Ordem mundial apresenta falência múltipla
de órgãos
Por Washington Araújo
Os Estados Unidos se preparam diligentemente para recepcionar o furacão Irene em seu território. Campanhas de evacuação das populações foram elaboradas e seguidas à risca. Utilização massiva dos meios midiáticos deflagrou a mais ampla campanha para prevenir a interrupção de vidas. Personagens frágeis do cotidiano humano receberam especial atenção, como os idosos nos asilos e as crianças nos orfanatos, para serem realocados em lugares que lhes oferecessem maior grau de segurança às suas vidas.
Como era de se esperar, a própria população estadunidense se mobilizou para proteger seus bens móveis e imóveis, fazendo florescer novos negócios como o que oferecia placas de madeira (compensada) para guarnecer janelas, portas e vitrines nos últimos dias. Serviços de guinchos para prender em terra firma automóveis e traillers trabalharam com sobrecarga. Vôos foram cancelados aos milhares, chegando ou partindo de diversas cidades do país. Estações dos trens metropolitanos foram fechadas. E a população foi instada a não sair de suas habitações.
Autoridades governamentais – como o presidente Obama e o prefeito de New York Bloomberg - se revezaram em ecoar repetidas advertências sobre o perigos que espreitavam sua população e seus bens com a chegada do Irene à costa norteamericana.
A cada um o que é seu: Riqueza para os ricos, miséria para os miseráveis?
Uma nação tão acostumada a explorar os recursos naturais do planeta como se estes fossem absolutamente inesgotáveis se rendia ante a – sabe-se agora tímida –resposta da natureza . A vida ordenada das cidades e do país recebeu algo como um freio de arrumação em grande estilo. A precariedade dos recursos materiais para preservar vidas e bens mostraram toda a sua vulnerabilidade e mostrou o que já aparecia no horizonte de nossa história moderna: a urgência de uma mudança nas prevalecentes concepções materialistas de desenvolvimento, concepções equivocadas e ruinosas em sua explícita incapacidade para diminuir a pobreza no mundo.
Em meio ao furacão econômico que em setembro de 2008 engolfou a nação norteamericana, gerando desemprego em grande escala, estagnando a atividade econômica, desorganizando o sistema financeiro internacional e transbordando suas mais perniciosas conseqüências para o Velho Continente, a Europa, que ora se debate em retirar conquistas que multidões de trabalhadores arduamente conseguiram conquistar ao longo de séculos de luta, sofrimentos e mortes. O materialismo, seja convenientemente definido – pintado com as tintas da opressão - ou oculto em conclusões implícitas, tem bem pouca chance de sobreviver a não ser que coloque a atividade econômica no centro da existência humana.
A cada nova crise – seja de natureza econômica, moral, espiritual – torna-se evidente o que já passa a ser consenso geral que somente o entendimento de que precisamos recriar uma nova consciência, enquanto espécie humana, sobre o verdadeiro papel da geração e da aplicação do conhecimento processo indispensável e mesmo essencial à existência social. É chegado o momento de considerar a atividade econômica não mais como um fim em si mesma.
Os dilemas criados pela criação da riqueza e sua distribuição eqüitativa continuam a produzir monstruosas desigualdades, a classificar a humanidade em dois principais estratos: ( a) humanidade de primeira classe, com acesso a todo tipo de riqueza, da saúde ao trabalho, do conhecimento ao lazer – e (b) a humanidade de segunda classe, com acesso a toda forma de exploração do homem pelo homem e em seu milenar papel de massa de manobra de governantes essencialmente autoritários e autocentrados (egocêntricos).
Estado criminoso, sociedade delinqüente?
Ao observador minimamente imparcial da cena internacional salta aos olhos constatar as imensas divergências entre as ações tomadas para prevenir os efeitos do furacão Irene e as ações não tomadas para prevenir os efeitos da ponta do iceberg da chamada falência econômica das nações mais desenvolvidas, ricas e arrogantes do planeta. Podemos listar alguns candentes contrastes:
1. As populações que foram ao longo de décadas seduzidas pelos ganhos de capitais especulativos, na melhor das hipóteses, e inexistentes em sua versão mais realista, nunca foram advertidas da gravidade das fraudes em que estavam se metendo
2. As populações que tanto foram orientadas a abandonar lugares de risco por onde chegaria o Irene representam parte mínima da população que deixaram de ser orientadas a não aplicar as poupanças acumuladas ao longo de suas vidas em instituições financeiras inescrupulosas, que manipulavam seus demonstrativos financeiros como se estivessem brincando com peças do brinquedo Lego.
