09 setembro 2011

DEBATE ABERTO

A aventura dos que lutam contra o terrorismo nos EUA





Por Emir Sader, em seu blog


Mesmo se fosse ficção, a história desses personagens já seria sensacional. Mas se são reais e se dão no epicentro da guerra fria – entre Cuba e os EUA, entre Havana e Miami -, com personagens reais, que têm sua trajetória verdadeira reconstruída com maestria por um dos melhores escritores que temos - só poderia dar um livro extraordinário.

Fernando Morais diz que quer, com suas obras, de Olga a Paulo Coelho, passando por Chatô, entre tantas outras – ajudar a entender o Brasil. Com "A Ilha" nos ajudou a entender a Cuba, com "Os últimos soldados da guerra fria", nos permite entender melhor a América Latina, sua relação com os EUA e, portanto, um dos eixos que articulam o mundo contemporâneo.

O cenário é uma das duas esquinas da guerra fria – a outra era Berlim dividida -, que quase levaram a um enfrentamento bélico entre as duas superpotências. A trama tem a ver diretamente com isso. Daí a intensidade que ganham as situações de tensão, entre países, refletida em personagens concretos, reconstruídos com maestria por Fernando.

Cuba era, literalmente, o “pátio traseiro” dos EUA. Toda a economia cubana dependia da venda da safra de açúcar ao mercado norteamericano. Cuba era o destino principal do turismo norteameriano, que dispunha de uma enorme estrutura de cassinos, cabarés, rinhas de briga de galos, prostíbulos. Nem precisavam passar pela alfândega, saíam diretamente com seus iates da Florida e chegavam aos hotéis de Havana.

Os carros norteamericanos eram primeiro testados em Cuba, antes de serem lancados nos EUA. A primeira linha aérea internacional da Pan American foi para Cuba, cenário típico dos filmes de Hollywood.

A ditadura de Batista, derrubada pelo movimento liderado por Fidel, tinha o apoio total dos EUA. Desde o começo Washington tramou contra a Revolução Cubana. Quando foram realizadas a reforma agrária, a reforma urbana, a nacioanalização da indústria açucareira, os EUA passaram a enfrentar abertamente o novo governo cubano, decretando o bloqueio do país – ha meio século -, tentando uma invasão com mercenários e passando a financiar a oposição a Cuba, localizada basicamente em Miami.

As ações terroristas foram uma constante ao longo das 5 décadas de poder revolucionário, da mesma forma que o trabalho de infiltração por Cuba dos grupos opositores, buscando informações que permitissem evitar essas ações. Os 5 últimos soldados fazem parte dessas escaramuças.

Já sob os duros efeitos do fim da URSS e do planejamento econômico internacional do campo socialista - quando Cuba perdeu todo seu mercado para a produção de açúcar em troca do petróleo -, o turismo ganhou mais destaque na resistência cubana para sobreviver à pior crise que tinha enfrentado desde 1959. As ações terroristas se concentraram então em locais de turismo, tentando passar a ideia do risco dessa atividade em Cuba.

Foi nesse marco que Cuba resolveu montar uma operação que conseguisse penetrar nas organizações que mais diretamente realizavam as ações terroristas, diante da passividade, da conivência, quando não do incentivo e do apoio direto do próprio governo dos EUA. A historia magistralmente relatada por Fernando Morais é a de cinco deles, que foram presos e ate’ hoje cumprem penas nos EUA, por terem tratado de fazer o serviço que os EUA não fazem: o de recolher informações junto aos grupos terroristas no exílio cubano, para tratar de evitar a proliferação de sua ações criminosas.

O livro começa já com a descrição da dramática situação de um cubano sempre identificado com a revolução, que de repente aparece como um “traidor”, que chega a Miami a bordo de um avião da Força Aerea cubana, que ele mesmo tinha pilotado na guerra de Angola. Ninguém da sua família sabia, nem mesmo sua mulher, até ali confidente de tudo, que não podia acreditar que o seu marido e companheiro de vida está falando para uma rádio de Miami, criticando a revolução e justificando sua deserção.

Fernando retoma, fio a fio, a saída de cada um deles, suas inserções no
meio de organizações terroristas cubanas na Florida, o clima dessa colônia, até, finalmente, a prisão de todos e as condições absurdas dos processos que se armam contra eles, como se estivessem espionando instituições norte-americanas e não apenas entidades terroristas da oposição cubana, tarefa que deveria ser feita pelo próprio governo dos EUA.

