida se aproxima dos R$ 220 bilhões.
Pois bem, dito tudo isso, o que sobra de ânimo para falar a respeito da queda de 0,5% decidida pelo COPOM? Como se pode ver, muito pouco! É óbvio que dentre os cenários excludentes de: i) alta; ii) manutenção; ou iii) queda da SELIC, o último é que menos desgaste provoca na economia. Mas, considerando as circunstâncias mais gerais, o quadro está mais para o “bode saindo da sala” do que outra coisa. As decisões anteriores, durante anos, têm sido tão prejudiciais, que agora tentam nos vender essa reduçãozinha quase ridícula como uma decisão de peso e significativa.
A dinâmica de reuniões do COPOM obedece a um calendário pré-fixado de um encontro a cada 45 dias. Caso seja esse ritmo de redução da taxa de juros, seu impacto efetivo para provocar conseqüências positivas para a economia e a sociedade deverá durar muito tempo. Até lá, mais uma vez, como que para comprovar a triste sina dessa terra, teremos mais uma vez perdido o bonde da História, que insiste em nos chamar lá na plataforma da estação. E ainda há aqueles que tentam nos segurar, impedindo que rompamos o círculo vicioso dessa verdadeira dependência química em relação aos juros elevados.
Ora, Paulo – perguntarão alguns, com toda razão – mas então por qual motivo as instituições financeiras estão criticando a recente decisão do COPOM? Nesse caso, a resposta é simples. Os chamados “especialistas do mercado financeiro” estão atolando as colunas “dinheiro”, “economia”, “mercado” e que-tais com críticas à redução de 0,5% pois gostariam que o COPOM houvesse decidido na direção contrária. É claro! Afinal, esse é o ganha-pão mais seguro e menos dispendioso dos bancos. Além disso, há uma outra razão - essa sim - mais esperta e perigosa. Começam a circular matérias e editoriais criticando a suposta perda de independência do Banco Central com a decisão, pois teria havido uma pressão “política” da Presidenta sobre os sacrossantos conteúdos da “neutralidade técnica” dos integrantes do BC. Conclusão digna de nota dez no quesito malandragem: essa mudança levaria a maior grau de incerteza sobre a condução da política econômica nos meses a seguir, maior insegurança no interior do “todo poderoso deus mercado” e expectativas de elevação da SELIC no futuro próximo!
No entanto, não custa recordar que o Banco Central deve ser um dos agentes de execução da política monetária do governo. No regime presidencialista cabe a Dilma Roussef conduzir, com os instrumentos de contraponto do Congresso Nacional, a política econômica do País. Para o bem ou para o mal. Se ela e sua equipe considerarem que é necessário baixar os juros, não será um núcleo de tecnocratas sem legitimidade política que poderá decidir em sentido contrário. Essa balela de independência do BC vem rolando desde os últimos 4 mandados de FHC a Lula, travestido do discurso enganador a respeito de suposta tecnicalidade das decisões de política monetária. Ora, com um ex-presidente internacional de um dos maiores bancos do mundo por 8 longos anos à frente do nosso BC - como foi o caso de Henrique Meirelles – onde fica a neutralidade de suas decisões? Lula gostava de papagaiar essa ladainha durante o tempo em que ficou no Planalto. Definitivamente, não há espaço para neutralidade técnica! A questão é sempre de natureza política: seja pela omissão do chefe do executivo, seja pela decisão de assumir o comando dos rumos da economia. Afinal, omitir-se também é uma decisão política - inteligente, dirão alguns - pois joga nos ombros apenas dos responsáveis pela economia a responsabilidade por eventuais falhas, dificuldades ou fracassos das opções adotadas. E o ocupante da Presidência da República poderá sempre sair pela tangente, ileso do possível desgaste provocado.
Assim, é importante reconhecer que a decisão de Dilma muda uma tendência anterior. Mas, por enquanto, não muito mais do que isso. Há bastante espaço e urgência para avançar na redução da taxa SELIC. E as decisões dessa natureza têm que ser impactantes, caso contrário perder-se-ão nas contas das planilhas dos operadores das instituições financeiras. Quem se lembra de como foram saudadas as oportunidades em que o Ministro Mantega anunciou a disposição em tributar o recurso externo especulativo? Mas as taxas eram tão ridiculamente diminutas que nada mudou a disposição do capital especulativo de para cá se dirigir. A festança continua, às custas do sacrifício de toda a sociedade. O mesmo raciocínio se aplica a essa decisão de 0,5% na SELIC.
O governo precisa, de uma vez por todas, se desvencilhar das amarras que o prendem aos interesses do setor financeiro. E, para tanto, é necessária a coragem política para a mudança. A grande maioria da sociedade tem demonstrado, por mais de uma década, que não concorda com o arrocho monetário e muito menos com a transferência de recursos para uma atividade comprovadamente estéril. O Brasil deve reduzir, de forma urgente, o nível da SELIC para algo próximo 6% ao ano, de forma que a taxa real fique em torno de 1,5% ao ano.
Com isso, o fluxo do capital especulativo externo seria sensivelmente diminuído. Ótimo! Nossas contas externas seriam menos pressionadas e a taxa de câmbio encontraria um patamar mais realista, sem a atual artificialidade do real sobrevalorizado. E o quadro atual de crise externa é bem propício para tais mudanças. Poderemos voltar mais nossa preocupação para o fortalecimento do mercado interno, para cuidar da reversão da tendência perigosa de desindustrialização e, principalmente, termos mais recursos orçamentários para investir em saúde, educação e infra-estrutura, uma vez que as despesas com juros da dívida pública serão substancialmente reduzidos.
Nesse caso - aí, sim! - estaríamos tratando das causas estruturais das dificuldades da casa da nossa parábola inicial e não apenas sugerindo ao chefe da família que colocasse o bode para dentro da sala.
(*) Analogia com o dito popular segundo o qual o chefe de uma família se dirige ao líder espiritual da comunidade para reclamar das enormes dificuldades que os seus entes queridos estão passando. Crianças doentes, pouco dinheiro, casa pequena, todos dormindo empilhados na sala, etc. E o líder recomenda que ele coloque um bode dentro da sala. Assustado, tenta reclamar do absurdo, que aquilo só iria piorar a situação e coisa e tal, mas a recomendação se mantém. Uma semana depois, com a crise insustentável, volta ao chefe religioso, ainda mais desesperado. E este lhe diz: “Meu filho, agora tire o bode da sala. Tenho certeza de que todos vão sentir como a situação terá melhorado!”.
[1] Ver aqui na página da Comissão Mista do Orçamento
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
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