3. As populações que tanto foram orientadas a não saírem de suas habitações ante a passagem do furacão foram sugadas sem dó nem piedade pelo olho do furacão econômico, que levou pelos ares portentos financeiros como o Lehmann Brothers, a seguradora AIG – American International Group, a maior do mundo no segmento e com rombo inicial de US$ 50 bilhões, empresas imobiliárias como Fannie Mac, Freddi Mac, além de governos e populações como os da Grécia, da Espanha, de Portugal e mais um pouco da Itália, Irlanda e mesmo França
4. Se os principais símbolos do poder governamental – o presidente Obama e o prefeito Bloomberg – foram ágeis em escancarar para o populacho os perigos do Irene, falharam escandalosamente em fiscalizar a ação de seus prepostos na economia, o Federal Reserve Bank, os organismos reguladores do sistema bancária que, ao contrário do se podia esperar, concederam selo de normalidade e legitimidade a todo o tipo de falcatruas bancárias-financeiras, incitando milhões de cidadãos a perdessem suas casas e empregos. A verdade é que os Estados Unidos ficaram mais pobres para os seus pobres. E mais rica para seus ricos, os reais causadores das crises sistêmicas.
5. Os mesmos zelosos governantes que ordenaram que os metrôs não circulassem, que quarteirões inteiros fossem fechados ao trânsito, que idosos e crianças foram realocados foram completamente irresponsáveis – quando não criminosos mesmo – em torrar em questão de dias nada menos que US$ 20 trilhões para combater a crise por eles mesmos gerada, monitorada e sempre prestes a explodir. O que não se poderia fazer com 20 trilhões de dólares para mitigar a fome, a miséria e o desespero de mais que 1/3 da humanidade, sobrevivendo em condições subumanas, submetidas que são a todo tipo de violação de seus direitos humanos fundamentais?
Os inequívocos sinais de “falência múltipla de órgãos”
A falta de perspectivas, o desemprego, o gosto amargo da desesperança que irmana populações de países que há tantas décadas desfrutavam das melhores e mais invejáveis condições de bem-estar social e que, de um momento para outro, questão de dois a três anos apenas, passam a conviver com o pesadelo diário da sobrevivência, tendo que se adaptar a rigorosos e até então inimagináveis ajustes fiscais que, como só poderíamos esperar, penalizam as classes mais fragilizadas das populações: os aposentados com cortes abruptos em seus benefícios, as crianças e os jovens vendo se perder na distância das gerações a qualidade de ensino pela qual tanto seus pais e avós lutaram, os enfermos e os subnutridos se defrontando com sistemas de saúde que, ainda deficitários, apresentam inequívocos sinais de “falência múltipla de órgãos”.
Os mesmos senhores que advertem seus povos contra El Niño, Katrina, Ivan, Rita, o atual Irene e tantos outros, são os mesmos senhores que travam as guerras, invadem países sem qualquer base legal ou moral, rasgam a Carta das Nações Unidas, colocam seus jovens na linha de frente para morrer em guerras injustas e fabricadas para atender aos caprichos do acúmulo rápido de riquezas, como os que vivem das indústrias de armamentos e de “empreiteiras especializadas em reconstruir países transformados em ruínas”. São os mesmos senhores que mantêm corrosivas relações de políticos, agentes reguladores e luminares da Academia.
A única alternativa viável (e possível) para que reescrevamos uma nova história humana está no discernimento dos líderes mundiais no sentido de que somente através do empoderamento das massas da humanidade, facilitando-lhe por todos os meios acesso ao conhecimento e sua conseqüente aplicação na solução dos problemas atuais, poderá florescer realmente uma solução duradoura. Se temos US$ 20 trilhões para cobrir rombos causados pela desonestidade de autoridades, banqueiros, industriais e intelectuais cooptados nos meios acadêmicos, por que não haveríamos de ter igual montante ou mesmo o seu triplo para promover a verdadeira revolução do conhecimento, aquela que capacita e empodera as massas para levar avante seu próprio destino?