A mídia brasileira se sente incomodada diante de um livro com esse teor e trata de calar sobre ele. Uma que outra nota apenas não impede que o livro salte para os primeiros lugares nas listas do mais vendidos. Uma leitura obrigatória para entender como os EUA tratam de manter a guerra fria nas suas relações com Cuba, porque até hoje nao conseguiram tragar o fato de que não conseguiram derrubar, por nenhum meio possível, o regime que mais oposição lhe faz, há mais de meio século. Uma leitura deliciosa para qume gosta de livros de aventura, de espionagem, de temas políticos vinculados à ação. E um grande trabalho a favor da libertação dos cinco cubanos que, lutando contra o terrorismo em território noteamericano, foram presos e condenados, enquanto terroristas confessos continuam andando livremente pelas ruas da principal potência imperial da história.





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Ética e jogo político





por Miguel do Rosário, no Óleo do Diabo



Milhares de pessoas saem em todo Brasil para cobrar ética na política. O Globo divulga fotos na capa e na terceira e quarta páginas (as áreas mais nobres do jornal). A manchete diz: “Pelo país, protestos contra a corrupção”. O subtítulo: “atos foram convocados pela internet”.

Quem sou eu para ser contra protestos contra a corrupção?

No entanto, acho curioso que os jornais digam que “os atos foram convocados pela internet” se todos eles divulgaram data, local e até mapas na véspera.

É a mesma coisa que aconteceu em março de 1964. A imprensa fez uma grande campanha de mobilização da sociedade, através da força de seus instrumentos de comunicação de massa; entrevistava autoridades e entidades (as mesmas de hoje: OAB, ABI, Fiesp, Firjan…), que afirmavam apoiar a manifestação e que estariam presentes; e depois dizia que as pessoas haviam acorrido “espontaneamente”.

Os órgãos de imprensa, que hoje formam a cabeça do “estamento” político da direita (conforme o conceito de Max Weber), querem associar-se às manifestações de massa para produzirem a impressão de que as suas ideias tem respaldo popular. Mas lhes interessa que essas manifestações não tenham líderes, não produzam organizações civis, que não sejam vinculadas a nenhum movimento social, partido político ou sindicato. Na matéria do Globo, deu-se destaque a hostilidade dos manifestantes a qualquer símbolo de alguma entidade civil organizada.

Quais são as propostas concretas que os manifestantes oferecem à sociedade?

Na verdade, uma manifestação contra a corrupção é como fazer uma manifestação contra a maldade: é uma manipulação da ingenuidade das pessoas.

Tenho me convencido, nos últimos tempos, que a sociedade manipulada pela mídia é inocente. Sinto-me cada vez mais inclinado a ver o que chamamos de classe média conservadora e alienada como vítima. Claro que o egoísmo entra em jogo aqui com muita força. Mas a partir do momento em que a informação disponibilizada para todo um grupo social vem somente de uma fonte, é inevitável que acarrete um processo de homogeneização (no caso, conservadora) ideológica de todo este grupo.

Ora, todos nós somos contra a corrupção. É saudável, da mesma forma, que a sociedade se mobilize para pedir reformas. O lado sombrio dessas manifestações, contudo, é que elas inscrevem-se na campanha sistemática da mídia para satanizar as instituições políticas.

Há muita corrupção no Brasil e ela deve ser combatida. Eu tenho prestado apoio aqui todo meu apoio à “faxina” da presidente, mesmo sabendo que a narrativa das ações governamentais tem sido em grande parte sequestrada por setores midiáticos de oposição. Não tem importância. Em política, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do adversário contra ele mesmo. A mídia quer fazer campanha contra a corrupção? Ótimo. A esquerda política pode dar o drible da vaca e usar isso para, de fato, fazer uma limpeza ética no país, investindo pesadamente em ações da Polícia Federal.

Na última vez que o governo federal fez isso, na era lulista, a mídia pediu arrego, assustada com o desfile de altos empresários, magistrados, políticos, entrando algemados em camburões. A mesma OAB que hoje apoia as manifestações contra a corrupção deu, na época, declarações de defesa aos empresários presos por sonegação de imposto. Não esqueço: presidente e diretores da OAB defendendo as falcatruas das proprietárias da Daslu. Não esqueço: editoriais e mais editoriais contra o “estado policial”.

Na minha opinião, portanto, devemos apoiar as manifestações contra a corrupção, mas dar-lhes uma consequência. Vamos ampliar ainda mais a Polícia Federal. Vamos endurecer as leis contra políticos, funcionários públicos e empresários (sim, não esqueçamos os empresários!) envolvidos em prevaricação. Vamos exigir mais transparência nos gastos governamentais, em todas as esferas. Essa é uma agenda importante, até mesmo prioritária, porque se esses desvios não representam muita coisa (percentualmente falando) a nível federal, eles constituem uma verdadeira tragédia nos municípios.

Não há frase melhor para fechar esse post do que um misterioso verso de Arthur Rimbaud:
“Enquanto recursos públicos se evaporam em festas de fraternidade, um sino de fogo rosa soa nas nuvens.”




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