Como era de se esperar, a própria população estadunidense se mobilizou para proteger seus bens móveis e imóveis, fazendo florescer novos negócios como o que oferecia placas de madeira (compensada) para guarnecer janelas, portas e vitrines nos últimos dias. Serviços de guinchos para prender em terra firma automóveis e traillers trabalharam com sobrecarga. Vôos foram cancelados aos milhares, chegando ou partindo de diversas cidades do país. Estações dos trens metropolitanos foram fechadas. E a população foi instada a não sair de suas habitações.
Autoridades governamentais – como o presidente Obama e o prefeito de New York Bloomberg - se revezaram em ecoar repetidas advertências sobre o perigos que espreitavam sua população e seus bens com a chegada do Irene à costa norteamericana.
A cada um o que é seu: Riqueza para os ricos, miséria para os miseráveis?
Uma nação tão acostumada a explorar os recursos naturais do planeta como se estes fossem absolutamente inesgotáveis se rendia ante a – sabe-se agora tímida –resposta da natureza . A vida ordenada das cidades e do país recebeu algo como um freio de arrumação em grande estilo. A precariedade dos recursos materiais para preservar vidas e bens mostraram toda a sua vulnerabilidade e mostrou o que já aparecia no horizonte de nossa história moderna: a urgência de uma mudança nas prevalecentes concepções materialistas de desenvolvimento, concepções equivocadas e ruinosas em sua explícita incapacidade para diminuir a pobreza no mundo.
Em meio ao furacão econômico que em setembro de 2008 engolfou a nação norteamericana, gerando desemprego em grande escala, estagnando a atividade econômica, desorganizando o sistema financeiro internacional e transbordando suas mais perniciosas conseqüências para o Velho Continente, a Europa, que ora se debate em retirar conquistas que multidões de trabalhadores arduamente conseguiram conquistar ao longo de séculos de luta, sofrimentos e mortes. O materialismo, seja convenientemente definido – pintado com as tintas da opressão - ou oculto em conclusões implícitas, tem bem pouca chance de sobreviver a não ser que coloque a atividade econômica no centro da existência humana.
A cada nova crise – seja de natureza econômica, moral, espiritual – torna-se evidente o que já passa a ser consenso geral que somente o entendimento de que precisamos recriar uma nova consciência, enquanto espécie humana, sobre o verdadeiro papel da geração e da aplicação do conhecimento processo indispensável e mesmo essencial à existência social. É chegado o momento de considerar a atividade econômica não mais como um fim em si mesma.
Os dilemas criados pela criação da riqueza e sua distribuição eqüitativa continuam a produzir monstruosas desigualdades, a classificar a humanidade em dois principais estratos: ( a) humanidade de primeira classe, com acesso a todo tipo de riqueza, da saúde ao trabalho, do conhecimento ao lazer – e (b) a humanidade de segunda classe, com acesso a toda forma de exploração do homem pelo homem e em seu milenar papel de massa de manobra de governantes essencialmente autoritários e autocentrados (egocêntricos).
Estado criminoso, sociedade delinqüente?
Ao observador minimamente imparcial da cena internacional salta aos olhos constatar as imensas divergências entre as ações tomadas para prevenir os efeitos do furacão Irene e as ações não tomadas para prevenir os efeitos da ponta do iceberg da chamada falência econômica das nações mais desenvolvidas, ricas e arrogantes do planeta. Podemos listar alguns candentes contrastes:
1. As populações que foram ao longo de décadas seduzidas pelos ganhos de capitais especulativos, na melhor das hipóteses, e inexistentes em sua versão mais realista, nunca foram advertidas da gravidade das fraudes em que estavam se metendo
2. As populações que tanto foram orientadas a abandonar lugares de risco por onde chegaria o Irene representam parte mínima da população que deixaram de ser orientadas a não aplicar as poupanças acumuladas ao longo de suas vidas em instituições financeiras inescrupulosas, que manipulavam seus demonstrativos financeiros como se estivessem brincando com peças do brinquedo Lego.
3. As populações que tanto foram orientadas a não saírem de suas habitações ante a passagem do furacão foram sugadas sem dó nem piedade pelo olho do furacão econômico, que levou pelos ares portentos financeiros como o Lehmann Brothers, a seguradora AIG – American International Group, a maior do mundo no segmento e com rombo inicial de US$ 50 bilhões, empresas imobiliárias como Fannie Mac, Freddi Mac, além de governos e populações como os da Grécia, da Espanha, de Portugal e mais um pouco da Itália, Irlanda e mesmo França
4. Se os principais símbolos do poder governamental – o presidente Obama e o prefeito Bloomberg – foram ágeis em escancarar para o populacho os perigos do Irene, falharam escandalosamente em fiscalizar a ação de seus prepostos na economia, o Federal Reserve Bank, os organismos reguladores do sistema bancária que, ao contrário do se podia esperar, concederam selo de normalidade e legitimidade a todo o tipo de falcatruas bancárias-financeiras, incitando milhões de cidadãos a perdessem suas casas e empregos. A verdade é que os Estados Unidos ficaram mais pobres para os seus pobres. E mais rica para seus ricos, os reais causadores das crises sistêmicas.
5. Os mesmos zelosos governantes que ordenaram que os metrôs não circulassem, que quarteirões inteiros fossem fechados ao trânsito, que idosos e crianças foram realocados foram completamente irresponsáveis – quando não criminosos mesmo – em torrar em questão de dias nada menos que US$ 20 trilhões para combater a crise por eles mesmos gerada, monitorada e sempre prestes a explodir. O que não se poderia fazer com 20 trilhões de dólares para mitigar a fome, a miséria e o desespero de mais que 1/3 da humanidade, sobrevivendo em condições subumanas, submetidas que são a todo tipo de violação de seus direitos humanos fundamentais?
Os inequívocos sinais de “falência múltipla de órgãos”
A falta de perspectivas, o desemprego, o gosto amargo da desesperança que irmana populações de países que há tantas décadas desfrutavam das melhores e mais invejáveis condições de bem-estar social e que, de um momento para outro, questão de dois a três anos apenas, passam a conviver com o pesadelo diário da sobrevivência, tendo que se adaptar a rigorosos e até então inimagináveis ajustes fiscais que, como só poderíamos esperar, penalizam as classes mais fragilizadas das populações: os aposentados com cortes abruptos em seus benefícios, as crianças e os jovens vendo se perder na distância das gerações a qualidade de ensino pela qual tanto seus pais e avós lutaram, os enfermos e os subnutridos se defrontando com sistemas de saúde que, ainda deficitários, apresentam inequívocos sinais de “falência múltipla de órgãos”.
Os mesmos senhores que advertem seus povos contra El Niño, Katrina, Ivan, Rita, o atual Irene e tantos outros, são os mesmos senhores que travam as guerras, invadem países sem qualquer base legal ou moral, rasgam a Carta das Nações Unidas, colocam seus jovens na linha de frente para morrer em guerras injustas e fabricadas para atender aos caprichos do acúmulo rápido de riquezas, como os que vivem das indústrias de armamentos e de “empreiteiras especializadas em reconstruir países transformados em ruínas”. São os mesmos senhores que mantêm corrosivas relações de políticos, agentes reguladores e luminares da Academia.
A única alternativa viável (e possível) para que reescrevamos uma nova história humana está no discernimento dos líderes mundiais no sentido de que somente através do empoderamento das massas da humanidade, facilitando-lhe por todos os meios acesso ao conhecimento e sua conseqüente aplicação na solução dos problemas atuais, poderá florescer realmente uma solução duradoura. Se temos US$ 20 trilhões para cobrir rombos causados pela desonestidade de autoridades, banqueiros, industriais e intelectuais cooptados nos meios acadêmicos, por que não haveríamos de ter igual montante ou mesmo o seu triplo para promover a verdadeira revolução do conhecimento, aquela que capacita e empodera as massas para levar avante seu próprio destino?
Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
<><><><><><><><><><><><><>
Tottenham é aqui
Por Laurindo Lalo Leal Filho
Lentes de contato coloridas e alisadores de cabelo estão entre os produtos preferidos das meninas de 9 a 15 anos que percorrem a Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo, entrando nas lojas, pegando esses produtos e saindo sem pagar.
Buscam padrões de beleza convencionalmente estabelecidos e, para isso, arriscam-se a estar sempre às voltas com a polícia. Mas não medem esforços para conseguir celulares cor-de-rosa, casacos coloridos e outros acessórios.
Lembram os recentes saques às lojas de Londres. A intensidade e a violência é muito menor, mas a motivação assemelha-se. Em ambos os casos, a ambição é o consumo de bens identificados com a projeção do status social.
As semelhanças não param aí. Em São Paulo, como em Londres, os serviços públicos de apoio e assistência aos jovens estão sendo dizimados pela política do “Estado mínimo”.
Em Tottenham, bairro ao norte da capital britânica, o orçamento social foi cortado pela sub-prefeitura em 75% provocando o fechamento de 8 dos 13 centros de lazer e atendimento à juventude (1).
Em São Paulo foram fechados 15 centros de referência especializados em receber jovens vindos das ruas (2). Sem falar no amplo déficit de equipamentos públicos de lazer, cultura e esportes existente na cidade.
A questão como se vê é global. Combina o desmonte neoliberal do Estado com a massificação e a homogeneização dos padrões de consumo. Não é um fenômeno recente. Ele vem sendo fermentado há algumas décadas. Recentes são as reações aqui exemplificadas.
A combinação é perversa. De um lado, retiram-se as oportunidades de lazer, educação e emprego de amplos setores da juventude e, de outro, nivelam-se para toda a sociedade os mesmos padrões sedutores de consumo. Como se a possibilidade de acesso a esses bens fosse igualitária.
Em artigo publicado bem antes dos distúrbios em Londres, o historiador britânico Timothy Clark já chamava a atenção para uma “assustadora realidade” representada no fato de que “nunca antes os miseráveis da terra existiram em tal situação híbrida de perplexidade e fúria, com as imagens de consumidores satisfeitos despejadas todas as noites pela televisão à platéia de seus novos servos endividados, em quartos alugados a preços escorchantes”(3).
No Brasil as imagens de “consumidores satisfeitos” chegam através da TV a 95% dos domicílios, nivelando hábitos e aspirações. A tensão que isso provoca nos menos favorecidos tem sido atenuada nos últimos anos com a melhoria da distribuição de renda em todo o pais.
Fator que em São Paulo tem eficácia diminuída devido às políticas restritivas aos serviços públicos implantadas pelos governos estadual e municipal. Surgem então as meninas vindas das bordas distantes da cidade em busca das lentes de contato coloridas. A Vila Mariana para elas é um parque de diversões.
Nesse aspecto a situação em Tottenham é diferente. Trata-se de um bairro pobre para os padrões britânicos e os revoltosos moram lá mesmo. Quantos não são até vizinhos das lojas atacadas?
Diferença significativa mas não suficiente para apagar os traços comuns de exaltação ao consumo e da impossibilidade de realizá-lo existentes nas duas regiões.
Ao explicar o “fetiche da mercadoria” Marx já apontava como ela, aos olhos do mundo, ganhava vida própria, obscurecendo o valor produzido pelo trabalho nela contido.
As técnicas científicas de propaganda e marketing atuais levaram a fetichização das mercadorias a níveis antes nunca vistos. Não são mais apenas úteis, são amadas, como se vida própria tivessem.
O valor simbólico por elas hoje adquirido é resultado da combinação das técnicas de manipulação da indústria publicitária com a sofisticação cada vez maior dos meios de difusão de sons, imagens, ideais e valores.
A violência dos rebeldes de Londres e a persistência ágil das meninas de São Paulo são o resultado dessa convergência. Sinais do início de um processo cujos desdobramentos são imprevisíveis.
A certeza única é que elas se perpetuarão, na medida em que a necessidade de reprodução acelerada do capital permanecer como o motor central das sociedades modernas (ou pós).
1. Ver “Distúrbios em Londres: os limites da linha dura”
2. “Prefeitura fechou 15 centros de referência” em Folha de S.Paulo, 28/8/2011, pág. C3.
3. Clark, T.J. “O estado do espetáculo” em Salzstein, Sônia; Modernismos, Cosac Naify, São Paulo, 2007
Buscam padrões de beleza convencionalmente estabelecidos e, para isso, arriscam-se a estar sempre às voltas com a polícia. Mas não medem esforços para conseguir celulares cor-de-rosa, casacos coloridos e outros acessórios.
Lembram os recentes saques às lojas de Londres. A intensidade e a violência é muito menor, mas a motivação assemelha-se. Em ambos os casos, a ambição é o consumo de bens identificados com a projeção do status social.
As semelhanças não param aí. Em São Paulo, como em Londres, os serviços públicos de apoio e assistência aos jovens estão sendo dizimados pela política do “Estado mínimo”.
Em Tottenham, bairro ao norte da capital britânica, o orçamento social foi cortado pela sub-prefeitura em 75% provocando o fechamento de 8 dos 13 centros de lazer e atendimento à juventude (1).
Em São Paulo foram fechados 15 centros de referência especializados em receber jovens vindos das ruas (2). Sem falar no amplo déficit de equipamentos públicos de lazer, cultura e esportes existente na cidade.
A questão como se vê é global. Combina o desmonte neoliberal do Estado com a massificação e a homogeneização dos padrões de consumo. Não é um fenômeno recente. Ele vem sendo fermentado há algumas décadas. Recentes são as reações aqui exemplificadas.
A combinação é perversa. De um lado, retiram-se as oportunidades de lazer, educação e emprego de amplos setores da juventude e, de outro, nivelam-se para toda a sociedade os mesmos padrões sedutores de consumo. Como se a possibilidade de acesso a esses bens fosse igualitária.
Em artigo publicado bem antes dos distúrbios em Londres, o historiador britânico Timothy Clark já chamava a atenção para uma “assustadora realidade” representada no fato de que “nunca antes os miseráveis da terra existiram em tal situação híbrida de perplexidade e fúria, com as imagens de consumidores satisfeitos despejadas todas as noites pela televisão à platéia de seus novos servos endividados, em quartos alugados a preços escorchantes”(3).
No Brasil as imagens de “consumidores satisfeitos” chegam através da TV a 95% dos domicílios, nivelando hábitos e aspirações. A tensão que isso provoca nos menos favorecidos tem sido atenuada nos últimos anos com a melhoria da distribuição de renda em todo o pais.
Fator que em São Paulo tem eficácia diminuída devido às políticas restritivas aos serviços públicos implantadas pelos governos estadual e municipal. Surgem então as meninas vindas das bordas distantes da cidade em busca das lentes de contato coloridas. A Vila Mariana para elas é um parque de diversões.
Nesse aspecto a situação em Tottenham é diferente. Trata-se de um bairro pobre para os padrões britânicos e os revoltosos moram lá mesmo. Quantos não são até vizinhos das lojas atacadas?
Diferença significativa mas não suficiente para apagar os traços comuns de exaltação ao consumo e da impossibilidade de realizá-lo existentes nas duas regiões.
Ao explicar o “fetiche da mercadoria” Marx já apontava como ela, aos olhos do mundo, ganhava vida própria, obscurecendo o valor produzido pelo trabalho nela contido.
As técnicas científicas de propaganda e marketing atuais levaram a fetichização das mercadorias a níveis antes nunca vistos. Não são mais apenas úteis, são amadas, como se vida própria tivessem.
O valor simbólico por elas hoje adquirido é resultado da combinação das técnicas de manipulação da indústria publicitária com a sofisticação cada vez maior dos meios de difusão de sons, imagens, ideais e valores.
A violência dos rebeldes de Londres e a persistência ágil das meninas de São Paulo são o resultado dessa convergência. Sinais do início de um processo cujos desdobramentos são imprevisíveis.
A certeza única é que elas se perpetuarão, na medida em que a necessidade de reprodução acelerada do capital permanecer como o motor central das sociedades modernas (ou pós).
1. Ver “Distúrbios em Londres: os limites da linha dura”
2. “Prefeitura fechou 15 centros de referência” em Folha de S.Paulo, 28/8/2011, pág. C3.
3. Clark, T.J. “O estado do espetáculo” em Salzstein, Sônia; Modernismos, Cosac Naify, São Paulo, 2007
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário